Desembarque de Pedro Álvares Cabral em Porto Seguro, 1500 – Oscar Pereira da Silva, Public domain, através da wiki Wikimedia Commons

OS ÍNDIOS E A CIVILIZAÇÃO,

Obra de Darcy Ribeiro[1],[2]

Análise por Manfredo Rosa

“O que (a civilização ocidental) oferece aos índios não são propriamente as conquistas técnicas e humanísticas de que se orgulha, mas a versão degradada destas, de que são herdeiros os proletariados externos do seu centro de poder. A civilização que se apresenta ao índio é a que configurou os brasileiros como um povo que não existe para si, mas para servir à prosperidade de minorias locais e de núcleos longínquos, ao custo de seu próprio desgaste”.

“Os índios e a civilização” é uma robusta contribuição para o conhecimento da história mais recente (primeira metade do século XX) das populações nativas do Pindorama, matéria de tão ínfima presença nos currículos escolares em todos os níveis. O livro é, também, uma destacada referência bibliográfica na nossa antropologia.

Neste trabalho, resumidamente, Darcy Ribeiro analisa os vários estágios da passagem do índio tribal ao índio genérico, este marginal das fronteiras de expansão das atividades econômicas do homem branco que apropriou de suas terras, o incorporou como mão de obra e o rejeitou como índio.

Nas apresentações, os textos em itálico são transcrições do livro. Os demais compreendem resumos, complementos, observações e comentários do leitor.

Rugendas – Aldea des Tapuyos – Johann Moritz Rugendas, Public domain, através da wiki Wikimedia Commons

Rugendas – Guerillas – – Johann Moritz Rugendas, Public domain, através da wiki Wikimedia Commons

 1. Principais conclusões do autor sobre o tema:

  • Quanto ao grau de contato, as populações indígenas modernas (entre setenta e cem mil pessoas – estimativa de 1970) podem ser classificadas em quatro grupos: isolados (28%), contato intermitente (12%), contato permanente (22%) e integrados (38%);
  • Resultados da integração: durante o século XX, no trânsito, entre isolamento e integração, oitenta e sete grupos foram exterminados.
  • O processo de integração pode ser enfeixado em três tipos principais, consoante o tipo de atividade econômica que levou ao contato:
      • Extrativista – Baixo nível de organização do entrante, indivíduos desgarrados, ou em grupos instáveis extremamente agressivos. Condições opressivas;
      • Agrícola – Frentes formadas por famílias, portanto, sem interesse pelo índio enquanto mão de obra, evitando maiores contatos. Conflitos;
      • Pastoril – Grandes massas populacionais. Equipamentos. Limpeza dos campos para formar pastos, gado no lugar da caça, também gerando tensões, promovendo chacinas tão devastadoras quanto às das frentes extrativistas.
  • Na transfiguração étnica, um dos condicionantes é a intervenção, seja a do Serviço de Proteção ao Índio, seja a catequese. Segundo o autor, esta segunda via operou frequentemente de forma mais negativa que a proteção oficial. O autor ressalta ainda duas peculiaridades interessantes quanto à catequese:
      • A competição entre católicos e protestantes que teria provocado rupturas na solidariedade tribal;
      • Algumas tribos pelo menos aderiram de forma mais intensa aos cultos evangélicos. Poder orar, gritar, bater palmas, jogar-se no chão, cantar, dançar, guarda mais semelhança com os ritos nativos. E saltam e gritam imitando os animais desde o ronco do bugio até o coaxar dos sapos, em meio a exclamações sagradas “Aleluia”, “Deus me leva”.
  • Há uma sequência típica trilhada no processo de transfiguração étnica:
      • Prestígio e reverência à superioridade técnica do branco. Adoção de elementos culturais, de utilidade, supérfluos ou inconvenientes (álcool);
      • Fixação de hábitos novos e necessidades econômicas levando a convívio mais intenso com os agentes locais da sociedade nacional;
      • Percepção dos inconvenientes da interação (compulsões ecológicas e bióticas gerando violência contra a aculturação – “quase sempre já tarde demais”);
      • (Caso o grupo não tenha sido extinto ao percorrer as três etapas anteriores) Dependência decorrente da satisfação de necessidades adquiridas, acompanhada da incorporação na força de trabalho;
      • Integração (considerada pelo autor como uma forma especial de adaptação) conservando elementos da antiga cultura que sejam compatíveis com sua nova condição, de índios integrados.
  • Perspectivas futuras (Visão em 1970):
      • Redução progressiva da população indígena (Não se cumpriu – Ver item 3);
      • As línguas indígenas, embora com modificações, continuarão a serem faladas, exceto nos casos em que ocorrerem dispersões ou fusões;
      • As culturas indígenas somente poderão sobreviver autônomas nas áreas inexploradas ou de penetração recente;
      • Análises quanto à previsão dos destinos dos grupos indígenas brasileiros deve levar em conta as compulsões de caráter socioeconômico.

