AUTORES

Caio Múcio Barbosa Pimenta, Eugênio Miguel Mancini Scheleder, José Fantine, Manfredo Rosa

DA COLETÂNEA “QUAL O MELHOR FUTURO PARA A PETROBRAS? UMA PROPOSTA DE ANÁLISE”

TEMA 3–DESMONTE DA PETROBRAS, LEGAL E LEGITIMO OU NÃO?

PARTE 2–NA VIGÊNCIA DA LEI 2004

INTRODUÇÃO

A Coletânea “Qual o melhor futuro para a Petrobras? Uma proposta de análise” revela que este momento da estatal parece ser o epílogo de uma trajetória de lutas em busca da afirmação nacional, e que requer especial atenção de cada um de nós.

O Tema 3 “Desmonte da Petrobras, legal e legitimo ou não?” na sua Parte 1 “Os interesses a respeitar” já publicada, apresentou questionamentos sobre o processo de desintegração, fatiamentos e privatizações em curso na referida estatal, bem como sugeriu à sociedade reflexões sobre tais questões. Assim, abordou de uma forma ampla conceitos de legitimidade e legalidade destas ações.

Agora, a sua Parte 2 “Na vigência da Lei 2004”, versará especificamente sobre questões de legitimidade e legalidade da Lei referida e das mudanças constitucionais que regularam o setor petrolífero brasileiro entre 1953 e 1995. Mais adiante, analisará leis do período 1996 a 2020, bem como serão discutidas ingerências que impediram o Brasil de se tornar potência mundial no segmento e a Petrobras de conquistar a ponta entre as maiores empresas mundiais do ramo. Desta forma o Site Brasil2049.com procura continuar levando aos cidadãos e cidadãs vasto material, que poderá ser útil para entender a presente realidade nacional.

Na leitura destes documentos e do marcos legais, percebe-se, por exemplo, que as decisões sobre privatizações das estatais podem estar incorporando vícios de origem por várias razões, quase sempre por se alinharem aos lobbies de grandes grupos interessados, e por contarem com ampla e permanente campanha que, concomitantemente, desqualifica as ações do Estado e de suas entidades e enobrece a iniciativa privada no segmento.

A legalidade e a legitimidade, quando no trato de questões relacionadas a um dos maiores patrimônios nacionais, deveriam ser a bandeira de todos os patriotas, nacionalistas e interessados no bem estar social nacional. Contudo, muito infelizmente, não tem sido bem assim.

LEGALIDADE E LEGITIMIDADE DA CRIAÇÃO DA PETROBRAS – LEI 2004/53

A partir de 1951, por mais de um ano, o Congresso Nacional discutiu detidamente a situação do setor petrolífero no Brasil e no mundo, buscando encontrar uma forma para garantir a segurança no abastecimento nacional de petróleo e de derivados.

A Mensagem 469/51 que encaminhou um Projeto de Lei para instituição do monopólio estatal do petróleo e gás e criação da Petrobras (para executá-lo em nome da União) descrevia um cenário extremamente grave para o suprimento enérgico nacional. Consolidava anos de debates em todas as camadas da população e em todas as entidades de importância para o País, desde 1946. Uma concertação nacional, alinhada com seguros e decididos apoios internos, conseguiu garantir uma ação soberana, apesar do cenário mundial de exploração colonial e de cartéis dominando o segmento.

Os seguintes pontos desta Lei impondo restrições revelam os riscos previstos que seriam enfrentados pelo Estado brasileiro ao contrariar tão profundos interesses (e não se pode deixar de constatar de como o texto foi cautelosa e inteligentemente pensado).

  1. Impediu estrangeiros de adquirem quaisquer tipos de ações da companhia (incluindo proibição de posse por brasileiros ou brasileiras casados em comunhão de bens com estrangeiros) para tentar minimizar pressões externas;
  2. Pulverizou a posse de ações por brasileiros para evitar pressões internas, mas limitou o número de ações por entidade;
  3. Concentrou mais de 50% de todas as ações, ordinárias ou preferenciais, em mãos da União, para evitar que portadores privados alegassem deter a maior parte do capital da empresa e, assim, obter alguma ascendência decisória;
  4. Definiu criativamente a fonte de recursos necessários para a expansão da empresa (escassos no poder público) para evitar empréstimos externos ou incapacidade de investimentos da nova e pequena empresa [1]. Estabeleceram que os compradores de combustíveis pagariam certa quantia compulsoriamente, que depois seria transformada em ações da empresa o que, com os lucros na refinação, logo abundantes, possibilitaram gerar recursos para a expansão inicial da companhia, sem onerar o consumidor.

