Autores: José Fantine, Carlos Feu Alvim
Foto da capa: Sergio Delmonico

O PRÉ-SAL E O DESENVOLVIMENTO DO BRASIL: ROMPENDO AS AMARRAS

Versão original de 2011

Sumário

Soltando as Amarras 7

Um Modelo de Desenvolvimento Nacional 11

Introdução 11

O Debate Presente 13

O Caminho da Riqueza 21

Espaços para criar o Desenvolvimento Sustentável 27

Caminhos para o Desenvolvimento 30

Conclusão Excelência Tecnológica um Projeto Nacional 41

“Commodismo”, Pré-Sal e Desenvolvimento 49

Motivação 49

Introdução 52

A Evolução do Preço das Commodities 55

As Commodities e o Desenvolvimento Brasileiro 57

“Commodismo” e Comodismo 59

A Commodity Petróleo – Existe País Desenvolvido Exportador de Petróleo? 61

O Desafio das Commodities. 67

O Petróleo e Gás: O Papel do Estado 69

Introdução 69

O cenário mundial na geopolítica do petróleo e do gás a partir dos anos setenta 72

Momentos de destaque no negócio petróleo e gás no Brasil 81

Antecedentes à Criação da Petrobras 81

A década de 50 – a luta para o Brasil deixar de ser um espectador no cenário petrolífero cartelizado 84

A década de 60 – a afirmação no cenário nacional 90

A década de 70 – consolidação e crescimento 93

A década de 80 – a saída das grandes crises internas e as mudanças de paradigma 95

A década de 90 – época de mudanças no marco legal 100

A primeira década do século – um novo paradigma 103

Nossa conclusão sobre esse assunto histórico 107

Os Caminhos para o Petróleo e o Gás no Brasil 110

Nota dos autores 110

Introdução 113

As Questões Importantes para se Pensar um Novo Modelo Petrolífero 116

Do lado econômico e empresarial 117

Do lado do suprimento futuro de óleo, nacional e mundial 121

Do lado da geração da riqueza nacional e da intervenção do Estado 123

Do ponto de vista geopolítico 130

A necessidade de um novo modelo para o setor 133

Síntese das premissas orientadoras do novo modelo 143

Análise de Rotas isoladas para um novo modelo para o Setor Petróleo e Gás 148

Rota do Modelo Monopólio 151

Rota do Modelo Criação de uma Estatal 100% da União para explorar o pré-sal 153

Rota do uso da Petrobras para exercer operacionalmente, em nome da União, o monopólio no Pré-sal 154

Rota das Concessões e das Partilhas [] 161

Rota variante 163

Uma Proposta Integradora de Rotas e Cuidados para um Novo Modelo para o Setor Petróleo e Gás 164

Modelo abrangendo óleo e gás de áreas convencionais já concedidas ou a conceder, revisando o estatuto vigente onde couber, porém mantendo sua estrutura básica. 167

2.  Modelo abrangendo óleo e gás da camada do pré-sal (concedidas ou não) ou de futuras áreas assemelhadas em termos de volumes e possibilidade de produção 172

2.1. Para os blocos já concedidos da área do pré-sal e para as possíveis explorações abaixo de áreas convencionais já concedidas mas situadas na área do pré-sal. 172

2.2. Para as áreas ainda não concedidas do pré-sal 175

Os investimentos e financiamentos para essa rota integradora 178

Apresentação (de 2011)

Esta coletânea reúne artigos publicados na revista Economia e Energia – e&e sobre o desenvolvimento brasileiro e sua relação com o setor de petróleo e gás sobretudo com as possibilidades abertas pelo pré-sal pré-sal. A e&e foi pioneira em apontar a necessidade de mudança no marco legal do setor petrolífero visando propiciar que, com o pré-sal, o Brasil rompesse definitivamente as amarras do subdesenvolvimento, da mesma forma que inovara ao propor um caminho pragmático para sustentar o progresso nacional com base em redes de excelência, ampla aplicação em tecnologia e inovação e atenção em segmentos estratégicos, bem como atenção especial à Produtividade do Capital empregado.

Esse livro consolida as contribuições dos autores, que foram apresentadas aos membros do grupo interministerial que cuidou da formulação do novo marco legal. Segundo retornos recebidos, ele teve boa acolhida e se mostrou útil aos debates. Preferimos mantê-lo sem retoques, de sorte a colocá-lo como um elemento histórico nesta histórica decisão.

O primeiro artigo, anterior ao anúncio do pré-sal, expõe um modelo para o desenvolvimento do Brasil. As sugestões sobre a condução do pré-sal aqui expostas têm muito a ver com esse modelo.

Em um setor com fortes pressões para a internacionalização, era preciso relançar a ideia de nacionalização de fato do controle da exploração e comercialização do petróleo que buscou inspiração nas lutas que deram origem à Petrobras. Os aspectos do petróleo como bem estratégico, dos perigos de desindustrialização induzida pela abundância de recursos para a importações e a necessidade de rever o papel do Estado nos setores estratégicos da economia foram debatidos em artigos.

Foram sugeridos caminhos para reorganização do marco legal muitos dos quais consagrados posteriormente na legislação. A influência das ideias lançadas na discussão do modelo implantado foi explicitamente reconhecida por atores importantes em sua elaboração. O texto intitulado “Os caminhos para o petróleo e o gás no Brasil” propositadamente teve, durante um período, circulação limitada exclusivamente entre os encarregados da elaboração do novo marco legal para os setores petrolíferos, sendo publicado na revista e&e somente após o anúncio dos detalhes das mudanças pretendidas pelo governo. Sua existência foi, no entanto, anunciada na revista tendo sido colocado à disposição de quem o solicitasse.

Foram ainda debatidas, em artigos específicos, várias questões lançadas pelos que queriam fazer acreditar que o Brasil e a Petrobras não teriam a força, a competência e os recursos necessários para reformar a legislação e enfrentar os desafios empresariais, tecnológicos e financeiros para a exploração do pré-sal.

Também, a presente e elevada valorização do Real, bem como a “commoditização” de nossas exportações realçam os conteúdos dos dois artigos iniciais, e mostram o vigor das teses apresentadas, assim como indicam de fato caminhos para o atual governo no sentido da promoção do desenvolvimento sustentável.

Os Autores

Soltando as Amarras

Em novembro de 2007 o Conselho Nacional de Política Energética tomou uma decisão que acreditamos ter sido o marco histórico que levou o Brasil a romper as amarras finais para alcançar seu desenvolvimento sustentável.

A decisão foi a de suspender os leilões de concessão de áreas onde se acreditava existir grandes reservas de petróleo encoberta por quilômetros de profundidade no oceano e quilômetros de camada de sal. Os estudos geológicos indicavam que esta nova província petrolífera, designada como pré-sal, poderia se estender ao longo do litoral dos estados do Espírito Santo ao Paraná. A suspensão de licitações na área do pré-sal deveria vigorar até que fosse definido um novo marco legal para a exploração do petróleo na área.

A decisão se justificava pelo tamanho suposto para a reserva, pela produtividade que dela se esperava e porque a legislação vigente não fixava limites quanto ao alcance da exploração em profundidade e volume extraído das áreas licitadas. Também, ela não se mostrava adequada quanto às taxas governamentais, pois fora formulada com a perspectiva de altos riscos e baixos volumes de óleo e gás a encontrar, assim privilegiando as concessionárias que se interessassem pelas áreas brasileiras. Naquele marco legal a licitação realizada tinha base na área plana superior e valia, portanto, para as camadas rasas ou mais profundas. Uma vez concedida a área, todo petróleo nela contido poderia ser extraído respeitando-se deveres pré-estabelecidos para o pagamento de taxas e royalties.

Parte da camada do pré-sal estava localizada abaixo de áreas onde a presença de petróleo já era considerada provável e integrava, portanto, áreas licitadas ou a licitar. Não fossem tomadas decisões rápidas, corria-se o risco de grande parte da área da nova província petrolífera fugir do controle nacional. Na verdade, algo como 30% da área já estava sob concessão, sendo bem mais do que a metade com a Petrobras (sozinha ou em parceria com as estrangeiras). Em várias dessas áreas a concessão fora feita para consórcios com participação variada entre a Petrobras e estrangeiras sendo que à empresa predominante cabia a responsabilidade da operação da extração. Suspeitava-se que as áreas do pré-sal fossem mais extensas que as mais próximas à superfície, áreas contíguas (licitadas ou não) e provavelmente fizessem parte de um mesmo campo do pré-sal. Embora houvesse previsão na legislação vigente para como administrar áreas contíguas ela não havia sido concebida para a extensão das áreas do pré-sal.

Tomada a decisão da suspensão de licitações das áreas previstas para o 9ª leilão e para os seguintes, era preciso trabalhar na concepção do novo marco legal que formalmente foi discutido em uma comissão da qual faziam parte alguns ministros e os presidentes da Petrobras e do BNDES. Essa comissão optou em trabalhar discretamente enquanto ainda se discutia a verdadeira extensão e a viabilidade técnica da exploração da província descoberta e enquanto a Petrobras desenvolvia sondagens de áreas em que tinha concessão. As sondagens visavam determinar as reservas na área pioneira do Tupi e em outras áreas onde se acreditava que se estendia a formação descoberta.

Como se sabe agora, as áreas exploradas confirmaram as melhores expectativas sendo a reserva significativa e sua exploração indica-se viável. Na época devia-se lidar com a descoberta efetiva e avaliações geológicas.

Foi iniciada uma corrida contra o tempo na qual era necessário chegar a um marco legal aceitável pelo Congresso e comprovar que se estava diante de uma nova realidade geológica que justificasse a mudança na legislação. Tudo isto tinha que ser feito em um ambiente político agitado por uma campanha intensa contra o Congresso e contra a Petrobras e em um ambiente midiático onde se movimentavam com desenvoltura os partidários do regime de concessão vigente.

O que muitos imaginavam na primeira fase, é que existiria um clima de grandes discussões que reviveriam a campanha de “O petróleo é nosso” que deu origem à Petrobras. Naquela ocasião, a acalorada discussão política acabou construindo um consenso, onde importantes concessões de imediato foram feitas na área de refino (preocupação maior na época) mas que acabou colocando, pela continuidade da política estabelecida, nas mãos da Petrobras também o monopólio da exploração. A manutenção da concessão das refinarias já concedidas à iniciativa privada (muitas delas nas vésperas da aprovação da nova legislação), funcionou como moeda de troca para aprovação do monopólio, porém tiveram suas capacidades congeladas. Com a explosão da demanda e os avanços da Petrobras, perderam sua importância e acabaram, pouco a pouco, sendo incorporadas pela Petrobras.

Ao contrário do clima exacerbado da campanha dos anos quarenta e cinquenta, a construção do consenso sobre o pré-sal se deu mediante uma hábil e discreta movimentação de políticos, técnicos e legisladores cuja história ainda está para ser escrita. Havendo optado mineiramente por “trabalhar em silêncio” não se conhece inteiramente os artífices da solução montada. Fica claro, no entanto, papel preponderante do Presidente Lula e da então Chefe da Casa Civil Dilma Roussef. Foram ainda marcantes as participações do Presidente da Petrobras Gabrielli e alguns de seus diretores e do Presidente do BNDES Luciano Coutinho e do Presidente da EPE. De alguma forma, para o estabelecimento do consenso a equipe do Ministério de Minas e Energia, vinculada ao Presidente do Senado José Sarney deve também ter sido decisiva. Na verdade, não houve o clima exacerbado, também, pela excelência das ações da Petrobras nos campos tecnológico, operacional, do planejamento e das finanças relativas ao pré-sal, inclusive mobilizando a classe empresarial nacional o que anulou a estratégia intentada por parte da grande mídia e de lobistas dos interesses estrangeiros. Essa estratégia fora inicialmente a de tentar desqualificar as dimensões das novas jazidas e das chances nacionais de desenvolvimento a partir delas e, depois, a de tentar incutir na sociedade a ideia de que não haveria tecnologia para tal situação, que os recursos necessários seriam tão elevados que o Brasil teria então que manter o antigo estatuto de concessões caso tudo fosse viável, que os custos do óleo seriam muito elevados e, também, alguns tentaram demonstrar que o petróleo já perderia a importância logo, tentando anular o caráter estratégico de possuir grandes reservas de óleo.

Debalde esses esforços negativistas, a questão do pré-sal se afirmou na consciência nacional como uma grande oportunidade e que a Petrobras deveria ser um ator de ponta nessa nova jornada, como fora nas anteriores.

Algumas decisões importantes foram tomadas e facilitaram a aceitação do novo marco legal pela sociedade e pelos legisladores. Foi estabelecido, desde o início, o respeito ao direito adquirido em licitações anteriores não se questionando sua extensão às camadas do pré-sal. Tratou-se, também, de estabelecer a continuidade do pacto não escrito sobre a participação predominante da indústria nacional nas atividades da Petrobras e foi mantida aberta a perspectiva de participação de capital externo na exploração da nova área assegurando-se à Petrobras o monopólio da operação. A polêmica maior acabou ficando sobre a distribuição dos royalties entre as unidades da Federação cuja discussão foi prudentemente adiada para após as eleições e que ainda não foi equacionada.

Uma circunstância importante vem facilitando a aceitação do novo marco legal: As circunstâncias mundiais de redistribuição do poder e a nova postura do País frente ao mundo apoiada em um sucesso econômico favorecido pela recuperação do preço das commodities e pelo sucesso tecnológico brasileiro na área agrícola e na própria exploração do petróleo. O mundo percebeu antes do próprio Brasil sua importância no cenário mundial. Quase como o jovem que se recusa a considerar-se adulto, o Brasil se viu chamado às suas responsabilidades como sétima economia em um mundo em crise.

No concerto mundial, as empresas brasileiras começam a ter peso próprio e algumas estenderam sua participação na América do Sul e em outras regiões do mundo e agora se movimentam para participar sem protecionismos e mais efetivamente dessa nova etapa nacional. Sinais disso são percebidos no trabalho desenvolvido pela Petrobras, Governo e empresas do segmento bens e serviços para a indústria do óleo e gás no sentido de mobilizar toda a classe empresarial nacional para avançar na participação das encomendas do setor, cujos montantes ultrapassam em muito a capacidade de atendimento presente. As experiências de mudança dos marcos institucionais na área de petróleo, estabelecimento do monopólio em 1953 e seu rompimento de fato em 1997, mostraram que tão importante como as novas legislações foi sua implementação. Na implantação do monopólio foi a decisiva a atuação do Estado, das Forças Armadas, do CNP) e a efetiva e eficaz implantação da Petrobras que estenderam e consolidaram a presença nacional na exploração e refino inicialmente. Por outro lado, tanto nas modificações de 1997 como no episódio anterior de abertura para contratos de risco (Governo Geisel) foi a capacitação técnica e empresarial da Petrobras para enfrentar os novos desafios que possibilitou à empresa o amadurecimento tecnológico e econômico para enfrentar hoje o pré-sal. A autonomia de gestão dada à Petrobras no Governo FHC, um pouco como contrapartida à perda do monopólio, mas por força da liberdade concedida às empresas estrangeiras, terminou bem aproveitada pela estatal que acabou se consolidando no cenário nacional e mundial.

Devemos chamar a atenção que os fatos vêm demonstrando o acerto da decisão tomada pelo governo federal. Assim, podemos, sim, dizer que ela foi um marco na história nacional. A recente visita do presidente Obama ao Brasil serviu para nos lembrar da importância do petróleo no contexto estratégico mundial e a relevância do pré-sal nesse contexto. Ficou realçado o respeito pela decisão brasileira e a aceitação plena da nossa soberania no encaminhamento do tema ao contrário do que antecipavam pessimistas ou os defensores habituais do capital externo no País.

Entramos agora na fase em que falta arrematar o novo marco legal e implementá-lo. O País rompeu as amarras e navega para seu destino. O alcançar o desenvolvimento depende da habilidade dos pilotos e empenho da tripulação para vencer os novos desafios institucionais, tecnológicos e políticos.

Um Modelo de Desenvolvimento Nacional

José Fantine (*) e Carlos Feu Alvim (**)

A sociedade brasileira vem aprofundando debates, ainda que de forma incompleta, sobre os meios de geração de riqueza econômica e social e como fazê-lo de forma sustentada. A China, a Índia, a Rússia e a Coréia do Sul vêm ordenando, ou reordenando (Rússia), com sucesso, seus processos de crescimento. O Brasil é o único país que tem as condições básicas para integrar esse time de emergentes de porte e almejar uma posição de destaque nos próximos vinte anos. Ficar de fora dessa disputa é inconcebível.

Introdução

A ideia deste artigo é esclarecer alguns aspectos sobre questões referentes ao desenvolvimento do Brasil que, a nosso ver, não têm ainda merecido a atenção devida no debate nacional. E, além disso, ponderar sobre paradigmas comumente aceitos[[1]].

Muitos dos pontos de vista expostos neste trabalho a respeito da tecnologia e da inovação têm sido já abordados por conceituados pesquisadores e cientistas. O nosso objetivo é ampliar o debate e alcançar um público mais amplo constituído por formadores de opinião, professores, estudantes, políticos, militares, gerentes, técnicos, empresários, jornalistas, dentre outros. E convidá-los a meditar sobre as questões propostas, a buscar mais informações, analogias e dados a respeito das estratégias de crescimento econômico dos países que se tornaram ricos (ou estão se tornando) nos últimos 50 anos, e a debater, com novo olhar, sobre os caminhos para tentar voos mais altos para a economia nacional.

Do debate para as eleições presidenciais de 2006 ficou clara a necessidade de que o Brasil volte a crescer após 25 anos de estagnação de seu rendimento per capita (crescimento médio de 0,34% ao ano). O desejo reafirmado pelo Presidente reeleito é um crescimento de 5% ao ano. O Brasil vem recuperando sua poupança interna que atingiu em 2006 24% do PIB (nos três primeiros trimestres); no entanto, 5% do PIB está sendo transferido para o exterior (poupança externa negativa) o que resulta em um investimento de 19% do PIB. Como cerca de 11% do PIB é o que se tem de investir para repor a depreciação do estoque de capital [[2]] resta um investimento líquido de 8% do PIB suficiente para crescer cerca de 3% ao ano no máximo (no contexto atual de conteúdo tecnológico e de produtividade do capital).

Então, para crescer no ritmo desejado de 5% ao ano, e mais adiante além disso, teremos que: 1) inicialmente usar melhor a capacidade de produção existente aumentando a produtividade de capital[[3]]: 2) encontrar os meios para reduzir o volume inédito de remessa de capital (referenciado ao PIB) para o exterior[[4]] e: 3) sustentar o crescimento dos anos futuros, sendo que para isso será preciso acrescentar o valor da tecnologia e da inovação em nossos produtos, processos e serviços desde já.[[5]]

Esse nosso objetivo, antes enunciado, é pertinente pois são as questões econômico-financeiras é que têm predominado no debate nacional sobre as relacionadas ao desenvolvimento a partir da inovação e da tecnologia, que não têm vez em momento algum. O debate está centrado no que se considera como “fundamentos da economia”: taxa de juros, dívida externa e interna, risco país, superávit primário, balança de pagamentos, superávit comercial. Os formadores de opinião parecem acreditar que, equacionada a situação econômico-financeira, o crescimento virá como consequência. Apenas questões como as de investimentos na infraestrutura e na educação nos lembram, na abordagem predominante na mídia, que existem outros problemas fundamentais que vêm já há quase três décadas emperrando o desenvolvimento brasileiro e estagnando o crescimento (medido em PIB per capita). Mas, a importância da inovação e da tecnologia passa ao largo desses debates e, assim, a sociedade não tem como entender a verdadeira dimensão dessa questão.

As questões na ordem do dia são oportunas, mas é fundamental considerar as variáveis inovação e tecnologia, e o como sustentar o desenvolvimento a partir delas.

Na década de 90 prevaleceu a crença de que o controle da inflação, a chamada liberalização econômica[[6]], os mecanismos de mercado restabeleceriam automaticamente as condições para o crescimento e a globalização colocaria a tecnologia ao alcance de todos. Implicitamente considerou-se que o planejar desenvolvimento nacional seria uma tarefa inútil ou até prejudicial para o próprio crescimento. Era a vez do conceito de “modernidade”.

O Debate Presente

A baixa eficácia geral do modelo anterior em promover o desenvolvimento sustentado e alguns desastres em países onde ele foi aplicado mais extensivamente fizeram com que o tema planejamento para o desenvolvimento voltasse a fazer parte da agenda brasileira e de outros países. Nesse ambiente em que não existem ainda soluções de consenso começa a ser travado o debate sobre os seus caminhos. Podemos identificar pelo menos quatro correntes oferecendo soluções:

1. Há os que procuram dar continuidade às suas ideias liberalizantes, e ainda insistem que a solução estaria no aprofundamento da aplicação do modelo anterior. São os que acreditam que a solução para o desenvolvimento possa vir do capital estrangeiro aportado no país[[7]], com a instalação de fábricas importadas e a industrialização[[8]] e os que, agora em menor número, veem na abertura completa do mercado e na internacionalização da economia os exclusivos indutores do crescimento[[9]].

2. Em oposição à corrente anterior pode-se identificar uma segunda constituída pelos que querem retomar os paradigmas econômicos e desenvolvimentistas dos anos 30 a 70 quando o Brasil tentou, por várias vezes, seu projeto nacional. Ocorre, no entanto, que o mundo continua avançando, mudando paradigmas de desenvolvimento, e se seguirmos o caminho antes tradicional restará sempre para o Brasil unicamente o lugar secundário, tendo que lutar eternamente para superar os atrasos decorrentes dos novos e redobrados avanços das nações já desenvolvidas (que inovam sempre) e sempre se situando no time dos países ditos em desenvolvimento. Naqueles planos, salvo em poucos momentos, o incentivo e a conjugação da pesquisa tecnológica com a integração das universidades e o setor produtivo, não foi a tônica. Também, a orientação para a exportação não existia, sendo o modelo sempre voltado, salvo poucas exceções, para o mercado interno.

Na economia mundial, a noção de riqueza não é estática, nem no aspecto quantitativo nem no qualitativo; os padrões e as fontes de poder dos mais ricos alteram-se continuamente[[10]]. A sociedade brasileira realiza um considerável esforço para avançar e conquistar posições no mercado[[11]], mas os países líderes alcançam novas e mais complexas fronteiras, ficando o Brasil, relativamente, mais distante de suas economias. O País corre atrás do que foi novidade industrial há décadas, e quando alcança seu objetivo, a novidade já é outra, colocada no mercado pelos países dominantes.

Em parte, poderíamos dizer que é certo pensar em uma volta e atenção rigorosa aos investimentos públicos, essenciais para incentivar o progresso, bem como de um plano de industrialização bem elaborado e atendendo Planos de médio e longo prazos. Mas queremos mostrar que esse cuidado é necessário, mas não suficiente, como não o foi no passado. No presente, não há como deixar de pensar na globalização e na competitividade em nível mundial, o que leva a preocupações muito severas com relação à qualidade, produtividade e à inovação tecnológica. Não haverá como subsidiar as indústrias nacionais pois não seriam inseridas no mercado global, nem fechar o mercado interno como no passado.

3. Existe uma terceira corrente da sociedade que exige imediata atenção total e exclusiva para a educação, como único meio para lastrear o desenvolvimento. Esse foi um tema muito debatido na disputa presidencial de 2006. Mas, um sistema moderno de educação demanda altos investimentos e um longo tempo de espera para a formação das futuras gerações que seriam capazes de suportar planos de desenvolvimento[[12]]. Em países avançados, ou em crescimento acelerado no momento, os processos induzidos de desenvolvimento e aprimoramento de educação foram processos paralelos[[13]].

Sem contestar a grande importância da educação para o desenvolvimento, é preciso considerar que já existe no Brasil uma fração da população capaz de realizar avanços importantes em algumas áreas. E se a tese de que é preciso melhorar a educação no geral, antes de pensar em alcançar conquistas tecnológicas, fosse uma verdade absoluta, como explicar sucessos alcançados por empresas e grupos brasileiros como: Petrobrás, Embraer, Embrapa, Rede Globo, Clínicas do Dr. Ivo Pitangui e do Dr. Hilton Rocha, INCOR, Rede Sarah, conjunto de empresas de Caxias do Sul, Polos de calçados de Nova Serrana e de Nova Hamburgo, Polo de eletrônica de Santa Rita do Sapucaí, EMBRACO, Metal Leve[[14]] entre outros? Em todas essas iniciativas de sucesso a formação de quadros se fez concomitantemente ou inseridos no contexto empresarial ou institucional desejados. Ou como consequência de visão de empreendedores estimulando a orientação educacional e posterior aproveitamento empresarial. Ou seja, é perfeitamente possível estruturar projetos visualizando grande alcance tecnológico e nele incluir a formação necessária de quadros.