Índios isolados no Acre – Gleilson Miranda / Governo do Acre, CC BY 2.0, via Wikimedia Commons

Parque indígena do Xingú – Pedro Biondi/ABr, CC BY 3.0 BR, via Wikimedia Commons

2. Alguns pontos destacados (pela relevância e/ou pela contundência):

  • Os índios
      • Vasta documentação nos mostra que as tribos indígenas brasileiras raramente apresentavam populações em incremento nas condições originais de isolamento. Cada uma delas, de modo próprio, parece ter alcançado um equilíbrio entre o sistema tecnológico, as condições ecológicas e certas práticas de contenção demogenética. (Manutenção do mesmo aproximado contingente populacional. Nível próprio de autossutentabilidade);
      • Parecem pesar sobre a estabilização certas práticas de restrição voluntária de natalidade, como, a anticoncepção, o aborto e o infanticídio, copiosamente documentado em várias tribos;
      • Até hoje não foi rigorosamente documentada qualquer moléstia originalmente indígena que passasse à população brasileira, a não ser certas micoses de pequena gravidade e de expansão apenas regional;
      • Uma das primeiras versões disponíveis, datada de 1795, informa sobre mitos de origem onde realça a predestinação dos Kadiwéu (Mbayá) ao domínio de outros povos; eles seriam o povo preferido do criador e teriam vindo ao mundo para subjugar os demais.
  • Os impactos da pacificação e da integração: As compulsões e as coerções, ecológicas, bióticas e socioeconômicas.
      • Por força do modo de interação aplicado, não existe tribo alguma virgem da influência da civilização. Pelo menos viram aviões sobrevoando suas matas, depararam com canoas movidas a motor, ouviram pipocar de rifles, encontraram restos de ferramentas ou enormes buracos para retirar cascalho e sujar com ele a água dos igarapés. Embora eles o ignorem, o mais poderoso determinante de seu destino é hoje a bolsa de Nova York;
      • A simples confraternização é prenhe de consequências desorganizativas da vida tribal. Para eles a pacificação não significa apenas abstrair-se de combater. É muito mais – ela exige toda uma revisão do seu sistema social;
      • (Quanto maior a aproximação dos brancos, conhecendo a grande diferença de cultura e dos aparatos tecnológicos), pouco a pouco passaram a conhecer em toda a extensão o quanto eram insignificantes diante da tribo imensa dos brancos. Era o desencanto de um povo tribal diante de uma sociedade nacional… o prestígio atribuído ao branco passou a ser de tal ordem que nenhum valor tribal pôde persistir… aprendendo que nada podiam contra o branco… se quebrou o orgulho que tinham nas danças, nos cantos… passando a adotar cada elemento cultural que lhes era accessível. Compreenderam que não tinham amansado branco algum, eles é que tinham sido atraídos e amansados;
      • A doença dos brancos, propositalmente introduzida em suas aldeias através das mercadorias que lhes vendem. (gripe, sarampo, tuberculose, varíola, etc.) levando a pensar que “… dentro de pouco ou de muito tempo chegará Pandora e deixará derramarem de seu vaso as bênçãos da civilização”. Segundo cálculos de Francisco de Paula Ribeiro, a varíola atingiu populações da margem esquerda do Tocantins, até 1800 quilômetros a oeste. (Referindo-se a certas tribos da Amazônia);
      • A aquisição mais deletéria para os indígenas foi, seguramente, a aguardente de cana. Vem ao encontro da propensão à embriaguez do submetido a tensões e frustrações. Outros elementos introduzidos são: o sal, a gordura e o açúcar, a galinha, a banana, etc. (fora utensílios, roupas etc.) criando novas necessidades e provocando diversas alterações culturais, como é fácil divisar;
      • A introdução do cão de caça é particularmente impactante. As informações a respeito dão conta da sua grande utilidade e pronta adoção como novo padrão. De fato, em várias tribos isoladas, o cachorro chegou antes do homem branco;
      • O estilo de casa da moradia e sua forma de utilização são também afetados. Das construções amplas e bem adaptadas que constroem, passaram a adotar soluções esdrúxulas como, palafitas em terreno alto e seco, casebre miserável sustentado por armação de varas. A construção das malocas exige esforço enorme, só praticável em grupos, trabalho coletivo. As choupanas miseráveis são levantadas pela família;
      • Segundo tradição local, entre os métodos de extermínio utilizados em Goiás, houve também a contaminação propositada de bexiga e o envenenamento de aguadas com estricnina;
      • O encontro do Brasil nação com o Brasil indígena… representa uma acumulação de compulsões que o leva a simples degradação: biológica, porque transmite doenças, econômica porque resulta num engajamento na força de trabalho nacional que só representa miséria e fome, e moral porque ensina o índio a olhar para si próprio do ponto de vista do branco;
      • Para o índio, muitas vezes, civilizar-se é:

– perder a fartura da aldeia, suas caçadas, pescarias coletivas, horas de lazer, seu gosto de viver;

– perder a capacidade de produzir, com capricho e identidade, sua flecha, seu arcos, seus utensílios, seus objetos de uso pessoal; exprimir sua personalidade;

– perder as condições de vida cooperativa na aldeia;

– desfazer-se da autoridade do chefe de parentelas e dos líderes de aldeia, baseada no prestígio da tradição;

– ser engajado em vida famélica do seringueiro, do castanheiro, do remador;

– ser brutalizado pelo guante do patrão;

– passar para a economia do barracão, orientada para o lucro;

– viver a vida do seringueiro, isolado, com a mulher e os filhos;

Poder-se-ia complementar que, civilizar-se é ceder a sua essência, é ver escapar a sua maneira de ser, é contrair doenças, é perder a terra, é aprender a orar para outros deuses.

      • Para Ribeiro, a adoção de elementos culturais estranhos não é dissociativa em si mesma. Toda cultura, mesmo a mais estável, está permanentemente envolvida nesta substituição de valores, de técnicas e equipamentos, tornados arcaicos no próprio desenvolvimento social. Entretanto esta substituição deve fazer-se livremente e com tempo suficiente… que o grupo possa selecionar o que convém e aprender a suprir… poder adaptar-se, fazer-se progressivamente no trabalho de redefinição em termos de valores culturais;
      • Vários registros informam sobre dois fenômenos importantes verificados em populações indígenas, na humilhação e vergonha resultantes do contato com a civilização, das condições de penúria e desorganização, com predisposição ao pavor e ao desespero. O primeiro relativo ao suicídio, no caso, anômico, por perda da essência, não sentir mais o chão. O segundo nos surtos messiânicos, desde o século XVI, grupos inteiros da tribo deslocam-se para o mar, guiados por líderes religiosos que prometem conduzi-los vivos à “terra sem males”. Em alguns casos (em fusão com concepções auridas da tradição cristã), também, o mito da criação transformou-se em promessa de cataclismo que destruirá a Terra e a vida.

“Hoje a Terra está velha, nossa gente não quer mais aumentar. Devemos rever nossos mortos. Por fim cai a […] Não somente a tribo guarani está velha e cansada, mas toda a natureza. Os pajés, quando em sonhos estavam em Ñanderuvuçu, ouviam muitas vezes como a Terra pedia: ”[…] tenho devorado cadáveres demais, estou farta e cansada, põe um fim, meu pai”. Assim clama a terra ao criador que a deixe descansar; o mesmo pedem as árvores que fornecem lenha e material e toda a natureza restante. “E se espera de um momento para outro que Ñanderuvuçu atenda a súplica de sua criação.” (Nimuendaju, 1914)