Dois pontos da Lei 2004 merecem destaque e, por si só, podem reorientar decisões sobre privatização em curso de subsidiárias. Diziam:

“Art. 2º. A União exercerá, o monopólio estabelecido no artigo anterior:

     II – por meio da sociedade por ações Petróleo Brasileiro S. A. e das suas subsidiárias, constituídas na forma da presente lei, como órgãos de execução.

Art. 6º A Petróleo Brasileiro S. A. terá por objeto a pesquisa, a lavra, a refinação, o comércio e o transporte do petróleo proveniente de poço ou de xisto – de seus derivados bem como de quaisquer atividades correlatas ou afins.”

Como se vê, clara e especificamente, aquela norma considerava que a Petrobras poderia criar subsidiárias como órgãos de execução e as acolhia no corpo legal antecipadamente. Além disso, conferia à empresa um amplo leque de atividades. Ora, se isto estava previsto no corpo da Lei, as subsidiárias também não poderiam ser privatizadas, nem tampouco a estatal ser proibida de criá-las se entendesse ser este um caminho adequado para cumprir os objetivos que lhes foram determinados.

Então, se não era permitido privatizar a estatal (e contínua não sendo), também não era legal nem legitimo desestatizar subsidiárias (elas que são partes essenciais da empresa-mãe), ainda que órgãos da administração pública o determinassem. E muito mais grave ainda, um ato até criminoso, seria criá-las pensando na facilidade de sua privatização [2].

Da mesma maneira, para que a Lei fosse cumprida, a extinção de uma subsidiária teria que fazer reverter todo o seu patrimônio para a empresa-mãe, para não caracterizar um ato de amputação da estatal [3]. Também, se não era permitido privatizar a Petrobras, muito menos seria possível desmembrá-la e vendê-la em fatias.

Do exposto acima se conclui que, para extinguir a empresa, de forma legal e legítima, torna-se necessário trilhar o caminho inverso, ou seja, um entendimento de alcance nacional, contrário ao que fora aprovado, com base em estudos sérios, demonstrando a não necessidade da presença do Estado no setor (e desfazendo-se da experiência da Petrobras), culminando com a aprovação de uma nova lei federal. Por mais que isto tenha sido tentado, somente em 1996, abriu-se alguma brecha para alteração, mas ainda respeitando o espírito da Lei 2004, no que tange à existência da Petrobras, ecoando os fortes movimentos de 1953 (será visto adiante).

Resumo: Estabeleceu-se em 1953 um monopólio e, também, uma empresa – a Petrobras – para executá-lo em nome da União, com bases legais e legitimadas, através da lei 2004 e da expressiva mobilização da sociedade, favorável a tal decisão. Esta lei se manteve até 1997, sempre referendada nas mudanças da Constituição e apesar de pesados lobbies contrários a ela. Em um cenário muito adverso, foi revogada. Mas sua força demonstrou-se por permanecer a Petrobras ainda inteira, e o monopólio mantido na Constituição, ainda que de forma enviesada. Também foram respeitados pontos sobre subsidiárias, como se verá mais adiante.

O que é legitimo e legal protege os interesses nacionais

LEGALIDADE E LEGITIMIDADE DA MANUTENÇÃO DO MONOPÓLIO ESTATAL DO PETRÓLEO – CONSTITUIÇÃO DE 1988

Entre 1964 e 1985, a Petrobras e o estatuto do monopólio estatal estiveram lado a lado dos planos governamentais de desenvolvimento nacional, sendo aquela incentivada a assumir papeis importantíssimos no período considerado, inclusive com expressiva criação de subsidiárias. No novo período republicano, iniciado em 1985, ocorreu a preparação de nova Constituição Federal através de Assembleia Constituinte, com plenos poderes para reorientar em novos mandamentos todo o modelo da ação do Estado. Portanto tudo legal e legítimo.