4. Existe uma quarta vertente, ainda em minoria nos debates que chegam à sociedade, que entende que o projeto de uma nação rica (entendido como riqueza social, econômica, científica e tecnológica) depende vitalmente de iniciativas, no campo da ciência, da tecnologia e da inovação, ainda que considere, em dimensões adequadas, algumas das posições tradicionais antes elencadas. Essa é a nossa posição.

Essa vertente se preocupa com a capacidade do Estado e dos empresários de desenvolver/aplicar políticas/incentivos amplos no sentido de criar, paralela e progressivamente em relação aos movimentos tradicionais, ambientes e processos capazes de criar riquezas adicionais a partir da inteligência nacional e do que já existe no País. Imaginamos que essa estratégia agregue valor aos produtos, processos e serviços brasileiros, ou os crie, com base em inovação e novas tecnologias nacionais ou adquiridas, mas transformadas, reunidas, adaptadas nas entidades nacionais, surgindo, assim, a verdadeira espiral do crescimento econômico sustentável[[15]]. A Coréia do Sul, o Japão, a China e a Índia são exemplos recentes de sucesso desse modelo.

Parte-se do princípio que, sempre mais à frente, todas as nações que detêm o poder econômico, tecnológico e social terão outros condicionantes e sustentáculos e que aqueles países que entram na competição, como se fosse um revezamento tecnológico e de conhecimentos, acabam capturando parte do futuro desenvolvimento[[16]] ou, pelo menos, uma parte do presente. Nos últimos 60 anos, nenhum país se tornou rico seguindo a via tradicional das exportações de commodities manufaturadas, da dedicação na agricultura ou pecuária primárias, da exportação de minérios, ou da transformação desses em produtos convencionais, mesmo que o fizesse na melhor qualidade. Mas, cerca de vinte, tornaram-se ricos[[17]] ou recuperaram seu status antes privilegiado[[18]] por se empenharem em produtos, processos e serviços de alto valor agregado e em inovação em geral.

Nessa corrente, alguns se identificam com os princípios da Qualidade e da Produtividade, centrada nas lideranças dos Programas hoje conduzidos pela Fundação Nacional da Qualidade – FNQ, do Movimento Brasil Competitivo – MBC, do Grupo Gera Ação[[19]], e por algumas empresas, que se expandem desde a década de 70 seguindo inicialmente as ideias da Qualidade Total aplicada no Japão e trazidas para o Brasil pelo governo federal e algumas empresas nacionais, notadamente a Petrobrás.

Esses movimentos são importantíssimos e avançam para o campo público, embora ainda não tenham sido acolhidos na totalidade da iniciativa privada. Mas, os casos de sucesso, e a evolução do movimento, credenciam essa corrente a seguir em frente, principalmente pela adesão de grandes empresas e alguns órgãos públicos ou governos, com grande repercussão nos seus resultados.

Os movimentos que buscam a Qualidade e a Produtividade têm tudo a ver com o que se descreve mais à frente, quando se analisa o uso da poupança nacional (como garantir melhor produtividade do capital empregado).

Ainda nessa corrente podemos incluir os economistas e sociólogos que não se alinham com a primeira corrente e vêm defendendo sempre um modelo de planejamento nacional, de atuação inovadora e voltados para a produtividade do capital e valorização das vantagens competitivas, sem submissão a valores que não sejam os nacionais.

O Caminho da Riqueza

A teoria que relaciona a construção da riqueza com a capacidade de agregar a inteligência nacional aos processos, serviços e produtos brasileiros, ou para reunir os conhecimentos e insumos importados e reordená-los em modelos mais valiosos, começa a se difundir no País, embora ainda que de forma restrita.  Essa seria a nova essência de um processo desenvolvimentista: inteligência, tecnologia e inovação decorrentes, transformando-se em moeda ou capacidade de agir, competitivamente, no mercado mundial e nacional. Essa é a tese da Era do Conhecimento, validada mundialmente [[20]].

Na industrialização convencional, na maioria das vezes, acontece o resultado empresarial positivo – e isso confunde a todos -, mas não necessariamente ocorre um saldo favorável para o País ou, se ocorre, ele seguramente não é substantivo. O preço maior alcançado nesse modelo é tão somente o resultado da soma dos custos de mão-de-obra, matéria prima e insumos (alguns de alto valor e importados) e de custos de capital, além de licenças e tecnologia (normalmente importadas). Não há valor real agregado, aquele da inovação e do conhecimento. Em geral, trata-se de produtos convencionais já fabricados ou oferecidos por várias outras nações. Não há, portanto, como introduzir lucro especial (que é o que faria a riqueza nacional), apenas sendo possível recuperar empresarialmente algo em torno de 10% a 20% do capital empregado (nos processos industriais e nos momentos propícios da economia mundial). Mas, para o País, que teve que investir recursos em energia, estradas, portos, educação, preparo de infraestrutura, é pouco. A depender das isenções, dos investimentos em infraestruturas implantadas, dos juros pagos para se financiar, e das remessas de dividendos no caso de investimento estrangeiro, os resultados sociais podem, até mesmo, ser negativos. Portanto, a primeira mudança no pensar é entender que pode haver progresso para centenas de empresas, mas não haver progresso nacional.

Por exemplo, há que se investir bem mais de uma centena de bilhões de dólares, nos próximos dez anos, para disponibilizar energia, transportes, saneamento e educação para acompanhar/fomentar o processo desenvolvimentista atual. Se a opção dos empresários, que irão capturar essas infraestruturas e recursos for majoritariamente por investir em processos produtivos e agricultura convencionais, como tem sido a regra, o Brasil ficará distante, cada vez mais, dos países desenvolvidos. Terá investido tudo que poderia para criar as bases da riqueza e nada alcançará de grandioso. Portanto, percebe-se a importância dos investimentos do setor produtivo (que utilizarão essas infraestruturas e recursos) dirigidos a segmentos de maior retorno por real aplicado em infraestruturas e educação.

É claro que nações com muita disponibilidade de recursos naturais favoráveis, como grande extensão de terras agricultáveis, reservas de minerais, bastante água e bom clima, e, ainda, boa densidade populacional, apresentam algumas vantagens extras na busca da riqueza, pois podem contar com suprimentos mais baratos de insumos primários e, ainda, divisas extras no agronegócio, na pecuária, na pesca, no turismo, etc. Mas, mesmo com todos estes fatores, o país não pode prescindir da fórmula mágica – transformação da inteligência em dinheiro – por ser este o único caminho seguro e sustentado para o desenvolvimento[[21]].

O Japão e a Coréia do Sul tornaram-se países industrialmente poderosos sem dispor de riquezas naturais como o Brasil. Assim, por exemplo, porque o País tem ferro, alumínio e outros minerais, tem terras em quantidade, pode ser tentado a optar por jogar toda sua rota de desenvolvimento com base na transformação dessas benesses naturais. Já fez e faria um enorme esforço e sempre a cada dez anos à frente veria, na contabilidade comparativa, que estaria mais pobre que os países que optaram pelo caminho prioritário da transformação da inteligência e dos conhecimentos em produtos, processos e serviços. E estará em uma situação crítica, pois esses segmentos estarão ocupando suas infraestruturas e recursos e movimentando a sua economia. Por exemplo, o Brasil está agora com menor disponibilidade de bons investimentos para gerar energia, e ainda com poucos recursos, mas ocupado, na média, com indústrias energo-intensivas (muito frequentemente eletrointensivas) ou de grandes movimentações de cargas que demandam muito petróleo, e atrelado a uma agricultura de baixo valor agregado mas que demanda muita energia e fertilizantes. Mas, quando pensa em avançar, se vê preso a esses segmentos, que demandam mais e mais investimentos em infraestruturas e produção de insumos básicos. E não se discute a fundo as questões do retorno nacional por Real aplicado entre várias hipóteses.

Um Brasil rico teria que estar com um PIB na ordem de US$ 3 trilhões (cinco vezes maior do que o atual). Ora, esse valor é tão elevado que seria impossível alcançá-lo, em espaço de tempo adequado como vinte a trinta anos, apenas pela rota dos negócios resultantes do setor primário (agricultura, pesca, pecuária etc.), do secundário convencional (produção de bens manufaturados comuns para o mercado interno e externo); mesmo que isso fosse possível, seria um PIB de valor elevado, porém sem qualidade, ou seja, não resultaria em riqueza real nacional, pois pouco se remuneraria os capitais e a mão-de-obra empregadas, dada a intensa competição externa. Quase nada da pura inteligência se transformaria em moeda de troca nos negócios internacionais.

A combinação dos investimentos, dos custos nacionais e do retorno sobre a poupança investida traz terríveis verdades e grandes preocupações. No modelo atual, para se aumentar um dólar líquido no PIB há que aumentar o estoque de capital em 2,7[[22]] dólares, o que é o mesmo que dizer que para ganhar um ponto percentual nesse PIB é preciso investir (i) 2,7 pontos dele (acima da reposição do que é sucateado).

Para crescer de forma sustentada, a altas taxas, há que se conseguir maior poupança (ii) e melhor qualidade nos investimentos e nas suas características (i) melhorando a produtividade do capital. As remessas para o exterior, se zeradas, o que é impossível de ocorrer ou indesejável que ocorra[[23]], também contribuiriam com uma melhoria de pouco mais de 1% na elevação do PIB anual. Isto não é pouco (já que a diferença acumulada representaria um PIB 25% maior em vinte anos) mas ainda é insuficiente para alcançar o crescimento desejado.

Na geração de maior poupança (ii), encontra-se, seguramente, o caminho sem limites e, portanto, o de maior peso na formação da riqueza nacional, que é alcançar a geração de lucros crescentes pelo uso da inteligência nacional, porém sem descurar da eterna busca de custos decrescentes na produção.

  • É possível pensar em caminhos para implementar a qualidade e o valor dos produtos e processos e serviços nacionais ou de outras origens, e já nesse caso os fatores inovação e conhecimentos são essenciais. Melhorar as tecnologias importadas, introduzir inovações não demandarão novas infraestruturas, portanto ganha-se em retorno geral;
  • E, ainda, na linha de frente da criação de maior poupança nacional estaria a criação de novos produtos, processos e serviços intensivos de conhecimentos e tecnologias, portanto de menores custos de infraestrutura. Nesse caso, inovação e conhecimentos são os fatores básicos para avançar. Para visualizar esse item, o leitor deve pensar em como é geração de riqueza para o Japão com a linha de máquinas digitais sempre em inovação e como é a demanda de infraestruturas e energia com a linha de exportação de minérios, rochas e assemelhados de baixo valor no Brasil.
  • Sempre se poderá diminuir custos próprios do setor produtivo (custos operacionais), mas logicamente o potencial de ganhos é limitado, pois cada empresário já se exercita nessa rota constantemente
  • Quanto à “reposição do PIB” (iv) há, também, um bom campo a explorar podendo-se pensar em ganhos de três maneiras:
  • pela diminuição dos custos em geral dos setores produtivos com isso aumentando, em termos reais, a poupança nacional (ii), por exemplo aplicando-se os poucos recursos atualmente disponíveis em segmentos de maior retorno, como a conservação de estradas;
  • pela melhoria da qualidade dos investimentos. Por exemplo, as estradas poderiam estar em perfeito uso por vinte anos, mas não duram nem cinco com a qualidade hoje praticada[[24]];
  • com investimentos em segmentos longe da obsolescência;

Assim, embora seja oportuno e vantajoso aproveitar as vantagens naturais do Brasil, país de natureza e geografia pródigas, será necessário atentar para a faixa nobre na criação da riqueza, que estaria no setor quaternário (conhecimentos, informação, etc.), na faixa superior do setor terciário (serviços), e na de alta tecnologia do setor secundário. Está é a tradução da nova Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE) e das conclusões dos intensos trabalhos levados a cabo pela comunidade científica e consolidadas na 3ª Conferência Nacional de Ciência e de Tecnologia. Vejamos o que diz um trecho da PITCE:

…“O panorama mundial está marcado por um novo dinamismo econômico baseado na ampliação de demanda por produtos e processos diferenciados, viabilizados pelo desenvolvimento intensivo e acelerado de novas tecnologias e novas formas de organização. Esta nova dinâmica realça a importância da inovação como elemento-chave para o crescimento e para a acirrada competitividade”.

É também uma tradução do Mapa Estratégico da Indústria – 2007-2015 (2005) do CNI[[25]] que diz:

…”A inovação é fundamental para a estratégia industrial brasileira. Criar um ambiente favorável à inovação, dispor de uma adequada infraestrutura tecnológica e de centros de conhecimento com capacidade de transformar pesquisas em resultados são imprescindíveis para o sucesso da indústria nos próximos dez anos…”

Recentemente, a Coréia do Sul realizou um trabalho sobre os segmentos de destaque da China que poderão competir futuramente com os seus no mercado externo[[26]]. Ou seja, o fato de estarem numa situação de vanguarda no cenário internacional, crescendo seletivamente em setores de alta tecnologia e conhecimentos, ao lado de países como o Japão, os Estados Unidos e a Comunidade Europeia (outros trabalhos mapeiam também esses competidores), não seria o suficiente diante do surto de crescimento científico e tecnológico da China[[27]]. Na década de 60, a Coréia do Sul procedeu da mesma forma com relação ao Japão. Esse movimento sul-coreano é similar ao dos concorrentes, que estão sempre desenvolvendo estudos para identificar os setores “portadores do futuro”, responsáveis pela sustentabilidade do crescimento econômico e da riqueza nacional e social. E é semelhante, também, ao brasileiro, que resultou nos Livros Branco e Verde, na nova Diretriz de Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior de 2003, na Lei de Inovação, além da formação da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial, de 2004, e na 3ª Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia[[28]], de 2005. A grande diferença é que no Brasil poucos acreditam ou debatem estratégias de crescimento com base em inovação e tecnologia, e, por isso, o assunto não veicula na mídia e nos meios políticos e empresariais com o destaque necessário; e, claro, é o que atrasa o esforço desenvolvimentista nacional. Por isso, chamamos a atenção de todos.

Espaços para criar o Desenvolvimento Sustentável

A inovação, que surpreende o mercado, agrega um valor extra elevado aos produtos, processos ou serviços. Isso não depende de matéria prima, nem de mão de obra barata, nem mesmo de capital intensivo. Japão, Coréia do Sul, Taiwan, Hong Kong, Irlanda, Suíça, Holanda, Finlândia, Cingapura, Itália tornaram-se países ricos pela conversão da inteligência nacional em produtos, processos e serviços de alto valor agregado. O somatório de milhares de inovações é que vai garantir a renda extra de um país para o seu desenvolvimento sustentável. E é, dessa forma, que as nações conseguem multiplicar o valor dos insumos que compram dos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, estabelecendo um sistema de trocas no qual a tonelada por eles comprada, provavelmente, lhes custa menos de US$ 500 na média, mas sua tonelada exportada vale milhares, por vezes milhões de dólares. Nós somos grandes vendedores de minérios e outras commodities para a China e para a Coréia do Sul, países com os quais podíamos nos ombrear na década de 70 e agora deles recebemos produtos de valor cada vez mais elevado.

Nos países ricos existem centenas de entidades, nos mais ricos dezenas de milhares, que têm capital nacional e são de vanguarda, colocando produtos de alto valor no mercado mundial, garantindo renda per capita elevadíssima, e elevado padrão de vida.

Os exemplos seguintes mostram essa realidade. O Brasil terá que produzir enorme quantia de divisas para renovar todo o estoque de máquinas de filmar e de fotografar (adquirindo as imbatíveis máquinas digitais, e, depois, comprando os novos lançamentos, duas a três vezes em média), para renovar a cada três anos seu estoque de computadores e periféricos, de celulares e de outros instrumentos digitais totalmente importados (ou aqui montados, porém com os insumos mais caros importados[[29]]). Talvez, se alcance mais de 100 milhões de unidades em poucos anos. A um custo médio de cerca de 300 dólares a unidade, chega-se à fantástica cifra de US$ 30 bilhões a ser despendida! Se ela for gerada por exportações de produtos primários, minérios, entre outros, implicaria em um movimento exportador de até mais de 150 milhões de toneladas (provavelmente, inviável) de um bem médio de US$ 200 por tonelada. Esse modelo exportador demandaria, por sua vez, fantásticas somas da poupança nacional aplicadas pelo País em energia, transportes, portos, fábricas de fertilizantes, etc., que poderiam ser destinadas para algo que desse retorno de fato. Ou seja, o Brasil, pela revolução digital, da qual não participou, terá que gerar preciosas divisas sem nada de novo a oferecer ao mercado. Antes, será compelido, cada vez mais, a comprar as inovações oferecidas mundialmente. E a população, sem ter aumento proporcional de renda, terá que despender igual montante, apenas, para se manter atualizada no mundo atual. Ou seja, gasta sua poupança e, ainda, retira recursos da sociedade somente para repor algo que já tinha, diminuindo, por esse lado, a poupança geral nos próximos anos.

Outro exemplo: cada iPod de menos de 100g comprado por jovens e adultos, produto inexistente anos atrás, obriga o país a exportar mais cinco toneladas de ferro, ou uma tonelada de soja para manter o mesmo superávit comercial anterior. Imaginem alguns milhões de brasileiros comprando esses iPods e assemelhados, depois os de maior capacidade, e, mais adiante, os de maior utilidade. Imaginem que, nos últimos dez anos, para o mesmo fim, compraram, e atualizaram, os walkmans de vários estilos, depois os discman, também importados, e os destinaram, agora, ao lixo, ou ao uso pelos que não podem comprar essas novidades. E, imaginem que, anos à frente, serão lançados outros dispositivos, com novas tecnologias, e que terão performances semelhantes ou substitutivas e de interesse da mesma classe de consumidores. Vista sob essa ótica, toda a cadeia de eletroeletrônicos e seus componentes de produtos e processos de média e alta tecnologia, é possível entender o porquê do déficit brasileiro de US$ 56 bilhões no período 1998-2005 (importação-exportação), a previsão de US$ 100 bilhões nos próximos dez anos e, ainda, a razão da riqueza dos países que se dedicaram a esse segmento a partir da década de 80.

Diante desses elevados déficits, no modelo convencional de desenvolvimento, os passos sempre idealizados têm sido, então, atrair as fábricas desses componentes e produtos, pensando na nacionalização da produção. Mais à frente, quando o Brasil conseguir capturar a tecnologia, estes produtos já terão se tornado commodities manufaturados e, piorando o quadro, o país ainda estará importando os componentes mais elaborados. Mais crítico ainda, como em todos os ciclos tecnológicos nos últimos trinta anos, rapidamente, esses produtos estarão entrando em obsolescência, repetindo-se a dinâmica do processo, quando, então, a desigualdade se repõe. Ou seja, os países subdesenvolvidos sonham com as fábricas que não possuem, lutam por elas, e quando as conquistam outras já se preparam para entrar no rol dos sonhos da nação, que assim repete esse ciclo perverso eternamente.

Assim, as novidades saídas dos laboratórios de pesquisas das 2000 empresas maiores investidoras em P&D na (1000 União Europeia e 1000fora da EU), que aplicaram algo em torno de US$ 460 bilhões[[30]] em 2005 em P&D, serão enviadas para os países que conseguem gerar alguma renda com exportação de produtos primários ou de baixa intensidade tecnológica. E esses países, por sua vez, se empenharão nessas exportações, freneticamente, para pagar as crescentes importações, até esgotarem seus potenciais naturais. Mais adiante entrarão em decadência total, como já acontece com mais de uma centena deles, incapazes de acompanhar o ritmo atual de mudanças na economia, tecnologia, meio ambiente e anseios da sua sociedade. E o Brasil, como está nesse cenário? Quais os caminhos ainda disponíveis além daqueles consensuais no campo da economia e da boa gestão pública? Como levar mais e mais pessoas a discutirem esses temas?

Caminhos para o Desenvolvimento

A formulação de um modelo de desenvolvimento para o Brasil é uma tarefa complexa, mas necessária. O objetivo deste artigo é apresentar nossa visão sobre o modelo centrado em tecnologia e inovação para que, através do debate, possa ser alcançado o consenso necessário para sua efetivação, estabelecendo, assim, mais um pilar nos planos nacionais. É confortador também observar – conforme ilustrado por algumas citações – que manifestações de diferentes entidades nacionais coincidem em apontar os caminhos assinalados como os que conduziriam ao desenvolvimento. Procuramos partir da realidade existente, suportando com alguns casos de sucesso a viabilidade de caminhos para o desenvolvimento que podem ser assim resumidos:

1. Atuar nos mercados nacional e mundial de alta tecnologia e da inovação;

2. Inovar ao trabalhar com produtos convencionais;

3. Capacitar o País e suas empresas fornecedoras de bens e serviços em áreas de importância estratégica e de alto valor agregado;

4. Atuar na área de serviços onde são importantes a criatividade, a qualidade, o saber e a tecnologia;

5. Permeando os caminhos anteriores valorizar em todas as suas etapas e, imediatamente, em todos os setores produtivos ou da administração pública e privada os conceitos e propósitos de avanços na Qualidade e Produtividade.

Caminho 1 – Atuar nos mercados nacional e mundial de alta tecnologia e da inovação

Nesse quadro, o caminho número um indica ordenação de esforços para atuar nos mercados nacional e mundial de alta tecnologia e da inovação, sem o que o País não gerará recursos para acompanhar a inovação mundial e recuperar e progredir efetivamente. Há que lembrar que não é mais possível fechar a economia às novidades, pois o processo de modernização ficará obsoleto e, portanto, antieconômico[[31]]. Isso vale tanto para os grandes negócios como para as micro e médias empresas, como para todos os sistemas e processos nacionais.

Infelizmente, neste caso, são poucos os exemplos no país. O único de porte em curso e já produzindo saldos, talvez, seja a EMBRAER, que transforma recursos, tecnologias e conhecimentos de alto valor em outros ainda mais elevados – produtos que não são commodities. Esse é um dos bons exemplos de como um país pobre e emergente pode entrar no mercado mundial, antes mesmo que tenha resolvido todas as suas pendências internas na economia, na educação, etc. Para isso, foi necessária a clarividência dos que instituíram o Centro Técnico Aeroespacial (CTA), e o Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA) e, mais tarde, a EMBRAER estatal, seguida da competência dos que assumiram, na privatização, o seu patrimônio físico e de conhecimentos. Pode-se dizer que a EMBRAER é exportadora líquida de conhecimentos, de inteligência nacional [[32]].

Há o caso do segmento da energia nuclear e dos equipamentos para seu uso, que vem sendo brilhantemente desenvolvido pela Marinha Brasileira em rede com várias entidades. Em 1986 foi fundada a Coordenadoria de Projetos Especiais que veio a se transformar no Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo – CTMSP no campus da Universidade de São Paulo – USP, que conta com o Centro Experimental de Aramar em Iperó, interior do Estado de São Paulo. Esse é um exemplo do como desenvolver pesquisas de ponta no País e não se contentando a compras de pacotes fechados. O governo brasileiro havia praticamente desistido, na década de setenta, da rota própria na energia nuclear, fechando, então (1975), um pacote tecnológico, dentro do Acordo Brasil-Alemanha, com os alemães que incluía o enriquecimento do urânio e o reprocessamento. Gastou centenas de milhões de dólares para assimilar processos cuja tecnologia ainda não estava desenvolvida[[33]]. A Marinha recomeçou o esforço nacional e já alcançou vários sucessos, que podem colocar o Brasil no mapa da tecnologia nuclear neste século. Para se ter uma dimensão das repercussões sobre um dos pontos alcançados, basta ver as disputas mundiais com o Irã sobre o enriquecimento do urânio. Essa mesma tecnologia foi dominada pela Marinha e já está em aplicação no Brasil, podendo o País entrar no mercado mundial de urânio enriquecido para aplicações em reatores nucleares. Um país que almeje posição de destaque mundial precisa se situar bem nesses campos[[34]].

E certamente há um ainda reduzido número de micro, pequenas e médias empresas transformando a inteligência dos seus fundadores em bens competitivos interna e externamente. Deve-se frisar que nos países hoje ricos uma boa parte das suas exportações vem dessas entidades, o que indica ser mais fácil do que se supõe entrar na disputa dos mercados interno e externo. É como se imaginássemos que a luta vindoura será também entre pequenas entidades de poucos empregados, e não somente de diminutas empresas nascentes no Brasil contra grandes conglomerados estrangeiros.