  • Nos bastidores
      • Onde a força dos criadores (de gado) não foi suficiente para quebrar o ânimo guerreiro do gentio, empreitou-se o serviço dos paulistas, criados nas escolas das bandeiras, especialistas em carnificinas;
      • Ainda mais difícil foi o problema da imposição da autoridade (federal, do SPI)… fazer face aos poderes locais. Era o chefe de polícia negando-se a render assassinos de índios, os próprios juízes absolvendo-os contra todas as evidências e contra a lei; os prefeitos negando-se a tomar qualquer providência administrativa contra o esbulho das terras indígenas… decidiam entre eleitores criminosos e índios analfabetos (e, certamente, recebiam propinas, ou favores);
      • (…) Lamentavelmente entraria logo em novo colapso quando a política partidária começa a interferir em seus destinos. O SPI, como inúmeros outros órgãos da administração federal, transformado em prêmio de barganha eleitoral entre partidos políticos vitoriosos nas eleições de 1955, é entregue ao PTB;
      • A deterioração da administração pública brasileira e, particularmente, a degradação do SPI foi demasiadamente pronunciada nos últimos anos. (1960);
      • Tudo indica que o processo de integração, se deixar atuar livremente, não levará à assimilação, mas à extinção dos índios. Uma intervenção adequada pode assegurar sua sobrevivência; (Ver itens 3. Novos entrantes modificaram o quadro geral de forças atuantes);
      • Aqueles que só podem admitir o índio como um futuro não-índio devem compreender que a assimilação depende menos de uma política indigenista que das condições de vida da população total do país. Quando o lavrador gozar de maior amparo, for dono da terra que trabalha e libertar-se das condições de exploração em que hoje estiola, estará alcançada uma das condições básicas para a assimilação do índio já aculturado. (Mais claro impossível, integrar índio nas atuais condições é trazê-lo para a mesma miséria, as mesmas injustiças);
      • Após quatro séculos de uma falaz proteção possessória, os índios haviam sido despojados de quase todas as terras que tivessem qualquer valor. A posse de um território tribal é condição essencial à sobrevivência dos índios;
      • A maioria dos índios da nova geração (Índios Xokleng – 1953) aprendeu a ler na escola do posto (do SPI), mas não tendo o que ler senão poucos almanaques de propaganda acabaram esquecendo;
      • O autor exalta o meritório trabalho do Marechal Rondon. Atribui a ele, não somente o desenvolvimento de métodos, estratégias e procedimentos de aproximação como, também, a maior parte dos bons resultados da interação durante a primeira metade do século XX. Uma atuação, mais que científica, humanista, movida pela famosa diretiva “Morrer se preciso for, matar nunca”. Dificilmente se encontrará empreendimento e atitude que se compare aos de Rondon. A sucessão de substituição e reposição de grupos caídos do SPI, em esforço meritório, dedicado, constituindo em fatos que “falam das reservas morais do povo brasileiro”. (Um estudo atual ainda citaria esse suporte de virtudes?)

Índios baianos aguardam decisão judicial – terras – Wilson Dias/ABr, CC BY 3.0 BR, via Wikimedia Commons

Índios no plenário da Câmara dos Deputados – José Cruz/ABr, CC BY 3.0 BR, através da wiki Wikimedia Commons

3. Algumas notas complementares

  • Existem diversas estimativas da população indígena do Brasil em 1550. Variam de três a onze milhões. Consideremos sete milhões. Em 1970, ano no qual foi escrito este livro, esse total não chegava a 100 mil almas. Já o censo de 2010 do IBGE soma 800 mil.[3] A partir da década de 1970 ocorreu uma inflexão na curva, até então de depopulação, retomando o crescimento, auspiciosa nova realidade que, em princípio, por si só, é digna de aplausos. Já era tempo. Devem existir estudos disponíveis listando os fatores que levaram a essa feliz mudança de rumo. Talvez inclua a criação da FUNAI em 1967 e a Constituição de 1988 (que passou a considerar pluralidade étnica como direito, evidenciou a questão da proteção às comunidades indígenas e estabeleceu prazo para que suas terras fossem demarcadas). No correr dos anos 70 e mais expressivamente a partir dos anos 90, quando a questão indígena deixou de ser um monopólio federal, apareceram centenas e centenas de Fundações, Instituições, Centro de Pesquisas, Comissões, Conselhos e Institutos e foram criados órgãos e entidades em governos estaduais com o objetivo de coordenar ações voltadas para os povos indígenas. Ao mesmo tempo comparece, de forma mais atuante, a comunidade internacional. Alguns sinais podem ser associados a esta mudança de rumo na sobrevivência, por exemplo, a inserção de índios na política (Mário Juruna, 1982);
  • Esta edição da obra soma 559 páginas. Nem uma única vez é citada a sigla ONG. É de se concluir, então, que essas instituições não se faziam presentes na época, pelo menos de forma significativa o suficiente para serem referidas e/ou incluídas no livro. Conforme visto anteriormente, a análise de Ribeiro cita três vias de contato: extrativista, pastoril e agrícola. No caso agora das ONGs, sem fins lucrativos, trata-se de presença não caracteristicamente econômica. Neste caso, embora muitas dessas organizações estejam vinculadas a atividade extrativista (e que talvez possa ser eufemismo de ecopirataria) configura-se uma quarta via de contato, distinta, com mais forte viés político, social ou humanista, certamente estabelecendo outras formas de vínculo, mas levando a novas coerções na aculturação e mais compulsões de novas necessidades.
  • Existem várias estatísticas sobre a quantidade de ONGs ligadas à causa indígena no Brasil. A mais conservadora soma 15,9 mil na Amazônia. Desta maneira, poderíamos tomar como 20 mil o total no Brasil. Embora várias delas não marquem presença física, mesmo assim é razoável adotar como ordem de grandeza, uma para cada 40 índios” (ou uma para cada dezoito aldeados – ver nota 3).
  • Quais seriam as diferenças entre o indígena dos dias atuais e aquele retratado no livro, passados sessenta anos de tão intensas mudanças em si, e ainda sob a pressão desses numerosos novos entrantes, de presença e atuação tão significativa? Ribeiro enumera quatro tipos de contatos (isolados, intermitente, permanente e integrados). Nos dias atuais, com uma ou duas ONGs junto a cada aldeia ou bairro, os dois primeiros tipos de interação devem representar parcela reduzida, em processo de extinção (Em 1970 representavam 28%). E, ainda, considerando o conceito adotado para integração, muito provavelmente, o quarto grupo poderá ser desdobrado em dois ou três tipos diferentes, consoante o caráter, da interação muito mais intensa e da transfiguração étnica resultante.
  • As referências mais confiáveis descrevem a diversidade étnica e linguística (entre as maiores do mundo) e uma taxa de reprodução maior que a média nacional, ao lado de persistência de ameaças de extinção, pressão sobre as terras demarcadas, espaços de miséria e exploração e recente agravamento com a pandemia do Covid19.