Neste cenário da Constituinte não faltaram propostas para quebra do monopólio estatal do petróleo, o que significaria a nulidade da Lei 2004 que o estabelecera e, também, o fim da Petrobras como executora deste instituto (quando muito, uma nova lei poderia considerar a sua existência como uma estatal comum de mercado). Em uma Constituinte as cláusulas do texto não dependem de aprovação por 2/3 dos congressistas para serem aceitas. Tal contingência facilitaria a quebra do monopólio se a consciência nacional não estivesse solidamente a favor deste instituto.

De fato, a boa imagem da estatal e o sentimento de importância da manutenção do monopólio prevaleceram, mobilizando seus Sindicatos e a sua Associação de Engenheiros, empregados da empresa em geral, destacando-se a estrutura gerencial, bem como os seus defensores em importantes segmentos nacionais, inclusive o militar. Com esse novo debate nacional e no Congresso, renovada legitimação do modelo vigente foi proposta e aprovada. Venceu a tese que elevava o monopólio estatal para o nível de cláusula constitucional, reforçando a estatura da Lei 2004 e, portanto, da Petrobras.

Resumo: Amplo debate nacional quando da elaboração da nova Constituição nacional em 1988, 35 anos passados da criação da Petrobras e da instituição do monopólio estatal do petróleo e gás, e o acordo final estabelecido, legitimaram a continuidade dos princípios que nortearam a atuação do Brasil nos seus negócios no segmento petrolífero, bem como o modelo organizacional da estatal, sem alteração nas suas premissas operacionais e no poder industrial, comercial e tecnológico.

LEGALIDADE E LEGITIMIDADE DA MANUTENÇÃO DO MODELO CONSTITUCIONAL DO PETRÓLEO EM 1993 (REVISÃO DA CONSTITUIÇÃO DE 1988).

Desde 1985, com olhos no imenso patrimônio da União, intensa campanha midiática contra suas empresas e os monopólios defendia o Estado Mínimo, praticamente sem entidades públicas [4].

Com maior ou menor intensidade, o país vivenciou pelo menos uma década de embates diante da questão, ora fazendo recrescer a perspectiva de revisão do monopólio estatal do petróleo, ora arrefecendo a intenção de implantar um modelo privatizador. Paralelamente, várias indicações sinalizavam rumo a uma revisão da Constituição no que tange aos negócios do setor.

De um lado, segmentos da sociedade por todo o País puderam reviver um pouco das lutas do passado, com epicentro no Congresso, onde técnicos das estatais e formadores de opinião apresentaram suas percepções em defesa do modelo vigente.

Várias forças internas se juntaram na defesa das vantagens da lei 2004 para o Brasil e da manutenção da inserção do monopólio estatal do petróleo na Constituição.

Um Grupo na sede da estatal, coordenado pelo então Serviço de Planejamento, contando com representantes da Comunicação, do Serviço de Imprensa, e das áreas operativas, traçava as estratégias de ação e preparava materiais para a campanha promocional nacional [5] (não a da mídia convencional). Esta coordenação instruía os representantes da estatal para se colocarem a disposição dos congressistas, assistindo-os em suas análises, e para distribuírem o material elaborado, centenas de estudos comprovando a eficácia da Petrobras e de suas subsidiárias. Estes trabalhos foram desdobrados em milhares de cartas, folhetos, livretos, cartilhas contrapondo-se ao também volumoso material encomendado pelos grandes interesses que tentavam provar que, no mundo, chegara ao fim a era das estatais do petróleo e que estas sempre teriam sido ineficientes.

Outra turma, coordenada pelo mesmo Serviço de Planejamento, e composta por altos dirigentes da empresa, promovia palestras e encontros nacionais para debater o assunto petróleo. Além disto, em cada Estado forças tarefas se formavam para multiplicar as matérias para os ambientes da mídia, dos poderes constituídos e da sociedade em geral. Paralelamente, em presença também nacional, atuava a Associação dos Engenheiros da Petrobras, com base em seus materiais e do grupo coordenador anteriormente citado, e em suas experiências. O conteúdo das matérias e das falas seguia rigorosamente Fatos e Dados, e análises de primeira grandeza.