Deve ser ressaltado que a abertura dos mercados obrigou e obriga as empresas nacionais, de qualquer porte, a se preocuparem com a inovação, para não serem alijadas do mercado (como centenas já foram). Além disso, todas têm a seu favor o conhecimento do mercado, o acesso a matérias prima mais baratas e principalmente uma mão de obra muito menos onerosa do que as suas concorrentes em países desenvolvidos. Mas, em contrapartida, as do exterior têm muito melhor suporte tecnológico e incentivos para se lançarem mundo afora[[35]]. Por isso é de fundamental importância o papel dos Centros Tecnológicos do SENAI e dos Arranjos Produtivos Locais do SEBRAE e das Redes e Centros de Excelência iniciados pela Petrobras e futuramente das Redes Tecnológicas lançadas pela Petrobras

A meta que se impõe é a criação de algumas dezenas de “EMBRAERs” e de “Projetos Aramar” nos próximos dez/vinte anos, de forma a aproximar o País do ciclo vital da inovação mundial. E, para isso, os trabalhos em curso, que devem ser aprimorados anualmente, já indicam os setores “portadores de futuro”, igualando, assim, o placar da competição, pois o “jogo ainda será jogado”. É fundamental pensar em outros segmentos para tentar essa mudança, sem o que não haverá recursos para manter o desenvolvimento sustentável. E, muitíssimo importante, pensar em favorecer o surgimento de milhares de micro, pequenas e médias empresas[[36]] para tentar o mercado mundial e nacional com produtos de alto conteúdo de conhecimentos.

Sem contribuição da inteligência nacional inserida nos processos produtivos, inovando ou transformando os conhecimentos em produtos de alto valor agregado, não haverá a criação da riqueza nacional.

Não quer dizer que todas as tecnologias tenham que ser desenvolvidas no Brasil. Isso é impossível. A Coréia do Sul e o Japão sempre foram grandes compradores de tudo que podiam transformar em produtos para o mercado, assim agregando valor ao conhecimento científico do exterior. O Brasil é e será um grande comprador nesse campo, mas precisará crescer muito em conhecimentos, tecnologias próprias, de forma a ter moeda de troca nesse mercado mundial.

Caminho 2 – Inovar ao trabalhar com produtos convencionais.

O caminho número dois é aquele que aproveita as vantagens naturais, a partir de geração de conhecimentos e tecnologias nacionais. É o caminho que torna o produto nacional competitivo, ou os cria no País, ou seja, gera riquezas, por menores custos do que os similares no exterior, e multiplica a produção ou o valor final com menos unidade de capital aplicado por unidade a mais produzida. Nessa rota, trabalha-se com produtos convencionais (commodities convencionais ou manufaturadas de baixa tecnologia), porém inova-se em toda a cadeia produtiva, ganhando-se em escala e, com isso, multiplicando-se as oportunidades [[37]].

Os melhores exemplos, neste caso, são a Vale do Rio Doce e a EMBRAPA e todas as inovações decorrentes desta última e da ação empresarial (álcool, açúcar, soja, carnes, frangos, frutas etc.). Nessas unidades percebe-se, claramente, a transformação da inteligência nacional em resultados palpáveis (menores custos operacionais, melhor qualidade, maior rendimento operacional), alcançando-se, seguramente, um bom resultado empresarial e nacional. Mas não há como o País determinar o preço mundial dos seus bens minerais ou agrícolas. No entanto, no mercado mundial progredirão aqueles que alcançarem custos abaixo da média mundial [[38]].

Há que se considerar que no mercado mundial existe grande concorrência e que os enormes volumes exportados (minerais mais comuns ou produtos agrícolas de maior mercado) requerem fantásticas infraestruturas para acompanhar o progresso do setor, assim capturando grande parte da poupança nacional. Por isso, a importância de selecionar os segmentos de maior retorno, de menor demanda de áreas, de maior diversificação, de menor agressão ambiental, de melhor conteúdo tecnológico. Mas, mesmo assim, se este caminho for a única opção, o Brasil não gerará renda suficiente para acompanhar o progresso mundial. Vale, nesse quadro, ter consciência histórica. Nenhuma monocultura convencional, ou conjunto delas, é responsável, atualmente, pela riqueza de qualquer nação. Nem modelo algum exportador de minérios[[39]]. Ocupar todas as áreas disponíveis e nossas matas remanescentes para estabelecer alguns tipos de cultivos intensivos que, potencialmente, terão mercado momentâneo elástico, seria um retrocesso. É preciso pensar, para os mesmos espaços, na diversificação e nos resultados nacionais e sociais mais elevados por área disponibilizada e infraestrutura implantada.

As vantagens naturais do País nos levam a pensar em uma centena de Vales e EMBRAPAS e seus derivativos, que demandarão esforço nacional estratégico através de programas mobilizadores com alto empenho governamental.

Pelo porte das entidades nesse caminho dois, pelo porte e diversidade dos empreendimentos, acabam surgindo oportunidades do tipo daquelas do caminho um, como no caso da biotecnologia e do aproveitamento da biodiversidade para enobrecer o agronegócio, ou das aplicações mais nobres em metalurgia. Ou, ainda, uma evolução, com base nos conhecimentos acumulados, no sentido de tratar de negócios do caminho três e quatro.

Mas é bom que se saiba que a tônica no País ainda é a exportação dos bens de forma primária sem agregação de tecnologia de forma substantiva no sistema de produção do primeiro bem da cadeia de valor. Há um grande campo na transformação de alguns minerais e pedras valiosas, de produtos naturais, da industrialização de alimentos e de outros assemelhados. O Japão e a Índia faturam alto na indústria de joias com base no ouro, diamantes e pedras preciosas compradas ou contrabandeadas do Brasil e da África. Há mercado mundial de bom valor para frutas especiais, flores e carnes especiais, que dependem de alta tecnologia em toda a cadeia produtiva. Por exemplo, a Bélgica e a Suíça ganham muito dinheiro com exportação de chocolates industrializados partindo de sementes de cacau que não produzem. O Chile e Israel faturam alto com frutas, o Chile com salmão, a Holanda com flores, a Alemanha com café industrializado.

Caminho 3 – Capacitar o País e suas empresas fornecedoras de bens e serviços em áreas de importância estratégica e de alto valor agregado.

O terceiro caminho considera um pouco do primeiro, a ordenação de esforços para atuar no mercado mundial e do segundo, que aproveita as vantagens naturais. Entretanto, trata de produtos estratégicos, seja pela sua escassez, seja pelas perspectivas de carência futura, seja pela importância do domínio das fontes principais de matéria prima para dominar todo o ciclo produtivo, ou ainda para evitar o estrangulamento do progresso por falta de certas matérias primas (muito caras na importação em função de fretes). Nesses casos, o grande investimento em tecnologia e inovação garante resultados especiais para o País, não só por abastecer uma cadeia produtiva de alto interesse, como também por evitar o efeito nefasto de cartéis, ou ainda por garantir o suprimento nacional em quaisquer situações e a baixo custo.

O melhor exemplo, nesse caso, é o da Petrobras, que, por ter optado pelo desenvolvimento de tecnologia no País, acabou gerando três resultados especiais: firmou sua escalada empresarial e sua competitividade; garantiu suprimento nacional e a preços internacionais; e ajudou e ajuda a alavancar o desenvolvimento tecnológico e empresarial, como nenhum outro segmento. A Petrobras já investiu no território nacional mais de US$ 120 bilhões com recursos próprios (preponderantemente gerados nas suas atividades) e tem um patrimônio de mais de US$100 bilhões. Outro fosse o modelo (a partir de investimentos externos e de reaplicação de lucros), hoje estaria o Brasil remetendo para o exterior, talvez, mais de US$ 10 bilhões anuais de lucros, dividendos e pagamento de tecnologias e licenças somente nesse segmento[[40]]. Além disso, não existisse a Petrobras, provavelmente o preço dos produtos no mercado interno (sem impostos) seguiria a lógica mundial [[41]], acima dos internacionais, onerando ainda mais a economia nacional. Presentemente, o Senado norte-americano elabora uma lei antitruste contra as companhias nacionais preocupado com a elevação artificial dos preços no mercado interno e com a ação dos trustes internacionais, depois de 100 anos da era do petróleo.

Nesse caminho, além de tudo, pela complexidade das tecnologias, processos e produtos envolvidos, o País e suas empresas fornecedoras de bens e serviços se capacitam para atuar mundo afora, em área de ponta, de alto valor agregado, seja exportando bens e serviços, seja exportando a própria tecnologia. Neste caso, a Petrobras, e as empresas e universidades parceiras na escalada da tecnologia, aos poucos, também serão exportadores de tecnologia, como já o são a Shell, Exxon, ENI, Chevron, IFP a partir de suas bases de origem. De alguma forma isso já acontece com as empresas nacionais expandindo suas fronteiras no exterior graças à capacitação adquirida no trato com as grandes estatais nacionais.

O caso da indústria nuclear poderia estar nesse item. Foi inserido no caminho um, por ser de fato uma tecnologia de ponta, pouco difundida e em alguns pontos talvez Portadora do Futuro, como na Fusão Nuclear[[42]]

Não é exagero imaginar que existe pelo menos uma dezena de oportunidades nesse caminho, ao se pensar nos bens estratégicos ou de alto valor.

Caminho 4 – Atuar na área de serviços onde são importantes a criatividade, a qualidade, o saber e a tecnologia;

O quarto caminho se relaciona com serviços, informação, entretenimento e conhecimentos como produto, turismo e assemelhados. Também, nesse caso, a riqueza advém em boa parte da criatividade, do melhor serviço, da valorização do saber, da agregação da alta tecnologia a tudo que se faça.

Os melhores exemplos nacionais, nesse caso, são os da Rede Globo com repercussão mundial, e o nosso sistema de turismo, em evolução. Mesmo países ainda com grandes dificuldades podem brilhar nesse caminho, como a Índia [[43]], por exemplo, nos softwares e no cinema. Outros que poderiam avançar muito no Brasil seriam os dos esportes, dos softwares, do cinema, da música, do design, das artes, da venda de serviços e de tecnologias nascentes, por exemplo.

Caminho 5 – Permeando os caminhos anteriores valorizar em todas as suas etapas e, imediatamente, em todos os setores produtivos ou da administração pública e privada os conceitos e propósitos de avanços na Qualidade e Produtividade. Que para ter sucesso, precisa de elevado grau de inovação e de boa gestão empresarial.

Essa medida tem a ver com as atuais propostas em análise levadas à sociedade e ao governo federal para se elevar a eficiência e produtividade dos setores produtivos e dos gastos públicos, bem como para diminuir os custos atuais de toda a máquina pública e privada. Ou seja, é necessário garantir que cada Real já investido ou a investir possa produzir o maior retorno para o País, mesmo considerando os processos convencionais.

À frente desses movimentos, como já falado, estão a FNQ, o MBC e o Grupo GERA AÇÃO.

Uma atuação severa no sentido pretendido, ocupando mais intensamente o setor produtivo, e melhorando a qualidade de tudo que se faça, certamente é um caminho rápido para aumentar o PIB em prazos mais curtos e a menor investimento, liberando recursos para outras aplicações.

Conclusão Excelência Tecnológica um Projeto Nacional

Aumentar a riqueza nacional e alcançar o desenvolvimento é, como assinalamos, uma luta em várias frentes. Estamos tratando aqui da parte tecnológica e da inovação que apresentam, no entanto, implicações sobre outras “frentes”.

No aspecto cultural, para alcançar a excelência tecnológica é necessário romper de vez com o complexo de inferioridade que nos faz pensar que o Brasil não tem vocação para alta tecnologia. Também ao buscar na tecnologia a riqueza nacional ajuda-se a melhorar a excessiva concentração da renda nacional já que a valorização da inteligência nacional inevitavelmente produz uma ampliação da base social.

No aspecto educacional, trata-se de capitalizar o grande esforço já realizado na área e dar oportunidade aos cérebros nacionais que continuam fugindo do país ou sendo subutilizados. O próprio esforço tecnológico contribuirá, por outro lado, para melhorar o nível da formação dos pós-graduados e até dos professores.

No aspecto econômico, ao agregar valor proveniente da inteligência nacional ao produto estaremos aumentando a produtividade de capital que identificamos como o principal óbice para o crescimento econômico.

Finalmente, no aspecto financeiro, surgirão alternativas que mesmo não podendo oferecer as altíssimas taxas de juros (que revelam o risco da aplicação) atualmente praticadas no Brasil, serão alternativas seguras para as aplicações da poupança nacional.

Quanto a necessidade de algum consenso, pode-se verificar que ele já existe em torno de alguns pontos sugeridos como mostram algumas das conclusões sintetizadas nas atuais Diretrizes da Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior, da qual se extraem os excertos a seguir:

… “Para o equilíbrio externo de médio e longo prazo, é fundamental que um país como o Brasil não se distancie das áreas mais dinâmicas do conhecimento. Além disso, é decisivo desenvolver a capacidade de realizar Pesquisa e Desenvolvimento-P&D nas empresas e instituições públicas e privadas, gerar patentes e transferir as inovações para produtos e serviços” …

…”O Brasil precisa estruturar um Sistema Nacional de Inovação que permita a articulação de agentes voltados ao processo de inovação do setor produtivo, em especial: empresas, centros de pesquisas públicos e privados, instituições de fomento e financiamento ao desenvolvimento tecnológico, instituições de apoio à metrologia, propriedade intelectual, gestão tecnológica e gestão do conhecimento, instituições de apoio à difusão tecnológica”…

Também, no Mapa Estratégico da Indústria – 2007-2015 (2005) do CNI[[44]], encontra-se a definição dos rumos a seguir. Ele diz:

…” A inovação é fundamental para a estratégia industrial brasileira. Criar um ambiente favorável à inovação, dispor de uma adequada infraestrutura tecnológica e de centros de conhecimento com capacidade de transformar pesquisas em resultados são imprescindíveis para o sucesso da indústria nos próximos dez anos…… o estímulo à rede de centros tecnológicos requer a consolidação de centros externos – públicos e privados -, que permitam economias de escala e de escopo, divisão de custos e de riscos e o incremento na formação de redes e parcerias ….. O objetivo é ampliar a interação entre empresas e instituições de pesquisa, de formar a propiciar maior cooperação na análise e desenvolvimento de produtos e processos.

No que se segue, trataremos de explicitar as principais linhas do Plano Nacional de Excelência Tecnológica e algumas ações específicas passíveis de implementação no curto e médio prazo e algumas já em andamento. Vale dizer que tudo que se fala em termos nacionais, pode ser rebatido para os âmbitos estaduais, municipais e empresariais.

Objetivo: Elevar o Brasil (seus Estados, municípios e empresas) do atual patamar de produtor de bens primários ou de baixa intensidade tecnológica para o de majoritariamente produtor de bens de alto e médio conteúdo de inteligência nacional visando as seguintes metas:

Meta 1: Aumentar as aplicações em P&D de 1% para 2% do PIB e, depois, para 3%.

Este é o nível objetivo atual de aplicação da Coréia do Sul, EUA, Japão, Comunidade Europeia, sem o que o País ficará cada vez mais distante dos países que lideram os negócios mundialmente [[45]].

Deve-se considerar que aumentar os recursos para P&D em 1% (de um PIB de US$ 600 bilhões) representa orientar aplicações adicionais de US$ 6 bilhões anuais no país; se 2%, outros US$ 6 bilhões. Supondo que, no período a seguir, o PIB crescerá, esses valores serão maiores ainda. Ao final de um período de 20 anos (tempo necessário para ser alcançado um patamar de desenvolvimento razoável), o PIB será de US$ 1,5 trilhão a US$ 3 trilhões. Os valores totais de aplicação seriam, no mínimo, US$ 15 e US$ 30 bilhões, respectivamente, por ano. Ou seja, o país terá que gerar e bem aplicar recursos entre US$ 200 bilhões a US$ 400 bilhões em P&D para ver seu sonho de nação rica encaminhado em 20 anos. Isso seria um dos maiores e mais complexos Programas Nacionais, a merecer a atenção de todos.

Não se deve esperar, no entanto, que esses recursos venham exclusivamente do orçamento governamental. Os investimentos em P&D&I têm que ser rentáveis, permitindo sua multiplicação no médio prazo, tanto na parte que cabe ao governo como na empresarial, de onde viria majoritariamente a nova fonte de recursos.

Logicamente, essa ação se desdobra nacionalmente, cabendo aos Estados e mesmo aos municípios de maior porte e às empresas, parte crítica nessa caminhada, uma atenção especial ao tema.

Meta 2: Criar e Consolidar Redes Tecnológicas com a participação de empresas em temas julgados prioritários[[46]].

Deve-se entender que os recursos humanos e laboratoriais, no momento, estão majoritariamente nas universidades e institutos de pesquisas públicos[[47]], sendo impossível pensar em qualquer escalada de investimentos sem a presença marcante dessas entidades em rede com as empresas, de onde se espera sairão os recursos antes referenciados (recursos próprios, resultantes de isenções e de incentivos, aplicações compulsórias).

Considere que para aplicar e produzir centenas de bilhões de dólares que terá que investir em P&D nos próximos 20 anos, o País precisará aprimorar seus mecanismos de gestão, de formação e condução  dessas redes, sem o que, apenas, multiplicará pesquisas, não obtendo os desejados resultados otimizados, e nem os recursos para crescer em investimentos, e capazes de levar o país aos primeiros lugares na competição mundial [[48]].

Meta 3: Apoiar movimentos ou organismos pragmáticos com foco no setor produtivo e público, cujas realizações, de porte e ações abrangentes favoreçam a formação de redes e a produtividade.

Embora o País tenha ordenado seu sistema de pesquisas ainda na década de 50 – e, com isso, avançado muito no campo acadêmico e científico – ainda assim, em 2003, estudos indicaram, como visto, que o setor produtivo não foi atendido a contento.

Na década de 90, preocupado com a questão da tecnologia, os governo federal e alguns estaduais instituíram vários Fundos de Fomento às Pesquisas, editaram leis liberando elevadas somas para o mesmo fim, definiram regras para aplicação dos seus recursos e passaram a orientar e incentivar o aumento das aplicações no setor produtivo. Tentaram, assim, igualar seus esforços aos dos países ricos, que, há bem mais tempo, se preocuparam em promover as pesquisas no setor produtivo. A Coréia do Sul, exemplo de economia ascendente paradigmática [[49]], conta com centenas de centros de inovação no setor produtivo, enquanto o Brasil, talvez, não contabilize uma dezena. Mas, foi a partir da década de 80, que a Coréia viu crescer os núcleos de alta tecnologia no setor privado. Assim, é possível imaginar que se o Brasil incentivar, a partir de agora, o surgimento desses núcleos, poderá almejar um patamar tecnológico interessante nos próximos vinte anos.

No curto prazo, o País poderá ganhar muito com as ações do GRUPO GERA AÇÃO, do MBC e da FNQ. As raízes desses movimentos estão na década de 70 e agora se apresentam com excelente performance para atuar no e para o sistema produtivo e público.

Nesse contexto, já existem, no presente, alguns poucos movimentos ou organismos pragmáticos com foco no setor produtivo, cujas realizações, de porte e abrangentes, favorecem a formação de redes entre os recursos existentes para introduzir um diferencial no debate sobre a sustentação e aceleração do desejado desenvolvimento nacional. São diferenciais que precisam ser estudados:

Programa Nacional de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás – PROMINP;

  • Programa de Formação de Centros e Redes de Excelência da Petrobras/COPPE/UFRJ;
  • Programa de Formação de Redes Tecnológicas e Núcleos da Petrobras;
  • Redes Tecnológicas Norte – Nordeste com Fundos iniciais do CTPetro
  • EMBRAPA e seus 46 núcleos de pesquisas e desenvolvimentos
  • Outras Redes do CTPetro;
  • Arranjos Produtivos Locais do SEBRAE/MDIC;
  • Centros Tecnológicos do SENAI;
  • Programa Nacional de Softwares para Exportações – SOFTEX;
  • Rede Brasil de Tecnologia – RBT;
  • GRUPO GERA AÇÃO, MBC e FNQ

Meta 4: Estabelecer Redes de Excelência no nível mundial

É necessário ter em alguns setores específicos Redes de Excelência (que podem ser denominados de Centros por questão de marketing) que nada deixem a dever, em sua área, aos melhores do mundo para que possam servir de referência para outras atividades.

No momento existem organismos que se configuram como centros ou redes de excelência na área governamental e em entidades de classe. Na área empresarial o Programa Centros e Redes de Excelência e o de Redes Tecnológicas da Petrobras são, no momento, os únicos no país que nascem de uma iniciativa de uma empresa. O Programa de Centros e Redes de Excelência é o único pensando em modelo de trabalho global, nacional e mundial, e em rede obrigatória com instituições do segmento governamental, acadêmico e do mercado, tudo de forma institucionalizada, atuando em toda a cadeia produtiva ou de suporte no tema considerado; conta com livrete apresentando a metodologia de formação das redes. Já existem vários empreendimentos em curso que podem ser visitados, analisados e servirem de parâmetros para novos projetos. Este Programa também se conecta com o PROMINP, com as Redes Tecnológicas e Núcleos de Competência da Petrobras, com as Redes do CTPetro e com o Serviço Nacional de Aprendizado Nacional (SENAI – CTGAs). No momento, o Programa está em expansão e, isso ocorrendo, muitas das teses desse documento serão amplamente validadas e exemplificadas para uso geral.

Meta 5: Estabelecer ações para Consolidação do Plano no Médio Prazo:

Para que o Plano tome seu caráter de um grandioso Projeto Nacional é imperioso ordenar ações de imediato que o caracterizem e o consolidem[[50]] devendo inicialmente contar minimamente com as seguintes:

  • Formação de algumas Redes de Excelência de âmbito Nacional em várias Temáticas, permanentes e com foco empresarial e de P&D, como por exemplo uma de Petróleo e Gás, partindo dos Centros e Redes de Excelência e Redes Tecnológicas introduzidos pela Petrobras. Esse movimento sinalizará para que se formem outros empreendimentos de porte semelhante no País em vários ministérios, secretarias e órgãos de governo em geral e organismos públicos e privados;
  • A expansão do programa da Petrobras de criação de Centros e Redes de Excelência e de Redes Tecnológicas, de forma a envolver cada vez mais a sociedade em todos os quadrantes, sinalizando que essa forma de atuar é perfeitamente factível;
  • O engrandecimento dos movimentos do SENAI apoiando a transformação de seus Centros Tecnológicos Regionais em Centros de Excelência Nacionais nas suas respectivas temáticas, como já se faz com alguns deles, como o Centro de Excelência do Gás – CTGas. Essa é uma ação essencial para suportar o desenvolvimento industrial nacional ou regional;
  • A ligação ainda mais efetiva do PROMINP e dos movimentos de formação de seus Centros e Redes de Excelência, de forma a dar continuidade, sustentabilidade e maior abrangência ao programa, que alcança expressiva fatia do PIB nacional;
  • A ligação mais efetiva dos Fundos de Fomento e dos incentivos fiscais para P&D com os projetos antes elencados, ampliando, ainda mais, a ligação indústria, universidades e governos;
  • Analisar o como duplicar os recursos da EMBRAPA e o desenvolvimento de sua performance voltada para a sustentabilidade, essencial para avançar da melhoria do padrão de vida nacional, e no incremento das pesquisas em áreas portadoras de futuro, como as da genética, da biotecnologia em geral, da biodiversidade e as do campo ambiental;
  • Buscar a multiplicação: dos Arranjos Produtivos Locais, conferindo crescente poder às pequenas e médias empresas pela associação; das Incubadoras de empresas e das empresas incubadas e dos Parques Tecnológicos junto às universidades, todos sendo movimentos essenciais para apoiar o surgimento de um país e regiões com base tecnológica e científica.
  • Fortalecimento dos movimentos ligados à Produtividade e Qualidade, ação imediata para elevar a produtividade de todos os fatores, nos níveis nacional, regional ou empresarial e, portanto, a poupança interna para investir para o desenvolvimento;

Logicamente, outras importantes medidas de curto, médio e longo prazos serão incluídas neste trabalho, contando com a contribuição dos leitores, bem como outras surgirão nos ambientes que acolherem como apropriadas as ideias desenvolvidas neste artigo.

“Commodismo”, Pré-Sal e Desenvolvimento

Carlos Feu Alvim (*) e José Fantine (**)

Motivação

O Governo Brasileiro tomou uma decisão histórica ao retirar das licitações da ANP, 9ª rodada, as áreas do pré-sal. Essa ação se deu através da Resolução do Conselho Nacional de Política Energética – CNPE de Nº 6, de 08/11/2007, que também determinou ao Ministério de Minas e Energia “que avalie, no prazo mais curto possível, as mudanças necessárias no marco legal que contemplem um novo paradigma de exploração e produção de petróleo e gás natural, aberto pela descoberta da nova província petrolífera, respeitando os contratos em vigor”.

O pré-sal é uma camada de reservatórios que se encontram no subsolo do litoral do Espírito Santo a Santa Catarina, ao longo de 800 quilômetros, em lâmina d’água que varia entre 1,5 mil e 3 mil metros de profundidade e soterramento (área do subsolo marinho que terá de ser perfurada) entre 3 mil e 4 mil metros. Existe estimativa que esta área possa abrigar uma reserva superior a 50 bilhões de barris. Isto representa cerca de setenta anos do atual consumo brasileiro.

Confirmadas as reservas e em um mundo ávido por petróleo, o que fizer o Brasil em matéria de exploração e produção de óleo e gás nessa nova fronteira terá grande importância estratégica. Existe a possibilidade do País se tornar um exportador de certa importância no cenário mundial, durante as próximas décadas.