Índios Guarani em Porto Alegre – tetraktys , CC BY 3.0, através da wiki Wikimedia Commons

KUARUP – Noel Villas Boas, CC BY-SA 3.0, através da wiki Wikimedia Commons

4. Fechando

Em vista do exposto, a releitura do trecho destacado no início deste resumo (em negrito) leva ao desafio da pesquisa, na bibliografia disponível sobre o tema, para, assim, tentar encontrar respostas para perguntas centrais como: Quais as características atuais da interação? Integrados, parcialmente adaptados, em avançado grau de integração? As novas aquisições, de crenças, hábitos, conhecimentos respeitam o tempo necessário de redefinição em termos de valores culturais? Qual o quadro geral do contato? Qual é a pressão atual da expansão das fronteiras de exploração econômica? Qual é a realidade do esforço de internacionalização de espaços na Amazônia?

A história da transfiguração cultural indígena (e as mudanças do indigenismo) poderia ser dividida em três etapas. Durante os quatro primeiros séculos o índio foi colonizado pelo colonizado. Impôs-se a cultura rústica brasileira, do caboclo, do sertanejo, do crioulo, do caipira, do matuto e do gringo-brasileiro (os roceiros do sul). Seguiram-se setenta e cinco anos de maior presença da intervenção protecionista governamental, de orientação integracionista. O terceiro tempo, dos últimos quarenta e cinco anos (1975 a 2020) contou com a significativa presença de ONGs, nacionais e estrangeiras, instaurando, pouco a pouco, como que uma privatização do indigenismo no Brasil. Total ou parcialmente pode ter sido eliminado o intermediário, pois experimentam agora um convívio e uma influência mais diretos com as metrópoles, no contato com profissionais de vários tipos vindos do exterior. Desta maneira, a vida das atuais populações indígenas muito provavelmente depende agora da atuação de outros atores além das bolsas de valores e sua disposição de desembolso para as commodities. A influência emana também da disputa entre os centros de poder mundial.

É certo também que, ao integrar-se na realidade nacional, o índio brasileiro contrai a pior das nossas “doenças”: a desigualdade social. De um índice Gini, indicador de desigualdades, praticamente zero (população sem desigualdades) em 1500, o “gigante mestiçado” amarga agora conosco a nossa maior vergonha.


O LIVRO


Notas:

  1. Ribeiro, Darcy – Os índios e a civilização: a integração das populações indígenas no Brasil moderno – São Paulo: Cia. das Letras, 1996
  2. A primeira edição do livro data de 1970. É resultado da experiência do autor durante as décadas de 1950 e 1960, trabalhando como etnólogo no antigo Serviço de Proteção ao Índio – SPI, incluindo entrevistas pessoais e copiosa consulta bibliográfica, grande parte remontando ao início do século XX.
  3.  A FUNAI estima em 358 mil (Define como índio apenas aqueles que vivem em reservas).

Posted by Brasil 2049

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