Ao mesmo tempo, em grande esforço contrário, interessados defenderam livremente e vigorosamente seus pontos de vista privatizantes e de eliminação dos monopólios [6], como, também dezenas de lobistas empenhados na ordem liberal foram incorporados ao movimento. Deste lado há que realçar o apoio de boa parte da grande mídia nacional.

O confronto das ideias resultou na vitória do lado defensor do modelo constitucional em vigor, preservando então a sua vigência.

Resumo: Vê-se que 40 anos após a decretação da Lei 2004, reviveu-se em parte a campanha nacional que levara à sua promulgação. Não faltaram debates e esclarecimentos pró e contra para que todos formassem o juízo sobre tema tão importante. Importante realçar que os empregados da estatal e técnicos do governo não foram censurados por estarem defendendo o que julgavam o interesse nacional.

Assim, o estatuto vigente do petróleo e gás se viu novamente legitimado.

DÚVIDAS SOBRE LEGITIMIDADE E LEGALIDADE DA REFORMA CONSTITUCIONAL INICIADA EM 1995

A partir de 1995, apoiado no sucesso do Plano Real e em coligação com agremiações de centro-direita, o novo governo adotou um modelo liberal na economia. Nesse contexto decidiu eliminar os monopólios estatais e completar as vendas das entidades ainda existentes.

O cumprimento de tal objetivo demandava leis e mudanças na Constituição Federal e, para não arriscar perder apoio no Congresso, o governo, entre outras providências, entendeu que teria que anular a ação dos grupos atuantes na defesa do patrimônio estatal, estes que tanto sucesso tiveram um ano antes na atuação junto aos congressistas e à sociedade.

Sendo assim, de fato, requisitou, para avaliação, todos os documentos produzidos por empregados ou pelas empresas estatais durante a Revisão Constitucional de 1993. Talvez imaginasse encontrar conteúdos impróprios. No caso da Petrobras, um dos autores do presente texto, organizou a lista e os exemplares para envio. Não deram retorno, que se saiba. Nota emitida sobre este pedido [7] é bastante clara, revelando a boa ação da estatal, em sua legitima e vitoriosa ação no Congresso no período 1993 a 1994.

Seguiu-se uma ordem do organismo de comunicação do Palácio do Planalto estabelecendo a proibição incontornável de participação de empregados de estatais, e de técnicos do Estado, em movimentos, entrevistas, palestras e quaisquer ações em favor da manutenção de monopólios estatais e entidades da União, vedando-lhes a mobilidade necessária para tal fim. Além disso, todos os ocupantes de cargos de chefias souberam, na Petrobras, que seriam demitidos de suas funções se continuassem na sua luta em defesa do que julgavam ser de interesse nacional.

Ao mesmo tempo, pelo que se sabe, nenhum lobista privado ou mandantes correspondentes em favor da quebra dos monopólios e das decorrentes privatizações foram importunados ou investigados e, nem mesmo advertidos. Um exemplo de organizada, poderosa e com livre iniciativa de manipulação do Congresso e da sociedade pode ser entendida na leitura do documento Secretaria Técnica para a revisão constitucional [8].

Esta Secretaria agia nacionalmente e em Brasília, em nome de grandes empresas, por exemplo instruindo lideranças sobre o que falar em entrevistas, com respostas prontas para perguntas de jornalistas, uma aula para seduzirem a opinião pública e o Congresso. Quando tal documento foi descoberto, o Serviço de Planejamento da Petrobras deu coletiva sobre o assunto e distribuiu o material para toda a mídia creditada na empresa, bem como liberou cópias para os congressistas. Logicamente, tal movimento não cessou em 1994, mas não teve mais contrapontos à altura, pela censura imposta às estatais a partir de 1995.

 

Assim, de fato não houve debate sobre o que pretendiam fazer. Por meios não percebíveis pela sociedade, sonegaram informações valiosas que poderiam manter a opinião pública atenta em defesa de seus patrimônios nacionais, como acontecera em 1993/1994 e anteriormente desde 1945 [9].

Sem contar com as informações necessárias, de forma massiva e validada, sobre as contradições dos novos modelos propostos, e no impedimento de realização de amplos debates, tanto a população como as suas instituições representativas não conseguiram se fazer presentes na mesma intensidade das oportunidades anteriores. Também, os congressistas não contaram com a pressão popular e o conhecimento que pudessem contrabalançar a fidelidade partidária (o Executivo compôs maioria no Legislativo).