As questões a respeito desse petróleo começam a circular na mídia e já são, certamente, objeto de estudos nas áreas empresarial, econômica e governamental. O petróleo do pré-sal será (ou já está sendo) o detonador de muitas pressões e manobras dos setores envolvidos. Quem não tiver isso

_______________________________

(*) Carlos Feu Alvim, doutor em Física, redator da Revista Economia e Energia – e&e. e Consultor da COPPE

(**) Eng. José Fantine, Consultor da COPPE, Ex-Diretor da Petrobras e ex-Superintendente de Planejamento da Petrobras. Membro da Academia Nacional de Engenharia:

em conta não conseguirá compreender movimentos que acontecem e acontecerão no ambiente político e econômico em que o Brasil está inserido.

Basta ver na mídia as defesas, já repetitivas, que se avolumam para manutenção do modelo exploratório vigente no País, como se o Brasil estivesse ameaçado por algo estranho e destruidor e não em uma posição soberana para decidir o que melhor lhe convém nesse momento de grandes descobertas de óleo e de gás. Querem uma decisão já, por que?

Como já sinalizou o CNPE, o marco legal do setor petróleo terá que ser revisto, já que os seus pressupostos (escassez de petróleo, alto risco nas áreas exploradas, falta de recursos no Brasil para alcançar a autossuficiência) estão ou serão inteiramente superados. Isto é particularmente válido para a lei que regulamenta o Setor (Lei 9478/97). Esse é o ponto: nova realidade, nova Lei.

Este artigo inicia uma série de trabalhos que irão explorar essas questões, de capital importância para nosso desenvolvimento social, tecnológico e econômico. Ele enfoca a recuperação no preço das commodities e o aumento da demanda de nossos produtos no exterior e busca, a partir da situação presente, antecipar o que acontecerá quando começarem a entrar os recursos do pré-sal. Essa recuperação de preço e de mercado (aliada às altas taxas de juros internos) já trouxe um problema prático para a economia brasileira: a valorização da moeda nacional, que já vem prejudicando o comércio interno e externo de outros setores.

Está na hora, de uma vez por todas, pensar como país soberano que terá a energia de que precisará, podendo assim escolher como, quando e quanto está disposto a produzir de óleo e gás, de forma a fazer dele um instrumento de progresso nacional e não simplesmente uma fonte fácil de divisas ou, pior, de lucros externos. Quanto mais se imaginar que o mundo necessitará de óleo e de gás, mais o Brasil deverá observar como tirar proveito dessas novas jazidas, sem nenhuma pressa, pois óleo não faltará no país, nem será difícil de extraí-lo, já que temos tecnologia para tal. A próxima decisão a ser tomada sobre o assunto está relacionada com a almejada (pelos interessados) retomada de licitação da 8ª Rodada de Licitações (de 2006) que incluía áreas do pré-sal. Como foi dito, esse tipo de área foi, posteriormente (para a 9ª Rodada), retirada das licitações pelo CNPE.

Com efeito, após a suspensão da 8ª Rodada por decisões judiciais (liminares), já existe decisão do STF sobre constitucionalidade da rodada de licitação, autorizando a retomada da 8ª Rodada. O próprio CNPE, também na mesma Resolução nº 6/2007, determinou a adoção das providências necessárias para o prosseguimento e a conclusão da 8ª Rodada de Licitações.

Na situação presente, em que foram confirmadas várias descobertas no pré-sal, a ANP estuda três hipóteses para a retomada da 8ª Licitação, conforme declarou o Diretor Geral da ANP, Haroldo Lima, em depoimento na Comissão de Minas e Energia Câmara dos Deputados, em 14 de maio de 2008:

Reabrir a 8ª Rodada e conduzi-la até o final, licitando todos os blocos inicialmente previstos.

Reabrir a 8ª Rodada sem os blocos do pré-sal, licitando os demais blocos.

Reabrir a 8ª Rodada e encerrá-la em seguida, mantendo o resultado das áreas já licitadas até a suspensão do Leilão.

O Diretor Geral da ANP afirmou, na mesma ocasião, que cabe ao CNPE definir a alternativa que melhor se adapta à política energética do país. A primeira alternativa tem o forte risco de dar início, precipitadamente, à distribuição das riquezas do pré-sal. A segunda alternativa parece a mais coerente com as deliberações anteriores do CNPE, que já julgou necessária a revisão do atual marco legal.

A decisão sobre a 8ª rodada pode ser, como se vê, uma batalha do que deve ser a longa campanha pelo Pré-Sal.

Nas discussões sobre o petróleo do pré-sal, tem vindo à baila o exemplo da Noruega que se deparou, nas décadas se sessenta e setenta, com as descobertas no Mar do Norte enfrentando um dilema semelhante ao do Brasil de hoje. A Noruega procurou evitar o que se denominou “doença holandesa” ocorrida quando os recursos do petróleo sufocaram o desenvolvimento (na Holanda) dos demais setores econômicos, provocando graves problemas econômicos e sociais em uma situação que deveria ser de abundância e de progresso nacional.

A Noruega tomou o caminho de assumir o controle de suas reservas dando prioridade a empresas nacionais, estatais e não estatais, mas com predominância das primeiras, na exploração do petróleo. Também direcionou para as empresas norueguesas as obras de infraestrutura e desenvolvimento necessárias para enfrentar o desafio da produção nas severas condições do Mar do Norte. O resultado dessa decisão foi estabelecer um modelo de desenvolvimento, alavancado pelo petróleo, que possibilitou construir uma sociedade que alcançou, nos últimos anos, o topo nos índices de desenvolvimento humano apurados pela ONU.

No que concerne à exploração de petróleo e gás, o Brasil tem condições de fazer melhor ainda do que a Noruega, pois tem já uma empresa de petróleo habilitada à exploração do petróleo encontrado (a Noruega não tinha tradição na área). Também tem, como a Noruega, uma base industrial local capaz de absorver grande parte das encomendas que serão geradas. Por outro lado, tendo praticamente alcançado a autossuficiência no horizonte dos próximos anos (sem o petróleo do pré-sal), o Brasil pode analisar com calma o que de bom o país fez e o que de ruim resultou do modelo adotado na quase totalidade dos países exportadores de óleo e gás do terceiro mundo.

No que concerne aos aspectos sociais, cabe ao Brasil agora escolher entre ser um mero produtor de grandes quantidades de óleo, ou fazer dessa sua “última mina” o fator de riqueza nacional, que não pôde fazer com as do passado. O Brasil, por sua dimensão populacional, não poderá transferir para seus habitantes o mesmo nível de conforto que a Noruega propicia aos pouco mais de quatro milhões de noruegueses, mas o sofrido povo brasileiro (é justo lembrar essa sua condição) merece que lhe seja oferecido melhor educação e saúde e o trabalho digno que ajudará construir nossa Nação.

O Pré-Sal pertence, por direito, ao Povo Brasileiro, devendo ser instrumento do desenvolvimento do País. O pré-sal é nosso!

Introdução

“O Brasil é um País essencialmente Agrícola” era a verdade econômica ensinada nos bancos escolares nos anos cinquenta. Vivia-se ainda sob a influência do ciclo do café que havia sucedido outros baseados em produtos extrativistas ou agrícolas em ciclos sucessivos desde a Colônia: pau-brasil, açúcar, ouro, cacau, borracha, etc. O café, no início da década de cinquenta, era ainda responsável por mais de 70% de nossas exportações. Hoje as commodities tendem a dominar nossas exportações cabendo a pergunta: O Brasil é um país essencialmente “commodista”? O recente lançamento da “Política de Desenvolvimento Produtivo – Inovar e Investir para Sustentar o Crescimento” do Governo torna ainda mais oportuna a discussão sobre o tema.

A economia nacional iniciou uma diversificação de sua produção em reação à crise do início dos anos trinta. Essa reação teve como marcas principais a instalação da indústria paulista, a Siderúrgica Nacional e a criação da Petrobrás (Governo Vargas) e teve continuidade na política de substituição de importações, que foi a base da industrialização brasileira dinamizada no governo JK e continuada no regime militar. Dirigida ao mercado interno, a indústria brasileira, praticamente dependente de tecnologia externa, refugiou-se nas barreiras protecionistas, o que limitou sua capacidade competir externamente e internamente, frente a uma possível abertura do mercado.

Apesar dessas limitações, muitas vezes usadas para desqualificar o esforço realizado, a mudança interna na produção resultou em uma significativa alteração no perfil das exportações brasileiras que ocorreu durante o regime militar nos anos sessenta e setenta. Para entender melhor a mudança ocorrida nas exportações, vale a pena examinar sua evolução por classes de produto, ou seja, em básicos, semimanufaturados e manufaturados. A SECEX/MDIC fornece os dados desde 1974 para as duas últimas classes sendo que para os produtos básicos estão disponíveis dados a partir de 1964[[51]].

A Figura 1 mostra que os produtos básicos, predominantes em 1964, tiveram sua participação drasticamente reduzida de 83% (1964) para cerca de 25% na década de noventa. A participação dos manufaturados, por sua vez, passou de 10% para 55% nos primeiros vinte anos do período.

É bom lembrar, entretanto, que os manufaturados – que incluem hoje os aviões da Embraer – também englobam produtos menos sofisticados como açúcar refinado, álcool[[52]], derivados de petróleo, suco de laranja e laminados. Além disso, os demais manufaturados incorporam componentes importados de alta tecnologia, mascarando os resultados indicados. Mas, considerando-se que o Brasil, na década de cinquenta, tinha ainda mais de 70% de suas exportações concentradas em um único produto básico, deve-se admitir que o progresso foi considerável.

Figura 1: Participação por Classes de Produtos nas Exportações Brasileiras.

Fonte: Fonte: MDIC/Secex (dados obtidos indiretamente destacados por linha sem pontos)

O Brasil passa, no presente, por um extraordinário processo de aumento de suas exportações, mas parte considerável desse crescimento é devida a produtos básicos e semiacabados [i]. A evolução da participação dos manufaturados nas exportações brasileiras foi contida no início da década de oitenta e praticamente permaneceu estacionária desde então. A partir do ano 2000, ela vem decaindo, passando de 61% para 53% em 2007. Os produtos básicos, no mesmo período, subiram sua participação de 23% para 33%.[[53]]

Com o crescimento relativo da participação dos produtos básicos reforça-se o receio, objeto deste artigo, de que o Brasil, construindo seu saldo comercial principalmente sobre as commodities, possa ficar vulnerável quando a maré dos preços altos dessas mercadorias perder força. Poderia estar sendo reforçada uma forte dependência de um mercado cuja vulnerabilidade é bem conhecida e cujos preços estiveram em forte queda até o ano 2000.

Um fato a considerar é que boa parte do aumento da participação dessas commodities deve-se a um fenômeno positivo para o Brasil, que é a recuperação do seu preço internacional, analisado no item seguinte.

A Evolução do Preço das Commodities

Historicamente, as commodities e os demais produtos básicos ou intermediários apresentam forte instabilidade de preços; a principal razão disto reside no fato de que, por serem produtos pouco elaborados, sua produção depende de investimentos importantes frente ao valor agregado ao produto (alta intensidade de capital) e que apresentam, muitas vezes, produtividade baixa do capital[[54]], que é o recurso mais escasso nos países que buscam o desenvolvimento.

Uma vez realizado o investimento, amplia-se a capacidade de produção, incluindo infraestrutura energética e de transporte. Instalada a capacidade de produção e comprometidos os recursos nos investimentos a produção passa a depender do custo operacional. Na contingência de uma queda nos preços, motivada por uma incorreta projeção da demanda ou da oferta internacional, as empresas envolvidas e os países periféricos que as acolhem se vêm obrigados a vender a produção por um preço que chega a ser insuficiente para saldar os compromissos financeiros assumidos. A viabilização da produção, do ponto de vista empresarial, é feita, muitas vezes, mediante renúncias fiscais ou mediante tarifas favorecidas que impedem o Estado de recuperar seus investimentos em infraestrutura.

A Figura 2 mostra a evolução do preço das commodities (incluindo ou não os combustíveis) e de bens intermediários corrigidos pelo índice de preços ao consumidor dos Estados Unidos. Primeiramente, deve-se observar que o preço de produtos intermediários tem comportamento muito semelhante ao do das commodities podendo ser, os dois tipos de produto, tratados em conjunto. Já o preço dos combustíveis segue uma dinâmica própria e apresentou, no período, uma série de choques “quentes” e “frios”. Isto não os livrou de ter, juntamente com as demais commodities, um período coincidente de alta (década de setenta), de queda (décadas de oitenta e noventa) e de recuperação no início deste novo século.

Figura 2: O preço das commodities passou por 25 anos de queda e está 17% abaixo da média até 1990 (valor próximo ao de 1982) 24% inferior ao de 1975.

Como mostra a Figura 2, os preços dos bens intermediários e das commodities (fevereiro de 2008) estão longe de atingir a plena recuperação. Os valores foram expressos em relação aos de 1982 escolhido por coincidir com a média para as commodities para todo o período de 1964 a 1990. Mesmo com a recuperação observada, o preço é ainda 17% inferior ao de 1982 e 24% inferior ao de 1975. Acrescente-se a isto que a recuperação considerada se deu em dólar, que sofreu sensível desvalorização no último ano relativamente a várias moedas (inclusive ao Real) e que ainda não repercutiu inteiramente no IPC – EUA, índice usado na correção. Adicionalmente, como pode ser observado na curva “sem combustíveis”, boa parte da recuperação se deve ao petróleo, sendo a recuperação no preço das commodities “sem combustíveis” cerca da metade da observada para o conjunto.

A queda no preço das commodities, sustentada ao longo das duas décadas passadas, teve profundas repercussões econômicas sociais nos países do terceiro mundo. A elevação de preço que se verifica no presente pode ter um efeito econômico e social muito positivo para grande parte desses países. Naturalmente, países que não dispõem de fonte de renda (nem mesmo das referentes às commodities) terão dificuldades com a alta dos alimentos. A FAO já havia realizado estudos que demonstram que os baixos preços agrícolas, mantidos pelo subsídio em países desenvolvidos, acarretavam prejuízos de bilhões de dólares anuais aos países que buscam o desenvolvimento. Obviamente, a recuperação dos preços dessas mercadorias não está trazendo somente consequências negativas para os países menos desenvolvidos, como tem sido veiculado na mídia internacional, já que esses países tiveram o preço de suas exportações aumentados e passaram a poder melhor competir com os preços subsidiados de muitos países desenvolvidos.

As Commodities e o Desenvolvimento Brasileiro

A década de setenta, de alto preços das commodities, foi de rápido desenvolvimento no Brasil (milagre brasileiro) e foi seguida das décadas perdidas de oitenta e noventa onde eram baixos os preços das commodities.

A análise dos dados da Figura 3 desmente, contudo, a possível causalidade do crescimento pela elevação do preço das commodities, pois o crescimento do produto precede a elevação desses preços. Com efeito, o crescimento do final da década de sessenta (baseado em parte na recuperação da crise político-militar) e do início dos anos setenta antecedeu à alta do preço desse tipo de mercadoria. A taxa de crescimento do PIB brasileiro, aliás, começa a cair a partir do choque de preços das commodities (petróleo inclusive) de 1974. A atual recuperação também precede ao início da escalada desses preços do ano 2000.

É importante lembrar que, no caso do Brasil, houve nas três décadas passadas, uma relação ambígua entre o preço das commodities e dos termos de troca brasileiros[[55]]. Com efeito, ao ganho obtido pelo aumento do preço das commodities exportadas se contrapunha a perda causada pela importação de petróleo. A queda das taxas do PIB em 1980 é fortemente associada à alta ao choque no preço do petróleo de 1979, seguida da alta nas taxas de juros internacionais em 1982. O choque do petróleo de 1973 também anulou parte das vantagens relativas do aumento das commodities.

Figura 3: A alta dos preços das commodities não pode ser identificada como causa dos períodos de crescimento dos anos setenta nem da fase atual.

O grande problema do período de crescimento dos anos setenta (e que há risco de se repetir agora) é que os investimentos foram concentrados na produção de commodities e na infraestrutura para produzi-la. Isto acarretou uma queda brusca na produtividade de capital [ii]. Os fortes investimentos da década de setenta (aumento de 140 % no estoque de capital entre 1974 e 1984) foram esterilizados pela perda da produtividade de capital resultando em um aumento de apenas 50 % no PIB. Nos anos seguintes, a perda na produtividade de capital fez com que o investimento para crescer 1% do PIB praticamente duplicasse.

No Brasil, uma melhor correlação com o crescimento pode ser verificada com a variável “termos de troca”, que mede o poder de compra das exportações relativamente ao das importações (ver quadro).

Termos de Troca:

A Figura 4 mostra que o crescimento do PIB está mais estreitamente associado aos termos de troca embora a precedência que poderia indicar a causalidade não seja evidente.

Figura 4: Os termos de troca parecem mais diretamente associados ao crescimento anual do PIB, embora não possa ser apontada uma relação de causalidade.

“Commodismo” e Comodismo

Frente ao crescimento da demanda de alimentos e de outras commodities no mercado mundial existem duas atitudes possíveis:

  • O Brasil usar os recursos extras para aumentar a produção destes bens sem agregação maior de valor que a implícita na variação de preços e aproveitar os possíveis recursos extras para simplesmente aumentar o consumo interno de outros bens.
  • O Brasil aproveitar a oportunidade para aumentar o conteúdo tecnológico de seus produtos e dar um passo decisivo em seu desenvolvimento.

Nos ciclos econômicos associados a produtos básicos exportados, os mais emblemáticos são os do cacau e da borracha, o caminho adotado foi o primeiro: a posição comodista. O Brasil desfrutou da arrecadação extra, não se cuidando para fazer frente à concorrência com investimentos em tecnologia e pesquisas agrícola, acabando superado por países que realizaram avanços tecnológicos ou simplesmente ofereciam melhores condições para a cultura.

Uma continuação dessa política seria, por exemplo, o Brasil apenas se valer do atual impacto positivo dos preços do minério de ferro para incrementar os investimentos na produção e nos pesados investimentos na infraestrutura para transporte desse bem. Para o minério de ferro, existem no País vantagens comparativas na produção (qualidade do minério) e desvantagens relativas à distância dos mercados. Nos últimos anos, o minério de ferro (fines) passou de US$ 31/t para 132 US$/t. O mercado futuro segundo a EconStats (http://econstats.com) já aponta para preços da ordem de 200 US$ a tonelada.[[56]] A relativa abundância do minério no nível mundial faz prever, no entanto, que é possível incrementar sua produção e que o preço venha a baixar no futuro. Esta posição pode levar ao fenômeno de esterilização dos investimentos como a ocorrida na década de setenta. Em suma, toda a riqueza que poderia ser gerada graças aos altos preços do minério nacional poderá não existir pela baixa produtividade do capital. Em verdade, o Brasil teria investido muito para, ao final, baratear o próprio preço do produto exportado.

De qualquer forma, as empresas brasileiras, fundamentalmente a Vale, têm a liderança mundial no setor, reunindo hoje condições de assumir papel importante no cenário mundial inclusive evitando os preços aviltados das últimas décadas. Também seria justo esperar que a folga nos preços seja usada em investimentos para agregar mais valor tecnológico aos produtos[[57]].

Na verdade, a sociedade brasileira ainda não assimilou a nova realidade dos preços altos das commodities. Entre outras coisas, a legislação brasileira continua estimulando a exportação de produtos primários através da chamada Lei Kandir (Lei Complementar No 87 de 13/09/1996) que obriga o Governo Federal a compensar os Estados (na prática com pesadas perdas para as UF) de isenções de impostos sobre circulação de mercadorias neste tipo de exportação. Essa lei foi instituída quando o País dependia de recursos externos e os preços das commodities estavam contidos, tornando necessário, então, estimular as exportações do que fosse possível. Agora, o cenário é outro, de alta demanda externa e de elevada lucratividade para os exportadores de commodities que indica um quadro diverso do original.

É interessante notar que isso acontece enquanto outros exportadores, cujos produtos não sofreram os reajustes, têm problemas com a valorização do cambial estimulada, em parte, pelo crescimento das exportações das commodities.

Na ausência da iniciativa das empresas, uma política fiscal que priorize os investimentos na agregação de conteúdo tecnológico aos produtos exportados deveria ser adotada.

A Commodity Petróleo – Existe País Desenvolvido Exportador de Petróleo?

Na atual escalada[[58]] de preços do petróleo, existe uma diferença fundamental do ocorrido na década de setenta: o Brasil, graças ao magnífico esforço da Petrobras que investiu fortemente na exploração e produção com petróleo a 20 US$ o barril, conta agora com autossuficiência nessa commodity estratégica que era a que mais afetava as importações brasileiras. Isto acentua o efeito potencialmente positivo do aumento de preços das mercadorias exportadas sobre a economia brasileira.

Além disto, existe uma perspectiva concreta de que com as descobertas do pré-sal o Brasil se torne um ator importante no cenário mundial da produção e exportação de petróleo.

Estas circunstâncias despertam a discussão de que futuro espera o Brasil na circunstância de tornar-se um exportador de petróleo de certa importância. Uma questão que se impõe analisar: é possível um país exportador de petróleo (ou de commodities de uma maneira geral) vir a ser, na atual fase da globalização, um país desenvolvido?

No século 19 e na primeira metade do século 20, a presença de recursos naturais era considerada como uma das condições para o desenvolvimento. A presença de carvão e ferro na Inglaterra e a de petróleo nos EUA estão claramente associadas aos extraordinários ciclos de desenvolvimento desses países cuja repercussão alcançam os dias de hoje.

O que aconteceu nesses países é que a presença da commodity nos seus territórios, e seus imensos mercados próprio ou cativo (colônias), lhes proporcionaram as condições para o desenvolvimento da tecnologia associada à produção e uso do produto. A presença de carvão e ferro na Inglaterra possibilitou o desenvolvimento da indústria do aço que associada à máquina a vapor criou as condições para a revolução industrial ocorrida no século XVIII. Nos EUA (final do século XIX e início do XX), a exploração e produção do petróleo era desenvolvida na medida em que eram também desenvolvidas novas tecnologias para se aprofundar os poços. Também, os americanos foram pioneiros nas modernas técnicas de refino que, associadas às técnicas de extração, propiciaram negócios importantes, ao longo de todo o século, à indústria americana no país e no exterior. Como consequência deste ambiente, surgiu a indústria de veículos, que foi o motor da modernização norte-americana, e, nesse contexto todo integrado, desenvolveu-se mais tarde a tecnologia petroquímica, também um dos grandes vetores do progresso daquele país.

Na segunda metade do século passado, o desenvolvimento do Japão e da Coréia e de alguns países europeus foi considerado como evidência de que não existia mais a dependência entre o desenvolvimento econômico e a posse dos recursos naturais no próprio país. Educação da população e desenvolvimento tecnológico passaram a ser considerados os elementos fundamentais para o desenvolvimento.

Passou a existir mesmo a teoria inversa: a de que a presença de recursos naturais inibiria o pleno desenvolvimento. Com efeito, entre os países exportadores de petróleo existem países ricos, mas o único desenvolvido, a Noruega, já o era ou estava próximo disto antes das descobertas que a transformaram em exportador.

Um país periférico que descubra uma razoável reserva de petróleo pode facilmente usar os recursos da venda deste produto para adquirir todo o equipamento que necessite. É o que acontece na grande maioria dos exportadores de petróleo mesmo os mais ricos. É interessante que esta atitude é comum mesmo quando a empresa é estatal como ocorre na maior parte dos países que são grandes exportadores.

Os casos da Argentina, do México, da Venezuela, e de praticamente todos os exportadores asiáticos, africanos e árabes são paradigmáticos. Eles não desenvolveram a fundo as tecnologias de que necessitavam na cadeia de valor da indústria petrolífera, nem mesmo as tecnologias essenciais para a exploração e produção avançadas. Muitos passaram a ter excedentes de divisas, mas nunca a riqueza econômica e social conjuntas. Alguns viram seu ciclo de fartura exaurir-se não sendo mais capazes, por conta própria, de reverter o quadro.

A Noruega, a Inglaterra (exportadores no pós crise do petróleo de 1979), o Canadá e, antes de todos, os EUA, criaram uma vigorosa indústria do petróleo, com completa cadeia de valor muito bem desenvolvida, colocando-se mundialmente como ofertadores de bens, serviços e tecnologia, alavancando a economia nacional.  Sem contarem com jazidas de óleo, a França e a Itália também fizeram no negócio petróleo um fator do desenvolvimento nacional, provando de vez que mais importante do que ter a matéria prima era desenvolver a tecnologia e os conhecimentos para dominar o ciclo dessa indústria.

Quando um país se vê na perspectiva de acumular um excedente em dólares ele tem[[59]], no médio prazo (alguns anos), a opção de enviar estes dólares para o exterior sob a forma de reservas ou outro tipo de investimento no exterior. No longo prazo, ele tem que escolher o que irá importar. Para a China que é o exemplo mais recente a opção inicial foi acumular reservas e aplicar em títulos externos, posteriormente passou a realizar investimentos diretos no exterior. Na fase atual, a China, para atender a sua imensa população e as necessidades de sua indústria, passou a ser o grande importador mundial de commodities[[60]].

Por que a Petrobrás e o Brasil teriam (pelo menos até agora) escapado desta sina que condenou a maioria dos países grandes produtores de petróleo ao subdesenvolvimento nesse ramo industrial é um fenômeno que deverá ocupar nos anos próximos os ainda pouco numerosos estudiosos do desenvolvimento nacional. Durante algum tempo, o fato de a Petrobrás exultar por descobrir petróleo em águas cada vez mais profundas foi considerado paradoxal. Com efeito, parecia melhor que ela o encontrasse em quantidade abundante e em águas rasas[[61]].

A peculiaridade de ter que investir em águas profundas, em um período em que os investimentos se tornaram desinteressantes pela queda no preço do petróleo, deixou o Brasil diante de um desafio tecnológico que deveria ser resolvido com seus próprios meios. A Petrobrás buscava petróleo no mar desde a década de 60, e teve sua primeira descoberta em águas rasas em 1968 e a segunda, já em águas profundas da época, em 1974. Assim, a saga das águas profundas, e do grande desenvolvimento tecnológico nacional na questão, começou justamente quando surgiu a crise do óleo em 1973. Foram os avanços tecnológicos dessa época que permitiram à empresa continuar investindo após a queda de preços de 1986, graças à redução de custos na exploração e produção e à crescente capacidade de avaliar melhor as suas bacias sedimentares.

É claro que existiam caminhos alternativos de associação com o exterior que não foram inteiramente desprezados na estratégia empresarial. A diferença talvez tenha sido a prática da empresa de sempre associar ao desenvolvimento com apoio externo um esforço nacional espelho do externo[[62]]. As circunstâncias que levaram a Petrobrás a privilegiar a variável tecnológica merecem uma análise que supera os objetivos do presente ensaio. Entre os fatores importantes a serem considerados está certamente o fortalecimento de um setor de pesquisas, cujo ponto mais visível é o CENPES, mas que encerra ainda uma estreita ligação com as universidades com as quais foram criados vários núcleos de excelência.

Posteriormente, o Governo FHC instituiu uma série de mecanismos que levaram a empresa a aplicar em pesquisa parte de sua receita principalmente a proveniente de campos mais produtivos. Esta destinação obrigatória de parte da receita multiplicou os recursos para aplicar em P&D e possibilitou, já no atual governo, o estabelecimento de redes permanentes de pesquisa, obrigatoriamente vinculadas a universidades, que fortaleceram esta opção empresarial pela tecnologia.

Outro detalhe interessante no caso do petróleo é que o horizonte máximo contemplado nos sonhos petrolíferos nacionais era a autossuficiência. Isto levou a própria Petrobrás a se voltar para o exterior onde fez sua primeira grande descoberta (no Iraque) e, após um período dedicado principalmente à exploração na plataforma brasileira, passou a atuar no exterior apoiada na tecnologia que desenvolvera aqui, firmando-se como participante da vanguarda da indústria petrolífera.

Ou seja, a aparente desvantagem inicial de só encontrar petróleo em quantidade em águas profundas motivou a Petrobrás para insistir na rota do desenvolvimento tecnológico, dando massa crítica ao esforço de pesquisas que começara desde sua constituição. Este desenvolvimento já é um importante fator no seu negócio e pode fazer diferença nas novas etapas.

No Governo Lula foi descoberto o petróleo do pré-sal, cuja história ainda está por ser não só escrita como construída. Essa descoberta é certamente consequência dos avanços tecnológicos alcançados no período anterior, de intensa ação no mar a partir da descoberta da Bacia de Campos em 1974. Pelo que se conhece o fator tecnológico foi importante nessas descobertas: teria sido a partir dos avanços em análises geoquímicas e geofísicas, da tecnologia de avaliação de reservatórios e rochas, do entendimento das formações sedimentares nacionais em função das pesquisas exploratórias, dentre outros, que se gerou a hipótese de que as características do petróleo descoberto não se adequavam ao ambiente geológico em que estavam situadas e que deveria provir de uma outra camada geológica da qual o petróleo então encontrado teria escapado. A descoberta de óleo, encoberto por uma camada salina de cerca de dois mil metros e a profundidades de até cinco mil metros (no solo) e também a verificação da hipótese geológica mencionada (e as consequentes descobertas) não seriam possíveis, sem o domínio das melhores técnicas de prospecção e exploração pela Petrobrás. Um novo desafio tecnológico envolve a exploração e produção do petróleo neste ambiente particular de grandes profundidades no solo marinho com espessa camada de sal.

Ao contrário do que aconteceu com as águas profundas na década de 70, o cenário atual de preços altos do petróleo e a abertura do mercado podem ser desfavoráveis ao desenvolvimento tecnológico nacional, pelo menos no que concerne a produção nacional dos equipamentos. De um lado, os recursos em abundância estimulam às companhias a buscarem soluções onde estiverem e, de outro, a abertura existente tem mostrado que as companhias exploradoras estrangeiras privilegiam o mercado externo e logicamente as tecnologias desenvolvidas nos seus centros de pesquisas.

Como já começa a acontecer no Brasil com a boa fase dos preços internacionais para os seus produtos, o excedente de exportação[[63]] acaba deprimindo o câmbio. Isto torna mais atrativo importar máquinas, equipamentos, plataformas e navios. Corre-se o risco de perder a oportunidade de usar a riqueza das commodities para gerar o desenvolvimento que tornará a riqueza permanente.

A Noruega, único país desenvolvido exportador de petróleo junto com o Canadá, tomou uma série de medidas (como a constituição de um Fundo Nacional) para proteger sua economia das facilidades do petróleo. Essa experiência deveria ser estudada pelo Brasil.

O Desafio das Commodities.

A recuperação dos preços das commodities, vivida no momento atual, e os seus reflexos na economia, pode ser uma antecipação do que poderá ocorrer se forem confirmadas mais descobertas importantes de petróleo no Brasil.

Frente a uma alta nos preços dos produtos exportados ou a maior disponibilidade de um produto valorizado, corre-se o risco de adotar a postura comodista de desfrutar da circunstância como foi feito, por exemplo, nos ciclos da borracha e do cacau. A taxação à exportação de produtos primários exportados pode, inclusive, propiciar uma melhor distribuição dos recursos gerados.

A postura que conduz ao desenvolvimento é enfrentar, participando de todo o ciclo tecnológico, o desafio de agregar valor aos bens gerados a partir dos produtos primários ou semimanufaturados. Nessa postura, a produção de ferro alavancaria a de aço, que impulsionaria a indústria naval e mecânica, que propiciaria usar equipamentos fabricados e projetados no Brasil para a exploração e beneficiamento do petróleo. A exploração do urânio (cujos preços também subiram) seria usada para financiar a ampliação do enriquecimento isotópico e a construção de reatores de potência. E os avanços em toda a cadeia de valor do óleo e do gás alcançaria todos os setores industriais do País, aliás como é o objetivo do PROMINP[[64]]

Esta postura que conduz ao desenvolvimento já está ocorrendo com a produção agrícola onde o Brasil teve a “sorte” de estar praticamente sozinho no desenvolvimento da agricultura nos trópicos e onde a tecnologia da Embrapa começa a encontrar aplicações em áreas tropicais no exterior. Também, está ocorrendo no setor álcool onde a experiência isolada de uso em veículos gerou uma indústria atuante que enfrenta agora (com muita concorrência externa) os desafios tecnológicos de produzir plásticos e usar a celulose na produção do álcool.

É também importante mencionar que esta postura já existe no próprio setor de petróleo onde o Brasil atua em toda a cadeia produtiva e onde a tecnologia e a capacidade empresarial nacional abrem portas para a atuação da Petrobrás e outras empresas brasileiras no exterior.

Mas, imagine-se que o Brasil com a camada do pré-sal se torne exportador de digamos 3 milhões de barris pode dia de óleo. Sua receita em divisas seria da ordem de US$ 100 bilhões a mais por ano. Pode-se ver o que ocorreria com a sua economia se um plano progressivo de uso desses excedentes não fosse muito bem arquitetado. Nada feito, esse excesso de dólares simplesmente desarticularia a economia.

Resumindo, o desafio do Brasil é usar a riqueza advinda do petróleo e das demais commodities para promover o desenvolvimento e a riqueza permanente do País. Isto só ocorrerá se houver um planejamento coerente que rompa com o comodismo do “commodismo”. É necessário estabelecer uma estrutura institucional e empresarial que possibilite o desenvolvimento econômico justo e possibilite pagar a imensa dívida social construída durante séculos no País.

Para o mal ou para o bem, o futuro econômico do Brasil passa por como usará suas commodities.

O Petróleo e Gás: O Papel do Estado

José Fantine (*) e Carlos Feu Alvim (**)[[65]]

Introdução

No número anterior da revista e&e iniciamos a abordagem do tema petróleo do pré-sal. As descobertas mudaram o quadro do setor petróleo no Brasil. Se forem confirmadas as atuais perspectivas, estaremos diante de uma reserva adicional de 50 bilhões de barris de petróleo que, a 120 US$/barril, representam 6 trilhões de dólares[[66]]. Trata-se de uma quantia correspondente a 37 anos de exportações brasileiras, no nível de 2007, ou cinco vezes toda a exportação brasileira nos últimos sessenta anos (valores corrigidos) e cerca de 4 vezes o total das exportações anuais dos EUA em 2007.

Como o monopólio de petróleo segue sendo da União, o Estado é parte principal no equacionamento do problema que envolve a movimentação de tão fantástica soma de divisas. Não existisse o monopólio e esse ainda seria um assunto que requereria a ação do Estado.

Com a perspectiva da permanência dos preços de petróleo em faixa superior a 50 US$ o barril, toda a política energética mundial está sendo revista.

No Brasil existe uma longa tradição de planejamento energético, notadamente o elétrico. O longo período de maturação e a necessidade de integração dos projetos assim o exigiram. No setor petróleo, pela existência do monopólio do Estado exercido pela Petrobras, este planejamento esteve muito entregue à própria empresa. Foi a crise de preços do petróleo de 1979 e suas pesadas consequências para o País que levou a um fortalecimento do planejamento energético como um todo, que passou a ser feito no Governo Figueiredo pela Comissão Nacional de Energia[[67]]. O liberalismo dos anos noventa levou praticamente a desativação dos mecanismos de planejamento energético, inclusive o elétrico. Somada às incertezas institucionais na privatização e à falta de investimentos, a descrença no planejamento acabou conduzindo à crise de abastecimento elétrico de 2001.

No presente governo houve a retomada das atividades de planejamento energético de longo prazo, organizada em torno da Empresa de Pesquisas Energéticas – EPE e maior atividade do Conselho Nacional de Política Energética – CNPE, o que vem facilitando as adaptações necessárias. Também as Agências Reguladoras, instituídas no Governo anterior, vêm contribuindo para essa adaptação.

O setor de geração de energia elétrica foi estruturado para administrar a concorrência entre as várias fontes: hidroelétrica, gás natural, óleo combustível, biomassa, solar e eólica. A convivência entre os capitais privado e estatal encontrou aparentemente um ponto de equilíbrio. O uso da biomassa como combustível está sendo desenvolvido aproveitando a experiência anterior com o programa do álcool e os programas de conservação estão estruturados. Não se espera, portanto, descontinuidades ou mudanças de impacto nos modelos, estando aparentemente equacionados os problemas de convivência entre os capitais privados nacionais e estrangeiros (por ora, pouco importantes) e o estatal. Já no caso do setor petrolífero e do gás natural, no que concerne a sua expansão no Brasil, muito há o que discutir e entender.

Enquanto o mundo discute a possibilidade do fim da era do petróleo no decorrer deste século, o Brasil está passando de um modelo de escassez para um de fartura de óleo nas próximas décadas, confirmando-se, como se espera, as reservas do pré-sal. O quadro do setor mudou em 1996 quando o monopólio antes exercido por uma empresa, a Petrobras, foi substituído por um regime aberto de concessões. A Petrobras soube se adaptar às mudanças introduzidas no sistema, ela reforçou sua participação no mercado mundial e possui hoje um patrimônio de US$ 250 bilhões, que pode ainda evoluir para um outro patamar de mais de US$ 500 bilhões nos próximos dez anos, tornando-se uma das maiores empresas do mundo.

Neste trabalho abordamos algumas questões relacionadas com a evolução do setor petróleo e gás no mundo, que ajudam a compreender o caso brasileiro e, também, a evolução da Petrobras no cenário nacional. Um dos pontos de destaque é o da participação do Estado, no Brasil e no mundo, na Indústria de Petróleo e Gás.

O cenário mundial na geopolítica do petróleo e do gás a partir dos anos setenta

A participação do petróleo na matriz energética mundial (Figura 1) só tornou-se relevante no início do século vinte e passou a ter importância estratégica a partir da Primeira Guerra Mundial[[68]]. Em uma primeira etapa ele foi estratégico do ponto de vista militar, mas com a crescente participação no consumo energético mundial e por sua desigual distribuição geográfica, ele passou a ser um insumo economicamente estratégico a partir dos anos trinta do século passado (ultrapassou 10% do consumo mundial). A divisão do mundo que resultou da primeira guerra mundial passou a assegurar às nações líderes o acesso ao petróleo.

Figura 1: Projeções de C. Marchetti (1984) comparadas com a evolução real da participação das fontes energéticas (em cores) (IEA)

Da consolidação do petróleo como negócio e indústria, no fim do século XIX nos EUA, até a década de 70 do século passado, a atividade petrolífera seguiu, nos países do terceiro mundo, o modelo semelhante ao de outros negócios intensivos de tecnologia e capital – um modelo de exploração tipicamente da era colonial. Nesse modelo, os países detentores das reservas de matéria prima cediam suas áreas para exploração para poucas companhias dos países dominantes (EUA, Inglaterra/Holanda, França). Essas empresas detinham todos os direitos e revertiam “atraentes” 50% dos lucros da atividade para os países hospedeiros. Mas, como dominavam todo o ciclo, do poço ao posto, escolhiam o refino e a distribuição como carros-chefe para a sua lucratividade, com isso desvalorizando o óleo, que custava então US$ 2 o barril. Tirados os custos, quase nada sobrava de lucros para os países concedentes, configurando-se o modelo colonial de exploração.

A Segunda Guerra Mundial redividiu o mundo ampliando a área coberta pelos países ditos comunistas. A União Soviética e posteriormente a China passaram a liderar uma porção importante do mundo, mas sem exercer pressão significativa sobre o comércio mundial de petróleo, já que os soviéticos tinham excedentes de óleo que exportavam para sua zona de influência e os chineses foram autossuficientes ou exportadores até o início da década de noventa.

A situação do petróleo no mundo muda drasticamente na década de 70 por várias razões, mas basicamente pela constatação das perdas existentes para os países exportadores, pelo surgimento de lideranças descomprometidas com o status quo então vigente e da situação da Guerra Fria, que limitava as intervenções militares. Ações progressivas ocorreram desde a década de 50, com a nacionalização do óleo no Irã, depois revertida com a deposição do líder Mossadegh, e com a criação da OPEP[[69]] em 1960, reunindo grandes exportadores de óleo e dando-lhes um canal político de pressão para exigir melhores preços para ele. Também, as ações da ENI italiana, fundada em 1953 pelo governo italiano com o objetivo de desenvolver uma estratégia energética nacional para garantir o suprimento de óleo ao país, ajudaram a desestabilizar o então cartel dominante[[70]], oferecendo maiores lucros aos países produtores.

Com a guerra do Yom Kippur em 1973, os países árabes, seguidos por todos os países não desenvolvidos possuidores de grandes reservas, resolveram usar o petróleo como arma de pressão, desencadeando a elevação dos preços do óleo (de 9,7 US$/b para 49 US$/b em 1974 em moeda de 2007) e todo um processo de nacionalização durante a década. Em 1979, novos fatos no jogo de poder no Oriente Médio, a força decorrente da posse das reservas pelos países antes concedentes de licenças para explorar e os esforços da OPEP, como organização, levaram o preço anual médio do óleo (1980) para 96 US$ de 2007 o barril, dez vezes mais do que o de 1970. A evolução do preço do barril é mostrada na Figura 2 em dólares correntes e em US$ de 2007, sendo que os preços médios para 2008 (US$ 110/b até Junho) já superam o recorde anual de 1980.

Figura 2: Preços Spot do petróleo em dólares americanos correntes e de 2007

Fonte: Platts em BP Statistical Review of World Energy June 2008 em http://www.bp.com/statisticalreview consultado em 15/07/2008

Estabeleceu-se, então, a partir da década de 80, o primado das grandes estatais dos países árabes, africanos, latino-americanos e asiáticos, substituindo, nos seus países, as grandes multinacionais do óleo que até então dominavam a produção no planeta (menos no Brasil, México, Argentina, URSS e China, que haviam nacionalizado seus negócios nesse campo entre 1917 e 1953, e em poucos outros países sem expressão no negócio óleo/gás). Não há na história mundial exemplo de nacionalização tão ampla de recursos naturais como a que ocorreu na década de 70, quando pela primeira vez países pobres e sem poder militar, detentores da estratégica matéria prima, assumiram, sem guerras ou retaliações significativas, o papel das empresas estrangeiras concessionárias (todas de países ricos e demandadores dessa matéria prima). Se antes as multinacionais estrangeiras, na época não mais do que 10 empresas, dominavam 80% das reservas mundiais de petróleo, em menos de uma década ficaram somente com um quinhão menor que 20%, situação que não mudou até os dias atuais.

O mundo passou desse período de extremo rigor nos processos nacionalizantes para outro, na década de noventa, de ondas de liberalização com ações privatizantes e de abertura em muitos países, incluindo o Brasil. Porém, a partir do final daquela década, novamente ações de Estado se fizeram sentir com peso, citando-se o fortalecimento do controle estatal russo sobre o segmento, as novas posições de países como a Bolívia, a Venezuela, a Argentina e o Equador, a não abertura total como fora prevista para a Itália, França e Noruega e a não abertura, que também fora prevista acontecer, dos monopólios no México, Venezuela, países árabes e africanos.

Contribuíram para essa reversão de expectativas e de posicionamentos: 1. a baixa renda gerada para o Estado em alguns casos de desnacionalizações gravosas; 2. a escalada militar dos EUA no Oriente demonstrando a fragilidade da tese do petróleo “commodity não estratégica”; 3. a valorização do óleo e do gás estimulando os governantes a tentarem novamente ser os detentores da riqueza gerada e do poder decorrente disso; 4. a revisão, no geral, da onda liberalizante em função das crises a ela atribuídas em dezenas de economias.

O petróleo e o gás representam as principais fontes energéticas a movimentar a economia mundial: 60% do total da energia comercial consumida no mundo; apenas o carvão competindo com 28% do total, e a nuclear e hídrica, com 12%. A evolução dessa participação ao longo do tempo está mostrada na Figura 3 em energia equivalente onde as energias nuclear e hídrica são valorizadas considerando a eficiência na geração de conversão em eletricidade. Este tipo de equivalência valoriza devidamente a energia hídrica. Os outros tipos de energia (solar, eólica, madeira e resíduos) eram responsáveis em 2004 (http://www.eia.doe.gov/emeu/iea/) por uma geração elétrica que representava 12% da hídrica ou 0,7% do total, não sendo ainda significativos em termos de participação.

Figura 3: Participação das fontes primárias de energia, ditas comerciais, no mundo. Fonte de dados: BP

Como pode ser observado, petróleo e gás estão longe de cederem seus lugares para os concorrentes novos ou antigos, seja por falta de oferta, ou de preços competitivos, ou de adequadas infraestruturas de produção e distribuição, ou de tecnologias para uso disseminado. Em relação às projeções mostradas na Figura 1 (C. Marchetti 1984) o que se pode observar é que a esperada transição para o gás e para o nuclear não seguiu como esperado. A participação do petróleo só tem caído mediante choque de preços e a resposta mais imediata tem sido sempre a retomada de espaço pelo carvão, o que contribui para incrementar o efeito estufa.

Quanto à participação do Estado nos assuntos de petróleo, pode-se dizer que ela nunca deixou de ser relevante. Nos países periféricos ela se dá principalmente na área econômica; nos países centrais, onde os interesses do sistema produtivo nacional estão fortemente ligados ao Estado, sua ação se dá, muitas vezes, através da capacidade desses países em projetar seu poder por vias diplomáticas, econômicas ou militares. O governo dos EUA, país considerado como protótipo da economia de mercado, intervêm diretamente na permissão de exploração do petróleo em suas águas territoriais, na preservação do controle acionário de suas empresas no setor, sem contar com suas intervenções, por todos os meios disponíveis, na geopolítica do petróleo.

Passadas as ondas estatizantes e privatizantes mais agudas, novas formas de encarar o segmento de petróleo e gás se consolidam de forma a se manter o interesse do Estado como determinante, sem deixar de integrar-se em um modelo de participação de vários atores. O que mudou, essencialmente, foi o sentimento, agora aparentemente majoritário, de que o petróleo e o gás são, de fato, importantes fatores de poder e de renda, de desenvolvimento, que o mundo aceita formas distintas de conduzir esse negócio sem maniqueísmos redutores que só veem o bem ou o mal, conforme a ótica predominante de reserva total para o Estado ou para o setor privado.

A questão do petróleo e do gás tornou-se ainda mais crítica no Oriente Médio a partir de 1990, com as guerras Iraque-Kuwait-EUA  e, mais a seguir, após 2000, com as tensões com o Irã e com  os EUA novamente se envolvendo em guerra com o Iraque, dono de uma das maiores reservas de óleo do mundo – conflito segundo alguns justamente por conta dessa riqueza.

A evolução das reservas por região (Figura 4) mostra que a forte dependência do óleo do Oriente Médio, que existia em 1980 (54%), aumentou em 2007 (61%). As reservas provadas no Oriente Médio somavam, em 2007, 755 bilhões de barris e fora dele, 483 bilhões, totalizando 1238 bilhões de barris no mundo. As reservas fora da OPEP são de 303 bilhões de barris, sendo que 175 pertencem a países que integravam a antiga União Soviética e sobre os quais a Rússia segue tendo influência. Ou seja, fora da OPEP e da antiga União Soviética ficam 128 bilhões de barris. A possibilidade de um acréscimo de 50 bilhões ou mais na reserva brasileira (13 bilhões de barris em 2007) é um fato relevante na geopolítica do petróleo. Considerando ainda que a América do Sul e a Central aumentaram sua participação nas reservas de 4% para 9%, fica claro que a região cresceu de importância no panorama mundial.

No Oriente Médio, os negócios do petróleo e do gás têm a influência da OPEP e sofrem pesada oposição de movimentos nacionalistas em relação à possibilidade de acordos com os países mais ricos, grandes importadores de óleo e gás. O Iraque, não obstante a abertura de suas reservas no quadro da atual ocupação militar pelos EUA, e o Irã, (possuidores de 20% das reservas mundiais de óleo), estão longe de se tornarem fornecedores ideais de óleo para esses países.

Na África, movimentos guerrilheiros ou nacionalistas não dão trégua em alguns países, lutando contra as concessões petrolíferas ou contra os governos instituídos. Na América do Sul, Venezuela, Bolívia e Equador mudam seus planos liberais e impõem nova ordem no setor. E a Rússia, a maior exportadora de óleo e de gás, resolveu valorizar novamente suas estatais e a ação do Estado, reestatizando algumas empresas e assumindo o controle dessa indústria, que passara por um processo de privatização e de estabelecimento de concessões convencionais no governo anterior de Boris Yeltsin.

Figura 4: Distribuição das reservas de petróleo mundiais com a indicação, à direita, do total por região para o ano 2007. Fonte de dados: BP

Com todos esses ingredientes, com a continuada elevação da demanda e com o esgotamento das folgas[[71]] para exportação, o preço do óleo chegou à faixa de US$ 130 a 145 o barril em julho de 2008. Assim, o mundo está diante de uma mudança complexa no segmento de óleo e de gás pelo casamento de três variáveis independentes (oferta sem folgas, demanda sem perspectivas de queda em curto prazo e tensões em zonas críticas de produção[[72]]) e para as quais pouco se tem a fazer. Para aliviar a situação seria necessário o anúncio de grandes descobertas fora do Oriente Médio ou que as tensões naquela região sejam reduzidas de forma permanente, o que parece não ser possível no curto prazo.