Este quadro indica claramente uma assimetria, em um Estado Democrático de Direito, em desfavor do interesse nacional e da sociedade, mas privilegiando grandes interesses que não se apresentavam de forma transparente. Sendo assim, à luz da história vivida é possível afirmar que a mudança da Constituição, proposta em 1995, careceu de tramitação legitimada, embora tivesse seguido os caminhos legais. Em uma Democracia, a rigor, não são legítimas as leis e reformas geradas em processos com vícios de origem por censurarem a livre expressão do pensamento, principalmente dos detentores de informações cruciais para o necessário debate.

Não obstante todo esse ambiente adverso, o trabalho anônimo, zeloso e incansável de muitos empregados da Petrobras, da sua Associação de Engenheiros e, também, de aposentados e de vários congressistas fez ecoar a boa imagem da estatal junto ao Senado. E então, como se verá, a vitória do desmonte estatal, que parecia inevitável, não pode se dar na intensidade pretendida.

A ideia de quebra do monopólio no caso do petróleo (Proposta de Emenda Constitucional-PEC 6/1995) passou na Câmara, mas os senadores decidiram não aprovar a proposta tal qual fora elaborada, talvez divisando que, ato contínuo, a Petrobras seria privatizada. Resolveram, então, que iriam alterar o texto aprovado, nele inserindo cláusula garantidora da existência da Petrobras estatal. Mas, o governo tinha receio que a volta (decorrente) do projeto para a Câmara poderia criar um ambiente contrário à aprovação da PEC. Assim, aceitou negociar com o Senado uma alternativa de não alteração da PEC 6/95. Desse entendimento resultou uma carta do Presidente da República ao Senado garantindo a não privatização da estatal [10].

Por outro lado, algumas lideranças, no Congresso e no meio militar, como se vira na legislatura anterior, não aceitavam a pura e simples extinção do monopólio estatal do petróleo. Esta situação levou o governo a mantê-lo na Constituição, assim novamente legitimando tal estatuto. Entretanto, encontrou uma forma de flexibilizá-lo, ou seja, poder exercê-lo através da Petrobras ou, se o desejasse, também contratar empresas públicas ou privadas, brasileiras ou estrangeiras, para cumpri-lo.

Vejam a seguir o artifício utilizado, comparando o Artigo 177 da Constituição de 1988, mantido na revisão em 1993, e o mesmo Artigo com a dissimulada quebra do monopólio em 1995:

ANTES – Constituição de 1988, revisada em 1993

Art. 177. Constituem monopólio da União:

I – a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos; 

II – a refinação de petróleo nacional ou estrangeiro;

III – a importação e exportação dos produtos e derivados básicos resultantes das atividades previstas nos incisos anteriores;

IV – o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados básicos de petróleo produzidos no País, bem assim o transporte, por meio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados e gás natural de qualquer origem;

§ 1º O monopólio previsto neste artigo inclui os riscos e resultados decorrentes das atividades nele mencionadas, sendo vedado à União ceder ou conceder qualquer tipo de participação, em espécie ou em valor, na exploração de jazidas de petróleo o gás natural (sublinhado do Site).

DEPOIS – Revisão Constitucional de 1995

(mantido o texto original, mas alterando o § 1º)

Art. 177. Idem Revisão Constitucional de 1993 itens I a IV

§ 1º A União poderá contratar com empresas estatais ou privadas a realização das atividades previstas nos incisos I a IV deste artigo observadas as condições estabelecidas em lei (sublinhado do Site).  

Os autores do Site entendem que a alteração do monopólio estatal não seria um problema para a empresa Petrobras, que já consolidara sua posição no País e no comércio exterior, contando com tecnologia de ponta nos segmentos que conduzia. Julgam sim, que a quebra do monopólio é nefasta para o Brasil, pois o mantém sempre sujeito a lobbies poderosos para a entrega do subsolo nacional para as multinacionais estrangeiras, bem como para a privatização da Petrobras. Isto traz resultados indesejados para o consumidor brasileiro, pelo encarecimento dos derivados, pela insegurança no suprimento nacional, pelo alinhamento do negócio nacional aos interesses das matrizes no exterior, jamais coincidentes com os interesses brasileiros.

Resumo: A revisão constitucional de 1995 ratificou duas questões muito importantes: i. legitimou mais uma vez a presença da estatal Petrobras no cenário nacional e o espírito da Lei 2004; ii. Não eliminou o estatuto do monopólio do petróleo, que permaneceu na Constituição, embora atenuado pela mudança do parágrafo primeiro do seu artigo 177.

Assim, 42 anos após a promulgação da Lei 2004, as forças contrárias e os grandes interesses na abertura do setor e da privatização da Petrobras tiveram que reconhecer a força e a legitimidade da solução estatal no setor petróleo.

Por outro lado, pela maneira como foi conduzida esta revisão, o Site entende que ela não foi alcançada de forma legitima, pois não foi permitido o amplo debate nacional sobre a questão petrolífera. Em verdade, seu sentido parece ter sido deixar caminho aberto para o apequenamento da Petrobras, como pode ser percebido pelos fatos subsequentes, o que será visto em novas Partes deste Tema 3.


Notas

  1. Lembrar que na mensagem propondo a criação da empresa afirmavam que o mercado era controlado por um forte cartel estrangeiro, que impunha altos preços para os derivados, portanto estabeleciam uma renda para as empresas estrangeiras retirada do consumidor através dos preços. Com o monopólio veio a rápida conclusão de duas grandes refinarias do Estado (REDUC e RPBC no Rio de Janeiro e Cubatão) e rápida construção de outras em MG, RGS, PR e mais duas em SP, e o controle de preços. Assim houve margem para que os consumidores pagassem o empréstimo compulsório sem problemas, mesmo porque o receberiam de volta na forma de ações. E lucros suficientes para a Petrobras reinvestir em todos os segmentos abrangidos pelo monopólio.

  2. Uma das partes do Tema 3 tratará destas manobras inconvenientes.

  3. Analogia: um ser humano não deveria ser vítima de execução. Bem como não pode ter seus órgãos extraídos ou suas partes amputadas, quaisquer que sejam os pretextos, exceto se necessário para salvar-lhe a vida. E, muito importante, nem que o queira pode decidir pela amputação ou extirpação de seus órgãos, embora possa viver sem vários deles. Este conceito é aplicável as grandes corporações, como visto no Tema 2 da presente Coletânea, neste site. O tipo de empresa que a Petrobras se tornou por força da lei que a criou, depende vitalmente de suas subsidiarias. Sem elas torna-se outra classe de empresa, do segundo time, apequenada, fraca e sujeita a ser extinta em algum momento.

  4. Entre 1990 a 1992 a campanha contrária contou com participação do próprio Estado desvalorizando suas estatais e as vendendo em troca de moedas podres.

  5. Ver no Site em Doc Históricos Petrobras: Catalogo de textos publicados pela Petrobras em 1993, 1994 e 1995. Objetivo levar Fatos e Dados ao Congresso e à sociedade

  6. Surgiram seminários e congressos debatendo o fim dos monopólios no mundo (uma falácia no caso petrolífero). Livros foram escritos e divulgados gratuitamente para os congressistas e amplamente citados no Brasil, discorrendo sobre as excelências do sistema privado de exploração do setor. Margareth Thatcher veio ao Brasil defender as vantagens do desmonte do Estado (Já o inglês, com seus exércitos impondo a ordem mundial e suas empresas determinando o processo industrial nos países dominados ou cooptados, por séculos, construiu a riqueza daquele país, podendo, portanto, falar em processo privatizador interno, embora não total em sua economia).

  7. Ver Comunicação não institucional da Petrobras em 1993/1994. Relato: Um mundo de informações ao Congresso e à sociedade. Site Brasil2049 – Documentos Históricos Petrobras.

  8. Ver Secretária Técnica, o poderoso lobby empresarial na revisão da Constituição de 1993,1994,1995 – Documentos Históricos Petrobras

  9. Estas não são histórias escutadas ou fruto de interpretação, mas sim foram momentos vividos intensa e abertamente pelos responsáveis pelo site, anos 1992 a 2002

  10. Ver no Site Carta de FHC ao Senado em 1995. Acordo sobre não privatização da Petrobras em Doc Históricos Petrobras.

Posted by Brasil 2049

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