Nos médio e longo prazos, os altos preços levarão à contenção da demanda e à oferta de outros energéticos. Nas crises dos anos setenta havia a perspectiva de um retorno ao carvão mineral[[73]]; hoje as restrições das emissões de efeito estufa colocam uma pressão, adicional ao preço, sobre todos os combustíveis fósseis, mas que limitam o retorno ao carvão. Por outro lado, os altos preços do óleo viabilizam a entrada de óleos de novas fronteiras bem como o desenvolvimento de tecnologias para a captura/não emissão de carbono com os elevados lucros e impostos gerados na cadeia de valor do petróleo e gás. Não se deve esquecer, no entanto, que este é um processo demorado e que esbarra, no longo prazo, com as limitações das reservas mundiais de óleo.

Por enquanto, o mundo se pergunta o que fazer diante de preços de energia que não pode pagar; classes econômicas da França, da Espanha (a Europa em geral) e de outros países começam a agitar-se contra a alta de preços. Nos EUA, o tema dependência de óleo e preços altos domina o cenário político e militar. A China, a Índia e a Coréia do Sul espalham suas empresas pelo mundo para financiar e fazer acordos para os gigantescos suprimentos de óleo e de gás de que necessitarão no futuro, seguindo os passos das empresas dos EUA e da Europa que há muitas décadas estão em todos os quadrantes explorando óleo e gás.

Justo no momento de maior gravidade nas questões estratégicas envolvendo o óleo e gás, no momento que fica patente a pouca disponibilidade de óleo no mundo, e que, por outro lado, se caminha para o auge da discussão sobre os efeitos da emissão de carbono para a atmosfera, o Brasil se apresenta mundialmente como detentor potencial de grandes reservas de óleo e, ao mesmo tempo, de potencial líder na produção de biocombustíveis e de detentor da tecnologia do ciclo de combustível nuclear. Essa combinação de problemas e possibilidades de soluções não pode ser tratada de forma simplista em relação ao setor óleo, pois o papel do Brasil pode assumir um destaque jamais imaginado e a nação não pode se arriscar a ser a “ingênua” ou “deslumbrada” no cenário geopolítico mundial. Essa pode ser a hora e a vez do Brasil, mas para isso serão necessários visão e pulso firme.

Momentos de destaque no negócio petróleo e gás no Brasil

A Petrobras e os negócios petrolíferos no Brasil têm histórias sobrepostas entre 1953 e 1997; entender essa história é necessário para clarear os caminhos para tomada das importantes decisões estratégicas nessa nova fase. No período, não houve uma década sequer que petróleo e gás não demandassem firmes atitudes do Estado. Na análise, embora a Petrobras esteja em foco, somente estarão sendo destacados os aspectos que tiveram a ver especificamente com uma ação de Estado, tendo sido deixado de lado as suas conquistas tipicamente empresariais por não serem objeto de atenção deste trabalho.

O Brasil se posiciona, no presente, muito firmemente na defesa de suas posições no caso da soberania da Amazônia e no caso de seus planos para os biocombustíveis. O País cresceu em importância no concerto mundial e o pré-sal já está dando a ele mais peso. O Presidente da República, a Ministra da Casa Civil e o Ministro das Minas e Energia vêm reiterando a importância que as descobertas do pré-sal poderão ter no cenário nacional e internacional. Isso posto, o que faltaria fazer? Entendemos que seria muito importante que os dirigentes e políticos, os empresários e a sociedade em geral aprofundassem a análise sobre o setor petróleo e gás no Brasil, primeiramente, e depois abrissem um debate sobre as questões como as que apresentamos nesse trabalho para, então, decidirem e se posicionarem soberanamente sobre a matéria que é de vital importância para seus interesses e os do País.

Antecedentes à Criação da Petrobras

A intervenção do Estado no Setor Petróleo tornou-se evidente no Brasil a partir da crise de abastecimento durante a segunda guerra mundial que motivou severas medidas de racionamento. Em 1938, ano precedente à eclosão do conflito, foi criado o Conselho Nacional do Petróleo CNP que teve como primeiro presidente o general Horta Nogueira que havia anteriormente advertido ao governo sobre os riscos do desabastecimento.

A redação do Decreto-Lei № 395 e a composição do CNP nele decidido deixa clara o caráter estratégico do petróleo por motivos econômicos e militares. O Decreto-Lei deixou ainda evidente que a preocupação maior era o setor de refino que foi nacionalizado, podendo ser operado apenas por empresas de capital constituído por brasileiros natos que também deveriam exercer a direção e gerência. Foi estabelecido ainda que haveria uma proporção obrigatória de empregados brasileiros a ser fixada por decreto. Quanto à produção de petróleo bruto o Decreto-Lei apenas estabelece que ela é de utilidade pública já que o Código de Minas já estabelecia que, não havendo qualquer registro até a época, as jazidas “por ventura existentes” foram consideradas incorporadas ao patrimônio da Nação.

No Decreto-Lei que organizou o CNP (Dec. Lei 538 de 1938) cabia ao órgão opinar sobre a conveniência da outorga de pesquisa e lavra de jazidas de petróleo e gás (posteriormente passou a decidir)[[74]]. O mesmo decreto-lei, no entanto, (art. 13) deu ao CNP a atribuição de realizar, por intermédio de órgão técnico a ser criado, “os trabalhos oficiais de pesquisas de jazidas de petróleo bem como quando julgar conveniente, procederá a lavra e industrialização dos referidos produtos”. Na prática, o CNP passou a deter a exploração do petróleo no País. A atuação do CNP, sob comando do general Horta Barbosa, foi de tendência nacionalista e estatal.

As companhias estatais, ainda no Estado Novo, foram importantes instrumentos da realização da política econômica de Vargas que criou a Companhia Siderúrgica Nacional – CSN, a Vale do Rio Doce, a Companhia Nacional de Álcalis e a Companhia Hidrelétrica do São Francisco – CHESF.

A ideia de criar uma estatal para o petróleo surgiu naturalmente visando dar mais dinamismo à ação do Estado na área do petróleo. Até sua criação já fora iniciada, sob a coordenação do CNP, a produção de petróleo (2.000 barris/dia). No refino havia o CNP que instalou uma refinaria na Bahia de 3.700 barris por dia (b/d). Juntamente com a refinaria particular no Rio Grande do Sul (Grupo Ipiranga) com capacidade de 5.000 b/d, constituía a capacidade de refino brasileira.

Na ocasião da criação da Petrobras já existia a concessão de outras refinarias, aprovadas em 1946 após a saída do general Horta Nogueira (em 1943) que preferia beneficiar as usinas estatais. As refinarias só tiveram seu início de operação na década de cinquenta e eram as de União (Capuava), São Paulo (20.000 b/d 1954), Manguinhos, Rio de Janeiro (10.000 b/d em 1954) e Manaus (5.000 barris em 1956). O CNP tinha em construção a refinaria de Cubatão de 45.000 b/d que entrou em operação em 1954.[[75]]

Este trabalho está focado, principalmente, na atuação da Petrobras. Como será visto a seguir, a designação da Petrobras como executora do monopólio estatal (1953) trouxe ao setor petróleo uma nova dinâmica. Muito embora a Petrobras tenha estado administrativamente subordinada ao Governo Federal, ela passou, por suas características institucionais e por atuação de seus quadros, a exercer um papel próprio no cenário energético brasileiro. Ao mesmo tempo em que a Petrobras sofreu sempre a influência do Governo (que nomeia seus dirigentes) em sua orientação, ela passou a exercer sobre o Estado uma influência considerável que leva, ao longo de sua história, à necessidade de analisar seus movimentos como uma entidade com vontade e política próprias.

A empresa estatal carrega em si um conflito latente de ser uma empresa que deve ser rentável e exercer sua missão de agente do Estado. Esta dicotomia Estado x Empresa aparece explícita em alguns trechos da análise que se segue. Além disto, a Empresa desenvolveu um espírito corporativo importante com aspectos positivos e negativos. O lado negativo foi extensivamente usado na campanha pela privatização. É bom realçar, no entanto, que muitas vezes foi a resistência dos quadros da Petrobras que a salvou de alguns usos indevidos de sua estrutura ou de medidas para atender interesses circunstanciais de governos que, ao final, poderiam comprometer sua sobrevivência. Também é verdade, como será mostrado, que decisões governamentais que encontraram resistências internas possibilitaram à Empresa, em contrapartida, contar com o apoio do Governo para a realização de ações estratégicas importantes que não seriam possíveis ou seriam improváveis na simples ótica empresarial.

A década de 50 – a luta para o Brasil deixar de ser um espectador no cenário petrolífero cartelizado

Na década de 50 do século passado, o País viveu momentos de grande relevância política e econômica que incluiu um dos mais importantes movimentos cívicos e populares – a campanha do “Petróleo é Nosso”. O coroamento desse movimento foi a decretação do Monopólio Estatal do Petróleo em 1953 e a constituição jurídica da Petrobras em 1954 para executá-lo.

A proposta governamental de Getúlio (dezembro de 1952) propunha a criação de uma empresa mista, sob o controle da União, que após longa discussão no Congresso e grande campanha pública que reuniu as classes operária, estudantil, acadêmica, militar, pública e empresarial, instituiu o monopólio estatal[[76]]. A proposta enviada ao Congresso considerava o domínio dos negócios do petróleo e do gás pelo Estado como um fator essencial de soberania e desenvolvimento nacional, e um meio para reunir lucros capazes de impulsionar os investimentos necessários para a expansão do refino e da exploração e produção de óleo.

A campanha “O Petróleo é Nosso” teve profunda repercussão na história política brasileira e consolidou a participação do Estado na atividade produtiva. A Lei 2004 de 03 de Outubro de 1953 que instituiu o monopólio e criou a Petrobras constituiu-se em um extravasamento de um sentimento nacional transformado em Lei e depois em artigo constitucional bem específico e claro.[[77]]

O Brasil, como área marginal que era em termos de mercado e de potencialidades para descobrir óleo, não teria certamente as atenções do cartel petrolífero de então. Na exposição que acompanhou a proposta governamental, o Presidente Vargas afirmava que “o Brasil desejava a cooperação do capital estrangeiro no seu desenvolvimento, mas preferia reservar à iniciativa nacional o campo do petróleo, já que é fora de dúvida, como o demonstra a experiência internacional que, em matéria de petróleo, o controle nacional é imprescindível”[[78]].

Na época (desde 1900 e até o meio da década de 70), a exploração e produção de óleo, o seu transporte, o refino e a distribuição eram cartelizados no nível mundial (somente Shell, Exxon, Texaco tinham expressão mundial nos cinco segmentos integradamente) e as empresas dominantes escolhiam, logicamente, as áreas geologicamente mais promissoras para investir em exploração e produção e, com base em logística, países para refinar seu petróleo e atender seu mercado também cartelizado [[79]].

Assim, se o setor adotasse uma política no Brasil sem a ação do Estado, dificilmente teria havido o movimento de construir refinarias por essas multinacionais[[80]]. Caso as houvesse, isso representaria trazer 100% de tecnologia de fora, adaptar a unidade para se integrar com seu esquema produtivo no exterior e colocar o setor em linha com o cartel externo e interno.

Considerava-se, na ocasião, a futura constituição da Petrobras como um fator essencial para organizar os negócios com uma visão empresarial moderna, mas de interesse do Estado, este se livrando das amarras do forte cartel privado de então e da rigidez da administração direta do Estado que, segundo Monteiro Lobato, não tirava nem deixava que ninguém tirasse o petróleo. A ideia de instituir uma empresa estatal na área era uma concepção já mais antiga da França (que criara a Elf e a Total), da Inglaterra (que criara a BP e BG) e, contemporânea, da Itália (que criara a ENI, praticamente na mesma época da instituição da Petrobras). Esses países constituíram suas estatais também em resposta à mesma ação cartelizante, para buscar óleo no mundo, produzir e refinar dando segurança ao abastecimento nacional, não se valendo para isso inteiramente das grandes multinacionais privadas do óleo, nem mesmo quando sede de uma delas (Shell na Inglaterra). O outro grande consumidor da época, os EUA, não tinha com que se preocupar. Detinham internamente reservas de óleo e gás suficientes, eram sede de grandes empresas de óleo operando no mundo, e essas dominavam boa parte de todas as reservas de interesse existentes no planeta. Além disso, por força de seu pioneirismo na indústria, desenvolveram as tecnologias de toda a cadeia de valor valendo-se disso para o desenvolvimento nacional e para garantir sua supremacia mundial no negócio (não as abrindo para os demais países, logicamente).

Com o monopólio decretado em 1953, em linha com o que ocorria no mundo em termos de movimentos nacionalistas, o Brasil dava sequência aos ordenamentos que colocaram o Estado, desde 1938, com responsabilidades no encaminhamento desses negócios na exploração e produção de óleo e reservaram a atividade de refino para empresas nacionais. Com o monopólio, imaginava-se que a atividade de refino geraria a renda suficiente para acompanhar o crescimento da demanda e para impulsionar com mais vigor as atividades de exploração e produção[[81]]. Esse movimento guardava estreita semelhança com o que acontecera no México (nacionalização em 1938) e na Argentina (nacionalização em 1923), e todos se tornaram paradigmas mundiais no trato da questão posse e exploração do negócio óleo pelo Estado. É certo que esses países, todos sem experiência industrial no setor, mostraram ao mundo ser possível o êxito nesse negócio, mesmo em condições tão adversas, bastando somente a institucionalização de um processo no segmento, podendo-se imaginar que contribuíram para fortalecer os movimentos nacionalizantes no mundo na década de 70.

Pode-se observar na Figura 5 que a instalação da capacidade já em instalação pelo CNP já permitiria nos primeiros anos de funcionamento da Petrobras o atendimento de praticamente a metade da demanda de derivados. Com a instalação da Petrobras, rapidamente multiplicaram-se os investimentos em grandes refinarias, terminais e bases de distribuição, o que permitiu atender, já no início da década de sessenta, a quase totalidade da demanda interna.

A exploração e produção de petróleo em terra também começaram a dar bons resultados, como pode ser observado na Figura 6. A premissa de geração de renda nacional através do refino e distribuição no atacado dera certo. No caso da extração de petróleo, no entanto, o pleno atendimento da demanda interna não se revelou possível com a produção em terra e ficaria pendente da extração na plataforma continental, que só seria desenvolvida nas décadas seguintes.

Figura 5: Produção de derivados, exportação, importação e consumo aparente de derivados no Brasil nas décadas de cinquenta e sessenta,

Figura 6: Atendimento da demanda pelo refino e a extração nacional de petróleo mostrando que as necessidades de refino foram praticamente atendidas no início da década de sessenta, enquanto a produção ficou limitada a 40% nas duas décadas.

Mas, por pouco, talvez a Petrobras nem começasse a operar. Em 1954, ano da sua constituição efetiva, o Presidente Getúlio Vargas, um dos responsáveis pela nova política petrolífera, sucumbiu a uma forte campanha contra seu governo e suicidou-se. A forte aprovação alcançada durante a campanha para sua constituição foi importante para assegurar sua implantação e, aliada a seu desempenho, continuou sendo importante para sua preservação nas décadas seguintes

Admite-se hoje que na base da campanha contra o Presidente estava o fato de ter contrariado fortes interesses com a sua política nacionalista, dentre elas a do petróleo, e com a sua ideia de potência independente no concerto mundial. Mas o seu suicídio fortaleceu as correntes que o apoiavam. E, um pouco mais adiante, houve o movimento militar do General Lott, que abortou tentativa de golpe e garantiu a posse de Juscelino Kubitschek, eleito democraticamente naquele ano e depois presidente extremamente preocupado com um projeto de desenvolvimento nacional. Assim, foi possível continuar com a experiência do monopólio estatal e da Petrobras por mais alguns anos, com base em forte apoio das Forças Armadas e na institucionalização sem brechas da Lei 2004, que instituiu o monopólio estatal e criou a Petrobras para executá-lo. O aprofundamento da industrialização brasileira nos anos JK serviu para ampliar a base técnica que possibilitaria o setor petróleo a continuar seu desenvolvimento. Destaque especial deve ser dado à indústria de aços especiais. Inclui-se aí a criação da Usiminas, constituída como estatal e contando com tecnologia japonesa.

Então, naquela década, destacaram-se como fatores críticos para o sucesso da campanha que instituiu a Petrobras e de sua ação posterior no exercício do monopólio e da política de Estado:

  1. apoio governamental;
  2. o apoio militar, inclusive no comando de unidades;
  3. o acervo de RH, tecnológico e de instalações (embora reduzidos) do CNP;
  4. a proteção do monopólio contra a concorrência mundial então cartelizada;
  5. os recursos iniciais dos empréstimos compulsórios na compra de gasolina;
  6. o modelo de gestão e organização inovador para a época, possibilitando de fato a existência de uma empresa de âmbito nacional;
  7. a admissão de quadros em boa quantidade e qualidade, que seriam adequadamente formados e treinados, para possibilitar a sua expansão e a substituição dos quadros estrangeiros então dominantes em vários segmentos da empresa;
  8. o começo da constituição de equipes técnicas capazes de alterar projetos das unidades que eram de concepção importada;
  9. os ganhos na atividade de refino, reforçados pela grande escala decidida para a refinaria de Cubatão;
  10. a motivação dos quadros resultante do imenso desafio a vencer e fazer vingar uma empresa nacional de grande porte em segmento complexo no qual predominavam no mundo menos de dez grandes multinacionais dos EUA, Inglaterra, França e Itália;
  11. A presença de uma base industrial no Brasil com destaque para a siderurgia (Belgo-Mineira, CSN, Acesita), a química e a mecânica.

Do ponto de vista de gestão e organização, as unidades industriais se espalhavam pelo Brasil de forma independente, ligadas diretamente ao poder central – a Diretoria. Isso lhes dava agilidade e poder para tocar essas unidades e vencer os desafios impostos. Com um número ainda pequeno de unidades, a coordenação geral era possível, mas cada unidade ganhava imensa projeção na sua área, prenunciando um grande problema gerencial.

A década de 60 – a afirmação no cenário nacional

O primeiro governo da década de sessenta, o do Presidente Jânio Quadros, pouco durou, sendo sucedido pela experiência parlamentarista e, depois, pela volta do modelo presidencialista (presidente João Goulart), períodos que permitiram o monopólio estatal e que a Petrobras assumisse papel destacado na economia. No período Goulart, aprofundou-se o campo do monopólio estatal, sendo tirado das refinarias privadas o poder de importar óleo, o que também prenunciava uma possível estatização dessas unidades (eram quatro refinarias privadas com ainda elevado percentual no refino nacional).

Com a vitória do movimento militar de 1964, contra as expectativas de uma possível eliminação do monopólio estatal e da Petrobras, predominaram tendências nacionalistas (havia militares com forte participação da campanha do petróleo) que deram o tom na disputa e o aval para a permanência e aprofundamento do modelo em curso. As questões do petróleo eram consideradas estratégicas para os avanços idealizados.

No período, a estatal cumpriu sua missão no abastecimento com a autossuficiência nos derivados principais (gasolina e diesel) e levando esses produtos a todos os quadrantes. Inaugurou a grande refinaria de Duque de Caxias e mais duas outras, a de Minas Gerais e a do Rio Grande do Sul. A Petrobras buscava, com firmeza, a exploração e produção do petróleo, campos em terra que, infelizmente, eram de parcas reservas potenciais (questão geológica). Como exceção, descobriu o importante Campo de Carmópolis no Nordeste (até hoje em produção). Milhares de engenheiros e profissionais, em mobilização sem precedentes no País já trabalhavam, pesquisavam ou se formavam para a arrancada industrial pretendida.

Naquela década, a extração de óleo no mar era diminuta (e assim mesmo, somente em águas rasas) sendo na indústria mundial do petróleo considerada, em geral, inviável, pelos altos custos da idealizada produção quando comparados com os baixos preços do óleo no mercado internacional (US$ 2 o barril) e pela inexistência de tecnologia para fazê-lo em águas de profundidades crescentes além de 100 metros.

A Petrobras já estava pioneiramente no mar desde 1964 (por saber da pouca potencialidade das áreas terrestres), tendo descoberto o primeiro campo marítimo de petróleo na costa Nordeste em 1968, e aberto caminho para a epopeia na Bacia de Campos, onde descobriu o primeiro campo em 1974, bem antes da Segunda Crise do Petróleo de 1979 e em cima da Primeira Crise de 1973. Ou seja, muito antes da Primeira Crise do Petróleo e sem ninguém no mundo a imaginá-la, a estatal, mesmo sabendo dos altos custos e desafios esperados na exploração e produção, já estava no mar. Por antever as dificuldades para alcançar a autossuficiência somente com as áreas sedimentares em terra e como cumpria função de Estado (executar o monopólio em nome da União), sua visão era diferente daquela das grandes empresas, e assim perseguia o objetivo de descobrir óleo onde ele pudesse existir. Acreditavam seus técnicos e dirigentes que resolveria a questão do como produzi-lo em águas cada vez mais profundas (como o fez à frente de todas as empresas a partir da crise do óleo de 1979, apesar de várias delas já se tivessem se posicionado no Mar do Norte e no Golfo do México desde a década de 60 em águas rasas).

Na década de 60, ela fez a grande mudança organizacional que talvez tenha sido um dos fatores principais para a sua evolução: a Departamentalização. Criou órgãos centrais de refino, de exploração e produção, de transporte, de comercialização, de RH, de finanças, de planejamento e outros corporativos, evitando a proliferação de “empresas independentes” que se anunciava e que acabariam inseridas em contextos locais e não nacionais, perdendo em otimização, tecnologia e segurança do modelo[[82]]. Isso deu controle corporativo efetivo, todas as unidades operacionais sendo subordinadas a um poder central especializado.

Se outro fora o modelo petrolífero, certamente não haveria a autossuficiência em derivados nem os avanços da exploração e produção em terra e muito menos no mar, pelos mesmos motivos já vistos para as demais décadas anteriores. Ou seja, a ação do Estado foi decisiva para atender aos interesses nacionais. Essa centralização permitiu que se agisse de fato com uma ação integrada Estado-empresa como grandes decisões de interesse nacional global.

Os lucros no refino deram independência financeira total à Petrobras, que nunca mais viria a depender de recursos da União, e ainda permitiram que os vários governos federais lhes passassem missões adicionais, como instalar no Brasil uma Petroquímica de porte internacional, que de fato começou com a constituição da Petroquisa [[83]], dando sequência ao que já fazia no setor, em menor escala, com as suas unidades petroquímicas em Cubatão e em Duque de Caxias (Fabrica de Borracha Sintética). Começava, também, o abastecimento dos órgãos públicos e empresas estatais com derivados das suas refinarias, garantindo o abastecimento nacional já que, muitas vezes, com a falta de recursos públicos as distribuidoras privadas se recusavam, naturalmente, a fornecer os produtos para o funcionamento da máquina governamental e estatal. Outro ponto de destaque no cumprimento de missão de Estado foi o início de instalação de bases de distribuição em todo o território nacional, já que as distribuidoras privadas se limitavam a agir nas áreas costeiras, de grande mercado e lucratividade, deixando o interior e as zonas de desbravamento à míngua de derivados. Ou eles lá chegavam a preço excessivamente elevado, onerando a economia local e os preços de todos os bens, ou simplesmente nem lá chegavam, com nítida paralisia da economia local[[84]].

A década de 70 – consolidação e crescimento

Na década de 70, as duas crises dos preços altos do óleo aliadas à grande importação nacional, com terrível sangria de divisas, despertaram a oposição para a solução estatal. Em função da crise, as autoridades abriram o território brasileiro para exploração privada e estrangeira, autorizando e orientando a Petrobras a estabelecer contratos de risco com empresas de todo o mundo. Em dez anos, foram instituídos mais de 240 contratos de risco em terra e no mar[[85]] sendo oferecidos às multinacionais e às nacionais, formadas para a nova ordem, mais de 80% das bacias sedimentares brasileiras, a exceção da Bacia de Campos. A Petrobras, que ali já encontrara havia pouco tempo óleo em águas profundas em Garoupa, decidira desenvolver a tecnologia e a produção experimental e, então, o governo Geisel[[86]] resolveu apostar na sua eficiência. Começava a escalada nacional em águas profundas com sucesso absoluto, em busca de limite do que parecia teria fim em lâminas de água de 300 metros, até onde seria possível o mergulho humano.

Os contratos de risco esquadrinharam o Brasil, mas nada descobriram de importante em dez anos, ficando sua contribuição: i. em um campo que passou a produzir 2 milhões de m3 de gás por dia, na Bacia de Santos (nada a ver com camada do pré-sal); ii. na prova de que de fato era difícil descobrir óleo no País e que em terra as perspectivas eram diminutas; iii. no incentivo à Petrobras para tornar-se ainda mais eficiente. Deve ser lembrado, e isso é muito importante, que a Petrobras descobriu, posteriormente, óleo e gás em praticamente todas as regiões que foram exploradas pelas empresas de todo o mundo com os contratos de risco.

No fim daquele período, a Petrobras passou ao primeiro lugar do mundo em tecnologia para produzir óleo em águas profundas da época e desenhou/iniciou a escalada de descobertas e produção da Bacia de Campos. Começavam também duas outras importantes eras para o Brasil: a da associação mais intensa da Petrobras com as universidades brasileiras para desenvolver parte das tecnologias de que necessitava; e a do forte desenvolvimento nacional da indústria de base, e da construção e montagem voltada para offshore e para os grandes empreendimentos do refino e da petroquímica.

Como destaques, foram construídas várias refinarias de grande porte (a de Paulínia, a de São José dos Campos e a do Paraná) e inauguradas duas grandes Centrais Petroquímicas, a de São Paulo e a da Bahia. Foram ainda criadas as empresas de fertilizantes – Petrofertil, a de mineração – Petromisa e a trading Interbras. Assim, o País cresceu com a ação da Petrobras executando missões de Estado e de seu interesse. Sua ação na petroquímica, nos fertilizantes e no comércio internacional de bens e produtos nacionais supria lacunas, pois não havia capacidade empresarial formada e capitais disponíveis para acompanhar a demanda crescente de produtos de petróleo e seus derivados na linha química, petroquímica e de fertilizantes.

Uma ação muito sensível foi a entrada da Petrobras na distribuição de derivados, com ganhos posteriores de monta não só pelo melhor controle de preços e transparência nos custos da atividade como pela montagem de bases de distribuição em todos os estados, levando o combustível de forma otimizada a todos os quadrantes, antes mesmo do progresso chegar.

Na década de 70, a Petrobras buscou a capacitação ampla em engenharia básica, tendo seu Centro de Pesquisas se preparado para projetar as refinarias e outras unidades, o que foi decisivo para a performance da Companhia e para a engenharia nacional nas fases críticas seguintes. Pela primeira vez, grandes conglomerados industriais poderiam ser projetados integralmente no País.

Nessas três décadas, a indústria do petróleo, além de em nada limitar o desenvolvimento do País pelo lado do abastecimento (antes de 1953 esse era o grande problema), contribuiu decisivamente para a escalada tecnológica e empresarial nacional, ajudando a criar um parque fabril de primeiro mundo. Nesse período, a empresa ofereceu sempre, na porta das refinarias, produtos jamais com preços superiores aos do mercado mundial.

A ação do Estado através da Petrobras resultou, inicialmente através do refino e das demais atividades do downstream, na etapa inicial para: i. montar um excepcional modelo tecnológico, abrindo pioneiramente no Brasil as caixas pretas tecnológicas e com isso estimulando que os demais segmentos partissem para gerar tecnologia própria; ii. gerar a renda para os avanços inicialmente gravosos ou pouco rentáveis das demais atividades; iii. preparar a indústria nacional para a escalada dos investimentos que se tornariam imprescindíveis no mar a partir da crise do óleo em 1979. Não fora essa ação estatal das décadas de 50 a 70, dificilmente haveria como organizar rapidamente a grande escalada na exploração e produção de óleo em águas cada vez mais profundas.

A década de 80 – a saída das grandes crises internas e as mudanças de paradigma

Na década de 80, em função da Crise do Óleo de 1979, ocorreram duas situações difíceis para o País, e novamente o modelo brasileiro se mostrou adequado e decisivo: 1. no primeiro ano, houve a crise total do refino mundial e nacional com a mudança radical no perfil de demanda interna de derivados e na oferta de óleos para processar, distintos dos antes oferecidos. Isso colocou em risco absoluto o abastecimento interno, por falta de mercado e armazenamento de excedentes de óleo combustível e de gasolina; 2. nos cinco primeiros anos, a crise dos gastos de divisas na importação de óleo contribuiu, junto com outras causas, para levar o País a uma situação de inadimplência junto a seus credores. A Petrobras ajudou a vencê-las, ajustando o seu refino e dando saltos substantivos na produção de óleo em águas profundas da época, como se verá adiante.

Não tivesse um refino próprio, moderno e integrado na fase pré-Crise do Óleo, seria impossível resolver a equação da nova demanda comandada pelo diesel, agravada por ter que processar petróleos pesados importados (únicos disponíveis) e aqueles da crescente produção de óleo pesados nacionais, os quais ainda apresentavam alto teor de acidez (mas excelente tê-los). O País instituíra, no início da década, para tentar economizar divisas, um vigoroso programa de substituição de derivados e de elevação do preço da gasolina, com isso mudando o perfil de demanda rapidamente, conseguindo a Petrobras ajustar seu refino com presteza para viabilizar tal objetivo[[87]].

A Petrobras instituiu seis Programas Prioritários do Refino, mais comumente conhecidos como Programa Fundo do Barril e, assim, otimizou seu refino para processar qualquer tipo de óleo da época e para atender plenamente à demanda nacional e, ainda mais, agregar mais de US$ 1 bilhão por ano ao produto nacional [[88]].

Com a queda dos preços do óleo em 1986, a pressão do preço de petróleo desapareceu e a pressão sobre o balanço de pagamentos passou a ser a do choque de juros e a da queda generalizada do preço das commodities. O desafio ainda continuou a ser o de progressiva adequação do refino para processar os óleos pesados nacionais, cuja produção se acelerava, e o de oferecer cada vez mais diesel em um mercado que apresentava queda vertiginosa de demanda de óleo combustível e de gasolina.

Não existiu exemplo no mundo, no campo privado, de um movimento similar ao do refino brasileiro. Naturalmente, os grandes refinadores privados, se presentes no Brasil, não ajustariam seu refino para favorecer a entrada de alternativas aos seus produtos no mercado. A solução desses refinadores em todos os países periféricos sempre foi a de integrar o refino local com o refino próprio nos EUA e em outros pontos estratégicos, otimizando o processamento de óleo nas matrizes. Assim, fossem os países exportadores de óleo (Venezuela) ou não (praticamente todos os demais países da América Latina, exceto Brasil, México e Argentina), suas refinarias sempre se tornavam eternas importadoras de diesel ou de gasolina (os produtos de maior valor do que o do petróleo) e exportadoras majoritárias de óleo combustível (o produto que “desvalorizava o petróleo”), mesmo tendo seus mercados internos um perfil que poderia ser plenamente atendido pelos tradicionais esquemas de refino[[89]].

Em termos globais, na década de 80, os feitos mais conhecidos da Petrobras na exploração e produção foram: o cumprimento do objetivo de produzir 500.000 bpd de óleo em 1985; a sucessão de importantes descobertas na Bacia de Campos em águas profundas, como Marlim, Marlim Sul, Marlim Leste, Barracuda, Caratinga, Roncador (maior do 300 m de lâmina de água); a escalada para produção em lâminas de água na faixa de 300 a 400 metros; a preparação para a produção em lâminas de água de 1.000 metros.

Relembrando importante decisão nacional, em 1980 o governo Figueiredo, em função da falta absoluta de dólares para importar petróleo e outros bens, assessorado pela CNE, definiria a nova Matriz Energética, que contemplaria, em 1985, 500.000 bpd de produção nacional de óleo (saindo de 180.000 bpd em 1980), 500.000 bpd de petróleo importado (saindo de 800.000 bpd em 1980), 500.000 bpd (equivalente) de energias alternativas e ainda alguma economia de energia incentivada. O governo de então resolveu apostar na capacidade da Petrobras para descobrir e produzir óleo na Bacia de Campos, sem mesmo chegar ao consenso sobre esse objetivo com a estatal. Era uma questão de Estado, não empresarial. Houve críticas internas na Empresa a essa “arbitrária” decisão, mas, com o olhar histórico, essa foi uma das mais sábias e complexas decisões jamais tomadas no campo empresarial e industrial no País, pelos seus riscos econômicos e operacionais, pelo desconhecimento das tecnologias necessárias, pela inexistência de qualquer parâmetro no mundo sobre o assunto e, por outro lado, pelos esperados benefícios para o País.

Graças à engenharia da Petrobras, e aos seus programas tecnológicos, a Bacia de Campos mostrou um crescimento acentuado da produção, o País chegando a 550.000 bpd em 1985 (com 337.000 bpd em Campos), afastando, pelo lado das importações, a dependência crítica em petróleo.

Essa meta governamental, nas condições comerciais e econômicas da época, seria inviável em um sistema privado de exploração e produção de óleo, salvo na presença de fortes incentivos. No mundo, as águas profundas da época não eram o alvo das grandes companhias multinacionais, nem a tecnologia existia para ser adquirida. Essas companhias tinham convicção de que o custo do óleo produzido nessas novas condições seria muito elevado e, portanto, não seriam viabilizados os investimentos para a produção comercial. Enquanto o custo de produção e exploração em águas rasas ou em terra se situava em faixas bem inferiores a US$ 10 o barril (custeio e capital), o custo presumido para as chamadas águas profundas da época seria da ordem US$ 15 o barril ou mais. Então, somente uma empresa com respaldo do Estado poderia idealizar uma escalada em tais profundidades do mar, acreditando que minimamente seria resolvida a questão de divisas e do suprimento. Por competência, os avanços tecnológicos e operacionais, e a escala de produção, fizeram com que a atividade no mar em águas profundas se tornasse rentável empresarialmente, antes que um pesado ônus como era a crença no mundo. E, mais importante, isso em um cenário de preços do óleo na faixa de US$ 15-25 entre 1986 e 2000.

Com o primeiro Programa de Capacitação em Águas Profundas – PROCAP, formalmente estabelecido em 1986 [[90]], a Petrobras saiu dos 300 metros de lâmina de água (já uma vitória tecnológica) e caminhou aceleradamente para os 1.000 metros, à frente de todas as companhias do mundo.  Por isso se diz, não fosse a Petrobras, o Brasil não teria produzido tão cedo no mar. As grandes multinacionais estrangeiras só decidiram pela produção de óleo em mar profundo bem depois dos sucessos da Petrobras na Bacia de Campos e da perspectiva da re-escalada da valorização do óleo na década de 90. Elas detinham ainda suficiente óleo em terra e em águas rasas no Golfo do México e no Mar do Norte. Também ao final da década elas acreditaram na abertura das nações do Mar Cáspio com a derrocada do mundo socialista, e na possível abertura de dezenas de países pressionados pelos organismos multilaterais para liberalizarem seu setor óleo. Assim, não apostaram na potencialidade e economicidade da produção em águas profundas (além do que não tinham tecnologia já desenvolvida para tal). Não estavam erradas, apenas estavam adaptadas aos seus desafios. O azar do País por não contar com óleo farto em zonas de exploração e produção de baixo custo revelou-se ser uma vantagem. Levou a Petrobras a se dedicar ao desenvolvimento tecnológico, a ousar nas águas profundas, o que lhe trouxe valiosos dividendos a partir do final da década de 80, com reflexos no desenvolvimento do País pela grande movimentação decorrente nos campos empresarial e acadêmico.

O País teria dificuldades cambiais ainda maiores entre 1980 e 1990, não fora o vigoroso programa energético adotado onde o desempenho da Petrobras teve papel relevante. Nesse quadro de sucesso, a Constituinte de 1986 ratificou o Monopólio Estatal do Petróleo e o inseriu na Constituição de 1988 (era definido pela Lei 2004), cancelando-se os contratos de risco no País, pela nova ordem legal e pela sua ineficácia na descoberta de óleo e gás. Naquela década, além da perda inicial elevada de divisas pela elevação abrupta do preço do óleo importado (inicialmente 80% da demanda), o País se viu diante de três outras crises de igual dimensão: 1) crise dos juros da dívida externa (elevadíssimos), da ordem de 20% ao ano; 2) desvalorização global dos preços das suas commodities de exportação; 3) supervalorização dos produtos importados manufaturados e de maior conteúdo tecnológico. Duas perguntas seriam pertinentes: 1) por que o sistema produtivo nacional não era autossuficiente em vários produtos até mesmo agrícolas como o trigo (o que poderia ter amenizado a crise)?: 2) ou por que o Brasil era um típico exportador de commodities e não de produtos de alta tecnologia, ou mesmo medianamente manufaturados [[91]]?

Em conclusão, o modelo petrolífero nacional, com forte ação do Estado foi, pelo seu amadurecimento, o viabilizador do equacionamento de parte de toda a crise. Outro fora o modelo, nem haveria maior produção de óleo, nem mais rápido essa produção se daria, nem o refino seria capaz de rapidamente superar a possível crise do abastecimento, e muito menos teria sido possível para o Brasil mergulhar em um profundo programa de energias alternativas[[92]]. O Brasil se tornou líder mundial em tecnologia de produção no mar e redirecionou seu refino para um novo perfil de demanda que não está presente em nenhuma nação com parque refinador de porte semelhante realizando, portanto, também algo pioneiro no mundo.

A década de 90 – época de mudanças no marco legal

Na década de 90, o alvo das atenções foi de outra ordem. O modelo adotado pelo Brasil era duramente criticado pelos que entendiam ser ele uma solução obsoleta e contrária às tendências mundiais liberalizantes e de abertura dos mercados. Julgavam ser necessário romper o monopólio. Alguns pretendiam ir mais além, privatizar a Petrobras. Alegavam que os números da Petrobras eram pífios e seus custos elevados, mesmo com todo o sucesso demonstrado nas águas profundas e no refino. Campanha semi vitoriosa ou semi derrotada como preferem uns ou outros: o monopólio foi “flexibilizado”, mas continuou na Constituição como se não fora; a Petrobras continuou estatal, mas teve boa parte da suas ações (posse do governo) vendidas no mercado na época de extrema desvalorização na Bolsa e, além, disso, iniciou-se um modelo de desintegração com privatizações de partes da estatal. E as companhias estrangeiras ganharam acesso a todas as áreas sedimentares de seus interesses, inclusive à Bacia de Campos, em um modelo que lhes dá a posse do óleo descoberto.

O mercado brasileiro ganhara uma dimensão interessante e a Petrobras identificara boas reservas em várias bacias sedimentares, prenunciando um potencial da ordem de 15 a 20 bilhões, um excelente patrimônio. A autossuficiência já era possível e dependeria tão somente de liberação de limites do Orçamento Federal para que a Petrobras pudesse investir o necessário para alcançar tal marca (lembrar que isso era uma questão meramente contábil, pois desde a década de 50 não havia mais ingressos de recursos governamentais na Petrobras).

A excelente performance técnica e operacional da Petrobras, com destaque na produção de óleo, aliada a uma sua forte reação dos seus quadros às críticas que eram veiculadas em massa na mídia, contribuíram para que o Senado Federal buscasse um compromisso formal do Presidente Fernando Henrique que garantisse que, no seu governo, ela não seria privatizada, nem dividida em segmentos independentes. Isso, para aprovar, sem alterações, o texto da proposta governamental de flexibilização do monopólio estatal do petróleo (com alterações, o projeto de emenda constitucional voltaria à câmara dos deputados, e poderia perder sua vez). Essa emenda permitiria a entrada de empresas privadas e estatais, nacionais ou não, em todos os segmentos da indústria petrolífera no País.

Na década, novamente a ação estratégica adotada foi essencial para o momento que hoje vivemos. Os preços do petróleo haviam caído depois de 86 e os altos custos da exploração e produção no mar e, principalmente em águas profundas, levaram todas as multinacionais estrangeiras a reduzirem seus investimentos na busca de óleo em geral, concentrando-se somente em áreas já bem conhecidas e em águas rasas. O petróleo esteve novamente oferecido e barato no período 1986 a 2000, e não interessava às companhias privadas gastarem intensivamente seus recursos nesse segmento. Mas não a Petrobras, que independente dos lucros (que seriam menores ou mesmo inexistentes em tese) tinha como missão dotar o País de maior produção possível de óleo, gerando os dólares tão necessários para resolver a eterna crise de divisas. A estatal prosseguiu na busca de mais óleo em águas cada vez mais profundas e ainda iniciou novo Plano em 1992, para alcançar capacitação para produzir em lâminas de 2.000 metros, após concretizar o plano de 1.000 metros. Essa sua visão, única dentre as empresas do mundo, deu ao Brasil a autossuficiência em óleo no momento que os preços dispararam na primeira década deste século. Esta conquista deu à Petrobras uma posição de destaque mundial, pavimentando a escalada de sua ida para o exterior como empresa atuando com êxito em todos os segmentos, e com a tecnologia própria que lhe dá importante vantagem comparativa.

Os lucros do refino e o modelo organizacional e de gestão dos segmentos Abastecimento e Pesquisas, até os anos 70 inclusive, foram os destaques para a montagem e consolidação da Companhia, mas, nas décadas seguintes, os lucros da crescente produção de óleo e de gás, sua qualidade de organização reconhecida internacionalmente e ação da área de Exploração e Produção e do segmento de Pesquisas, foram os pilares para a sobrevivência da estatal na fase pós-queda nos preços do óleo, na fase pós-monopólio e para a sua consolidação como uma das maiores e mais lucrativas empresas do mundo.

Na década, decisões impactantes para o desenvolvimento nacional foram tomadas com grandes consequências:

Foram privatizadas as petroquímicas da estatal de forma pulverizada o que levou à desarticulação do segmento, somente corrigido na década seguinte. Foi fechada a trading Interbras perdendo-se um poderoso canal para as exportações brasileiras que não foi substituído. Foram privatizadas as empresas estatais de fertilizantes para os grupos distribuidores, cessando os investimentos no setor e levando o Brasil novamente a se tornar um dos maiores importadores desses produtos no mundo, com reflexos na sua performance agrícola. Por outro lado, mesmo no ambiente institucional incerto da queda de monopólio e privatização, a Petrobras comandou a negociação do acordo com a Bolívia que levou à atual importação de 30 milhões de m3 de gás por dia e à construção de uma moderna malha de gasodutos, unindo a Bolívia a São Paulo e o Rio Grande do Sul a Minas Gerais passando pelo Rio de Janeiro. Não fora essa decisão, principalmente de Estado, o País teria amargado uma falta de gás severa (um fator de recessão sem precedentes nos anos 2000 em diante). Vale dizer que para cumprir esse objetivo a Petrobras teve que provar que o interesse nacional seria a malha de gasodutos como negociado e não o empreendimento privado que pretendia levar gás somente até São Paulo, assim mesmo dependendo do governo estadual e federal garantirem a compra firme por 20 anos de energia de uma térmica que seria construída na ponta brasileira. Ou seja, não haveria gás para o Sul e para os demais estados do Sudeste; não seria atendido o interesse nacional e sim o interesse econômico de um grupo com um grande empreendimento localizado.

Outro empreendimento paradigmático foi a estruturação do Polo Gás Químico do Rio que trazia de volta a Petrobras à petroquímica, única forma de viabilizar esse grande empreendimento de interesse nacional e do Estado do Rio[[93]].

A primeira década do século – um novo paradigma

A cadeia produtiva envolvendo o óleo e o gás tornou-se capaz de responder a grandes desafios e a Petrobras elevou substancialmente a produção de óleo e de gás, remodelou e ampliou o seu refino para processar boa parte da crescente produção de óleos nacionais, expandiu-se como nunca no exterior, passou a lucrar muito e o suficiente para investir sozinha mais de R$ 50 bilhões em 2008.

A Petrobras voltou à política de dar preferência à indústria nacional que as próprias limitações ao investimento das estatais haviam prejudicado (o leasing era usado para contornar as restrições e era mais fácil com empresas estrangeiras de grande porte), tendo feito importantes encomendas, sobretudo na área naval, e dos demais bens de capital. Esta é uma variável importante que é muitas vezes negligenciada política e economicamente já que certamente a indústria nacional teria muito a perder com uma menor participação da estatal nas atividades do petróleo ou com um ritmo inadequado de produção. Com efeito, um maior ritmo da produção para atender exclusivamente aos interesses das empresas ou dos países sede inibe a participação da indústria nacional por questão de capacidade. Esta é uma questão crucial a ser considerada na exploração do pré-sal.

O Brasil tornou-se autossuficiente em petróleo, do ponto de vista tecnológico, gerencial e empresarial e a Petrobras caminha para ser uma das maiores empresas integradas de petróleo e de gás do mundo. A força da empresa é tal que vários países buscam seu apoio para desenvolver seus modelos estatais e, ao mesmo tempo, seus planos empresariais a levam para atuar em dezenas de países, em todos os segmentos da indústria de óleo e gás.

Os investimentos e planos da Petrobras, inseridos no contexto do PROMINP (Programa de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás Natural), dos PACs (Programa de Aceleração do Crescimento) e agora da Política de Desenvolvimento Produtivo, revelam três coisas; i. o poder alavancador das ações da estatal na economia nacional; ii. a possibilidade de uso do segmento petróleo nacional nos esforços para firmar uma posição do País no concerto mundial; iii. o poder catalisador do processo de inovação da Petrobras [[94]]. Não é por desejo político que os segmentos do óleo e gás, da indústria naval, da petroquímica, dos fertilizantes, da engenharia, da construção e montagem e os avanços tecnológicos ligadas ao setor são impactantes e estratégicos. São por que o são, aqui e em todo o mundo.

Não bastasse o sucesso dos primeiros anos da década, a estatal anunciou oficialmente em novembro de 2007 a descoberta de um mega campo de óleo e de gás, o Tupi, dando transparência às suas pesquisas de mais de três ou quatro anos. Posteriormente a Petrobras anunciou sucesso nos poços, Carioca, Bem-te-vi, Caramba e Parati estando em perfuração os poços Yara, Guará e Júpiter (Figura 7). Só o Tupi, no entanto, onde já foram feitos testes de produção em dois poços, é considerado nas reservas provadas.

A Petrobras venceu novamente complexas barreiras tecnológicas, aliando sua competência em águas profundas com a agora competência testada e aprovada em terras profundas de mais de 5.000 m do fundo do mar a dentro da terra. Dizem os técnicos, que a área que nos brindou com o campo Tupi vai do Espírito Santo até Santa Catarina, área de 160.000 km2, algo inusitado no mundo, assim sendo possível a existência de muitos outros campos semelhantes (Figura 6). Dizem mais, que já foram perfurados 15 poços em várias regiões e em seis foi encontrado óleo, sem ainda terem sido feitos os testes completos de avaliação. Ou seja, pensam que poderemos contar com reservas do porte de 50 bilhões de barris ou até mais, pois outras áreas alvo existem. Reservas que, se confirmadas, nos colocariam no seleto time dos países mais importantes do mundo na geopolítica do petróleo e do gás e se Tupi se propaga pelas áreas vizinhas, talvez um mega campo esteja em vias de se anunciar.

Figura 7: Poços na província do pré-sal perfurados e em perfuração pela Petrobras

Fonte: Petrobras Palestra do Presidente da Petrobras José Sergio Gabrielli de Azevedo na ABDIB em 11/07/2008

Figura 8: Mapa da região mostrando a província do pré-sal Fonte: Petrobras Palestra do Presidente da Petrobras José Sergio Gabrielli de Azevedo na ABDIB em 11/07/2008

A tecnologia e ação da Petrobras indicaram novamente o caminho da riqueza nacional estando nas mãos do governo[[95]] a oportunidade de, pela primeira vez na história, aproveitar uma “imensa mina de ouro” com todas as condições objetivas para dela tirar o melhor resultado.

Uma importante ação integrada Estado-Petrobras, pouco entendida, situa-se na área da geração de eletricidade. A Petrobras, acionada pelo governo, deu prosseguimento ao seu plano de entrar na geração de eletricidade, multiplicando-o. Sua área de Gás e Energia conduz arrojado plano de multiplicação da malha de gasodutos no País[[96]] e de maior importação de gás na forma liquefeita, disponibilizando substantiva capacidade de suprimento de gás e de energia elétrica, reduzindo a probabilidade de déficit no abastecimento elétrico nos próximos anos.

Outra ação da década foi a reentrada da Petrobras na petroquímica atendendo orientação de Estado e de seu plano estratégico, e dando sequência aos movimentos iniciados com a estruturação do Polo Gás-Químico do Rio de Janeiro. Com isso, foi reestruturado o setor que fora pulverizado nas privatizações e, agora, há novamente massa crítica para o Brasil se tornar um ator de peso no mundo petroquímico.

Também, novamente em ação típica de interesse nacional estão a construção da refinaria petroquímica do Rio de Janeiro, da refinaria de Pernambuco e os anúncios das refinarias do Maranhão e do Ceará. De interesse nacional, pois seguramente nenhuma empresa privada viria para o Brasil investir em refino, atividade que só tem sido agraciada com grandes investimentos em novas unidades por empresas estatais ou em poucos mercados com explosão de demanda[[97]]. Nos EUA, por exemplo, não há construção de refinarias há 30 anos e, no entanto, o mercado é grande importador de derivados. O governo norte-americano vem pressionando as petroleiras para tentar construção de novas unidades localmente. Mas essa falta não as tem sensibilizado, já que essa condição lhes dá maior rentabilidade no negócio, além do que necessitam de grandes somas para investir na busca de reservas de óleo, ponto crítico para todas.

Nossa conclusão sobre esse assunto histórico

O petróleo e o gás foram e ainda continuam no centro das atenções mundiais (agora, mais ainda), gerando incertezas e disputas; e continuam no centro das atenções brasileiras, mas nesse caso trazendo esperanças de fartura com soberania e riqueza. [[98]]

Com a novidade das camadas do pré-sal e dos seus primeiros campos de óleo e de gás, mudam os parâmetros e os encaminhamentos possíveis para tão importante questão. Não se pode mais tratar do tema petróleo com a ótica de escassez e de luta, por vezes desesperada, para alcançar e manter a autossuficiência, ou tratar com a ótica dos interesses externos. Ou, ainda, manter a tese do risco exploratório para continuar fazendo concessões para explorar óleo e gás de uma maneira ampla, pois, no caso do pré-sal, há chances muito fortes de se haver mesmo antes da exploração muito mais certeza do que dúvida (risco desprezível). Assim, deixam de serem válidos alguns fundamentos basilares da Lei vigente a regular o segmento.

A “mina” do pré-sal gerará um negócio cujo produto final, a valores de hoje e reservas de óleo e gás esperados, um fluxo de caixa que poderá ultrapassar US$ 200 bilhões por ano em algum momento do ciclo exploratório que está por vir. Não há, pelos caminhos do presente marco regulatório e do planejamento nacional como bem se conduzir frente a esse novo ciclo da riqueza nacional. Perdemos o do pau-brasil, o do açúcar, o do café e o da borracha, e entramos na década de 50 sem uma âncora para o nosso progresso. Dos planos governamentais a partir da década de 50, um dos que nunca deixaram de avançar foi o do petróleo. Na fase das grandes dificuldades, o País saiu vitorioso, graças à conjugação tecnologia ampla, negócios bem direcionados e conduzidos e empenho do Estado.

Nossa intenção com este artigo foi mostrar que, no caso da Petrobras, foi positiva a intervenção do Estado Brasileiro no Setor Petróleo e Gás. Não faltaram, na análise, exemplos de estatais em outros países onde os resultados não foram tão positivos. Deve-se reconhecer, no entanto, que no mercado do petróleo não se pode fugir do dilema entre o grande cartel internacional e a presença do Estado. Entre as estatais no Brasil, a Petrobras, a exemplo de umas poucas outras, soube manter o profissionalismo na condução dos negócios e na relação com o Governo. Isso tornou possível a indispensável atuação do Estado na orientação em suas atividades sem comprometer seus resultados econômicos de médio e longo prazo já que, como empresa, deve também satisfação aos acionistas minoritários e ao majoritário.

A história da Petrobras fez com que a empresa estabelecesse com o povo brasileiro, a partir da campanha do petróleo é nosso, uma relação especial de compromisso com o desenvolvimento que é interessante manter. Até o advento do pré-sal, a reforma do sistema petróleo e gás, mesmo não sendo a ideal, ia assegurando o caminho da autossuficiência. Deve-se, inclusive, estudar a manutenção do modelo atual para o petróleo não pré-sal. Com a nova dimensão do Brasil país exportador de petróleo, torna-se de novo necessário reforçar a atuação do Estado como ocorre, de uma forma ou de outra, em todos os países onde o petróleo é crucial para a economia.

A decisão sobre o petróleo do pré-sal é vital para o futuro do País e o assunto não pode ser encarado como uma questão meramente técnica que só interessa aos especialistas ou meramente relacionada com pagamentos de taxas. Ela deve ser claramente explicada aos formadores de opinião e o envolvimento popular é inevitável ao longo do tempo. É preferível que ele ocorra agora para ser possível a formação de um grande consenso nacional que facilite, como ocorreu no passado, a condução tranquila da política do petróleo e gás.

Agora, a grande mobilização deverá ser a de transformar, com vigor redobrado, o petróleo e o gás em vetores definitivos e seguros do desenvolvimento sustentado nacional. Não temos falta de energia nem de divisas, e temos a “mina” de óleo e gás, a tecnologia, o saber, a experiência, a capacitação industrial e a história de realizações. Só precisamos dos instrumentos legais para explorar essa “mina” com olhos voltados exclusivamente para os interesses nacionais, sem medos, sem vacilos e, no presente, sem nenhuma pressão internacional digna de preocupação a guiar nossos passos. Não o fazendo, seremos julgados pela História.

Os Caminhos para o Petróleo e o Gás no Brasil

José Fantine (*) e Carlos Feu Alvim (**)

Nota dos autores

O trabalho aqui publicado apresenta uma reflexão sobre o setor petróleo e gás nacional, à luz das descobertas do pré-sal. Os textos integram uma série de trabalhos relativos ao tema que incluem os apresentados nos nos 67 e 68 desta revista.

A primeira ótica destes trabalhos é a de que as reservas do pré-sal devem ser usadas para propiciar o desenvolvimento nacional, empresarial, tecnológico e social de forma conjunta. As elevadas reservas de óleo projetam uma oportunidade sem precedentes de progresso para o País que pode ser frustrada com opções incorretas, fruto de análises apressadas que não levem em conta um Projeto de Desenvolvimento Nacional.

A segunda ótica é a de ampliar o debate sobre esse tema, absolutamente fundamental para o futuro do País, que não pode ficar restrito àqueles poucos que estão comprometidos direta ou indiretamente com importantes interesses específicos em jogo. Os autores consideram, pelo que foi dado a conhecer, que o Governo está conduzindo o assunto considerando os principais aspectos da questão e, assim, se preocupam com a possibilidade de influir para que seja feito um bom debate sobre as proposições a serem apresentadas de maneira que a nova lei petrolífera seja capaz de conduzir o negócio petróleo e gás sempre dentro do estrito interesse nacional.

Além do presente artigo, foram colocados neste portal dois outros relacionados com o tema aqui tratado, mas que podem ter leitura independente e que focalizam alguns pontos principais sobre o assunto petróleo e sua nova Lei:

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(*) Eng. José Fantine, Consultor da COPPE, Ex-Diretor da Petrobras e ex-Superintendente de Planejamento da Petrobras. Membro da Academia Nacional de Engenharia.

(**) Carlos Feu Alvim, doutor em Física, redator da Revista Economia e Energia – e&e e Consultor da COPPE.

1. O aspecto estratégico: o assunto petróleo é, quase unanimemente, considerado um assunto estratégico e não puramente econômico ou fiscal. Hillary Clinton, secretária de Estado dos EUA, em seu depoimento ao Senado, pontuou o quão importante é o assunto e a inclusão da América Latina nas preocupações de seu Departamento com o que chamou a segurança energética no hemisfério (americano). Se nosso petróleo passa a ser estratégico para os norte-americanos, parece lógico que o seja também para o Brasil.

2. A questão de financiamento da produção: Tem sido insistentemente abordada a suposta incapacidade do Brasil e da Petrobras em explorar o petróleo do pré-sal, que exigiria até um trilhão de dólares de investimento. Só na hipótese de que o petróleo não seja considerado um produto estratégico é que o Brasil trataria de produzir o petróleo do pré-sal sem limitações de quantidade. Como até do ponto de vista econômico isto seria inconveniente, tem-se a considerar que a produção será gradual e, a partir de um determinado estágio, a geração de caixa sustentará os novos investimentos. Além disto, jamais houve dificuldade de financiamento para colocar em produção reservas provadas de petróleo, mesmo em países considerados instáveis ou com comando fortemente nacionalista.

Quanto ao assunto deste trabalho – a nova organização legal do setor petróleo e gás – devemos considerar que o pré-sal retirou o Brasil da lista dos que procuravam apenas alcançar e manter a autossuficiência em petróleo para a de exportadores potenciais desse produto. Esta nova situação exige uma reorganização legal do setor que atenda aos aspectos econômicos, estratégicos e sociais da nova situação. Chama a atenção, por outro lado, a imperiosa necessidade de que os recursos do pré-sal sejam usados para que o País alcance o desenvolvimento, sendo para isso recomendável manter como âncoras organismos como a Petrobras e o BNDES que já vêm contribuindo, há décadas, para o desenvolvimento brasileiro. Paralelamente, será necessário reforçar e adequar os organismos governamentais existentes à nova realidade, como o próprio Ministério das Minas e Energia, a Agência Nacional de Petróleo e a Empresa de Pesquisas Energéticas. Também seria recomendável construir sólidas alianças no campo empresarial privado e com outros setores da sociedade reforçando a participação das empresas tipicamente nacionais e assegurando os benefícios do pré-sal para toda a população brasileira.

Nos artigos aqui apresentados consideramos que o petróleo é sim um bem estratégico para o mundo e para o Brasil. Consideramos que está ainda em fase inicial uma grande discussão nacional sobre a nova lei de exploração de petróleo e gás em formulação para envio ao Congresso. Nessa discussão estarão representados tanto os interesses brasileiros como os interesses externos; esses últimos são e serão expressos internamente pelos que preferimos chamar aqui de lobistas. Efetivamente, para analisar o que está ocorrendo e o que vai ocorrer nesse debate, é preciso admitir, pelo menos em hipótese, a alta probabilidade de que os interesses externos estejam de fato representados no debate nacional. Identificar quem são esses interlocutores e o viés que os orienta é parte indispensável para os que querem formar uma opinião independente a respeito.

Entendemos que as questões e estratégias mundiais sobre petróleo e gás são de alta complexidade e de difícil acesso para tantas pessoas de bem que desejam contribuir para o Brasil avançar no tema energia. Disso se aproveitam uns poucos para plantar falsos dilemas, meias verdades e argumentos de base falsa que acabam, pela repetição e amplos espaços disponibilizados, influenciando a feitura de leis e a construção de um conceito energético de bases irreais. Influenciam formadores de opinião que não têm outras fontes de informação disponíveis e, assim, resta-lhes como confiável somente a repetitiva pregação dos lobistas bem dissimulada nas suas catilinárias. Não há como resolver essa questão facilmente, e por isso somos ainda um país em busca do seu destino de potência. Decorridos quase dois séculos desde nossa Independência, ainda assim nacionalismo, soberania, pontos divergentes do ideário estrangeiro têm sido vistos com reservas no Brasil, na maior parte do tempo e das vezes por causa do poder econômico que remunera, direta ou indiretamente, os defensores dos interesses externos.

Existem, no outro extremo, os que acreditam que o Brasil pode se isolar no cenário mundial e que toda interação com o capital externo é prejudicial. Acreditam que o capital nacional está inteiramente submisso ao estrangeiro e que somente o Estado pode cuidar do assunto. A posição extrema de identificar como lobby externo todos que se opõem a uma posição inteiramente estatizante acaba contribuindo para reforçar o apoio aos interesses que julgam ou pretendem combater.

Entendemos que os interesses nacionais podem e devem ser claramente defendidos sem temor de rótulos impostos pelos lobbies a serviço de outros países, países aliás onde qualquer atitude parecida seria prontamente considerada antipatriótica e censurada como tal pela opinião pública.

É bom lembrar também que empresas brasileiras, como a própria Petrobras, atuam no exterior defendendo seus legítimos interesses e estão aprendendo, ainda que com alguma dificuldade, a respeitar as também legítimas aspirações de países que querem, assim como nós, que sejam respeitados seus interesses maiores.

O pré-sal é o tipo de assunto no qual se os interesses nacionais não forem claramente identificados e adequadamente defendidos, prevalecerão os externos. Para alcançar a melhor solução no sentido de propiciar o progresso social e econômico ao povo brasileiro será necessário assegurar uma ampla aliança interna que concilie os principais interesses nacionais e, daí, verificar como tirar proveito de legítimos interesses internacionais de segurança energética. Isto exige um amplo debate onde todas as posições sejam colocadas.

Esse trabalho, na sua versão original, foi apresentado em maio de 2008 à EPE e a outros atores importantes no tema. Agora, incluiu os retornos, análises e correções, evoluiu na concepção antes apresentada e foi aberto a todos. A ideia dos autores é contribuir para que o Brasil tome a melhor decisão no caso do pré-sal e que a proposta governamental, em final de estruturação, possa ter um encaminhamento que favoreça o desenvolvimento do País.

Introdução

O Brasil iniciou um novo ciclo de crescimento econômico que poderá ser sustentado e, com isso, novos paradigmas energéticos, tecnológicos e sociais estão sendo moldados ou requeridos. As perspectivas de crescimento brasileiro mantêm-se, não obstante a presente crise mundial. Agora, os recursos e desdobramentos possíveis resultantes da exploração do petróleo do pré-sal, se bem aproveitados e planejados, poderão dar força e sustentabilidade a esse crescimento.  No entanto, tudo dependerá de um ajuste institucional que evite que essa exploração iniba o desenvolvimento, como já ocorreu com inúmeros países detentores de recursos naturais abundantes, inclusive o nosso.

O presente governo resgatou o planejamento, inclusive o energético de longo prazo, e instituiu vários Programas de Aceleração do Crescimento – PACs, cuja execução e resultados vêm sendo acompanhados e se anunciam promissores. Este esforço se associa ao longo e já maduro período de ajuste na economia. Nesse quadro, há que se destacar o fato de o País ter alcançado o Investment Grade, que o coloca na rota das nações seguras para receber investimentos estrangeiros.

Em 12 de maio de 2008, o governo federal lançou a Política de Desenvolvimento Produtivo[[99]] (PDP) que define Programas Mobilizadores, Programas para Consolidar e Expandir a Liderança e Programas para Fortalecer a Competitividade. Idealiza integrar suas ações, relacionando os vários Programas em curso, como os de Aceleração do Crescimento, de Desenvolvimento, da Educação, do apoio à Ciência e Tecnologia, da Saúde, e da Mobilização da Indústria do Petróleo e Gás.

O PDP destaca a importância da indústria do petróleo e do gás e, certamente, baseia-se no que ela tem representado para o progresso nacional desde a década de 50 do século passado, e no que poderá representar, à luz dos seus novos desafios presentes. Em 2003, o governo federal lançara o PROMINP, justamente já preocupado em como fazer dessa indústria uma alavanca mais efetiva do progresso nacional, verificando que muitas lacunas precisavam ser resolvidas e muitas ações integradas e apoiadas deviam ser deflagradas. A motivação do PROMINP foi a de “Fazer da produção de petróleo e gás natural, transporte marítimo e dutoviário, refino e distribuição de derivados, oportunidades de crescimento para a indústria nacional de bens e serviços, criando empregos, gerando riquezas e divisas para o Brasil” [[100]].

Por uma feliz coincidência com o lançamento desses Programas, avanços da Petrobras no segmento como um todo e, em particular, suas descobertas de campos gigantes de óleo e gás, anunciadas nos últimos anos, estimulam o pensar grande, de fato pensar em um Projeto Nacional.

Entraremos, ao que tudo indica, na era do petróleo e gás das camadas do pré-sal. Júpiter, Tupi, Carioca, Caramba e outros adjacentes (já leiloados ou não) são campos que criam expectativas excepcionais que repercutem em todo o mundo. Com sorte, determinação e competência, a série de descobertas será ainda mais promissora em zona geológica que vai da costa do Espírito Santo até a costa de São Paulo. São dezenas e dezenas de bilhões de barris de óleo a explorar e produzir, com valor comercial de trilhões de dólares [[101]], que chegam no momento em que o mundo se vê em terríveis guerras ou complexas ações estratégicas para garantir suprimento de óleo aos países desenvolvidos, ou para amenizar os impactos da exagerada elevação do preço do produto.

As preocupações devem agora se centrar no como explorar essa janela de oportunidade, institucional e geológica, já que todo o inconsciente nacional foi moldado no pressuposto da escassez de óleo e de gás, portanto vislumbrando-se uma ação importante, porém limitada, no quesito reservas de óleo e gás e de geração de divisas. A partir do momento que muda esse contexto, tudo deve ser revisto, pois no mundo os exemplos exitosos de transformação da indústria de óleo e das divisas geradas nas exportações de óleo e gás em alavancas do progresso são poucos, somente três casos e assim mesmo de países já ricos ou em vias de se tornarem por outros condicionantes. Mas os exemplos de fracassos são muitos. Na base deles estão o elevado volume de divisas geradas, a não preocupação com o seu adequado uso no processo de desenvolvimento e a incompetência para gerar um projeto para a cadeia de valor do setor óleo e gás.

As Questões Importantes para se Pensar um Novo Modelo Petrolífero

Antes de qualquer análise, é necessário definir que esse trabalho parte do princípio de que o Brasil tem o direito, o dever e o poder[[102]], em face das mudanças havidas no contexto óleo e gás no mundo e internamente, de rever seu marco petrolífero legal no segmento. Nada mais que se diga sobre o assunto pode se sobrepor a essa premissa básica sobre sua capacidade de autodeterminação no assunto.

Essa afirmação é necessária, uma vez que a discussão sobre o assunto já começa a tentar impor como premissas limitantes como: “respeito a instrumentos legais”, “cautela para não afastar investidores”, “cuidados para não mudar algo que está funcionando”, “nosso modelo é reconhecido como um moderno instrumento”, “o Estado é mau gerente” e outros assemelhados. Argumentos como esses apenas criam bordões para tentar impedir que se reconheça a excepcional oportunidade colocada pela tecnologia nacional e pela geologia nas mãos do Brasil.

Se mantido o status quo vigente, seremos um mero exportador de óleo, criando fáceis divisas em excesso que não nos ajudarão em nada. Pelo contrário, se nada for feito teremos a desvalorização do dólar prejudicando todo o panorama exportador nacional e facilitando o modelo importador. Já em outro contexto de ação soberana, poderemos planejar o nosso desenvolvimento sustentado tendo como um dos vetores a riqueza que pode advir de um novo e adequado modelo petrolífero (ver trabalho sobre “Commodismo”, Pré-Sal e Desenvolvimento)

http://ecen.com/eee67/eee67p/commodismo_e_desenvolvimento.htm

Consciente da importância das novas reservas de óleo na camada do pré-sal, o governo federal, em ação acertada, retirou, do leilão de concessões da ANP do final de 2007, as áreas potencialmente semelhantes ao pioneiro campo Tupi e mantém essa diretriz até o momento. E definiu que “iria pensar tudo em uma nova dimensão”. Neste sentido, a resolução no 6, de seis de novembro de 2007 do CNPE determinou ao Ministério de Minas e Energia “que avalie, no prazo mais curto possível, as mudanças necessárias no marco legal que contemplem um novo paradigma de exploração e produção de petróleo e gás natural, aberto pela descoberta da nova província petrolífera, respeitando os contratos em vigor”[[103]].

Logo surgiram, na primeira hora, os que se manifestaram contrários às mudanças do atual marco legal e mesmo outros querendo mudá-lo para mais abertura, pois “o Brasil não teria recursos e tecnologia para explorar essas reservas” ou “nessas dimensões, o petróleo deixaria de ser um bem estratégico”, ou seja, deveria ser tratado com um minério qualquer disponível para qualquer um. Muito preocupante que os posicionamentos foram também no sentido de diminuir o possível alcance da descoberta, deslustrando-a em todos os seus aspectos, desde a sua comunicação até a sua potencialidade, desviando a atenção dos importantes debates que se mostrariam necessários.

Vamos pesquisar o que leva (ou teria levado) o governo a decidir rever o status quo no setor de óleo e gás no caso das áreas não concedidas da camada do pré-sal.

O Brasil está diante de uma oportunidade ímpar, talvez a maior de sua história em termos econômicos e geopolíticos, mas, para isso, terá que compreender bem suas potencialidades e suas possibilidades e mais ainda, suas peculiaridades. Claro, se forem confirmados os estudos e investigações preliminares para toda a camada do pré-sal à luz da já real mega descoberta do Tupi e de outras já anunciadas.

O assunto exige uma abordagem de diversos pontos de vista, como fazemos a seguir.

Do lado econômico e empresarial

Suponhamos que os 50 bilhões de barris idealizados para a camada do pré-sal venham a se materializar. Não havendo mudanças na legislação, o País receberia royalties e taxas de uma lei feita quando o óleo estava a US$ 20 o barril e a hipótese de se descobrir campos gigantes era apenas uma quimera. Ou seja, as petroleiras que descobrirem/confirmarem essas reservas ficarão com a maior vantagem, e como o óleo será excedente internamente, o Brasil se tornará grande exportador sem nenhum poder de barganha, pois ainda pela legislação atual, as empresas passam a ser donas do produto ao descobri-lo, e são obrigadas a produzi-lo na velocidade máxima que tecnicamente for indicado.

Se as multinacionais estrangeiras forem as donas da concessão, ou de parte delas, estaremos resolvendo seus problemas de falta de reservas e oferecendo um produto de baixo custo em royalties e taxas (nas condições presentes), e de baixo ou nenhum risco na exploração. Logicamente, nesse caso seriam abertos os leilões de concessão e haveria acirrada disputa internacional para conquistar as áreas oferecidas do pré-sal. EUA, China, Índia, Coréia do Sul, Rússia alguns países europeus, através das suas grandes empresas privadas ou estatais viriam aos leilões dispostos a despenderem altas somas (certamente em consórcios com as poucas empresas privadas detentoras de tecnologia, configurando um cartel para o pré-sal). Seguramente, empresas brasileiras, incluindo a Petrobras, no máximo teriam condições de conquistar uma pequena parcela, dados os elevados lances iniciais e os vultosos investimentos posteriores a serem despendidos com tanta área já licitada e a licitar. Isso a menos que se abra ainda mais para consórcios, o que acabaria, em verdade, levando a grande reserva nacional para domínio estrangeiro. O pré-sal será, mantidas as mesmas regras de concessão da Lei vigente em 2008, a fronteira da moda, a salvação de interessados em reservas. Será a “mina de ouro” globalizada.

Estamos falando de hipótese de mais de 50 bilhões de barris, que ao preço de US$ 60-80 dólares representariam, quando produzidos, um faturamento de 3 a 4 trilhões de dólares. Mantidas as regras atuais, um lucro potencial (remuneração do capital) para os ganhadores das áreas, de algo como US$/b 39 a 49/barril x 50 bilhões= US$ 1,95 a 2,45 trilhões de dólares antes do IR.  É necessário dizer que leilões de concessão jamais transfeririam para o governo o potencial ganho das empresas interessadas nas áreas postas a sua disposição, pois é histórico o mecanismo de superavaliação de custos de produção e exploração e de tecnologia e subfaturamentos nas exportações em geral, como forma de minimizar os lucros tributáveis.

Uma outra maneira de observar essa questão é pensar que a potencial riqueza a ser concedida, após descoberta e cubagem e antes de se montar o sistema de produção, valerá até 50 bilhões x 20[[104]] US$/b = 1,0 trilhão de dólares (valor de comercialização da jazida), ou seja não há nada que possa equivaler no País em termos de concessão do setor público. Que governo poderia ter consciência de dever cumprido depois de leiloar tal fortuna com base em premissas superadas? A sociedade aceitaria tal fato? Em nossa vizinha Bolívia, a população depôs o governo que fizera, no seu mandato anterior, uma lei de exploração das reservas locais de gás considerada desfavorável para a nação. Ela permitia que ele insistisse em entregar o restante das reservas (ainda não comprometidas) a investidores e petroleiras representando interesses estrangeiros, com ganhos ainda menores para o Estado. E, claramente, a sociedade exigiu que se desfizessem as privatizações e concessões, o que foi transformado em lei no Congresso.

Logicamente, todo o empenho das empresas estrangeiras atuantes no Brasil e eventuais empresas nacionais interessadas em explorar (ou intermediar) as reservas do pré-sal será a manutenção do modelo vigente. Estarão vislumbrando uma certeza de suprimento confiável (as estrangeiras) e uma lucratividade ainda não colocada a sua disposição em nenhum lugar do mundo desde a década de 70, no volume e nas condições presentemente estabelecidas no Brasil. Como o assunto é de extrema importância para essas empresas e tal é a lucratividade potencial, que, de forma inusitada, elas apresentaram uma proposta de possibilidade de aumento de taxas desde que mantidas as fórmulas atuais de concessão. Perderiam no valor relativo, mas ganhariam, e muito, no valor absoluto. Com a queda do valor do petróleo e do gás, provavelmente o discurso não será mais o mesmo, o que reforça a tese da exploração pelo Estado.

Se o problema fosse somente de apropriação de lucratividade pelo governo, a solução já seria uma mudança nas taxas e royalties, de forma a aumentar a renda nacional em detrimento da renda das empresas (como já fizeram ou vêm fazendo vários países que se iludiram no processo de abertura da década de 90, inclusive onde a Petrobras atua). Se o problema fosse o excedente de divisas a ser gerado e a garantia do suprimento futuro do País, haveria a solução parcial de não se colocar áreas em concessão por longos períodos. Mas veja-se que as pressões do mercado e da mídia sempre levariam ao exagero das concessões, como vem ocorrendo, inclusive exigindo que se retome o 8ª e 9ª leilão, incluindo áreas do pré-sal mesmo com toda a repercussão que o assunto já teve. Como muitas áreas do pré-sal já foram licitadas, se mantidas exatamente as mesmas regras e mesmo que adiados os leilões, as empresas serão obrigadas a correr e produzir todo o óleo, inundando o País de divisas a partir de 2013-2015. Ou ainda pior, deprimindo os preços de petróleo e reduzindo os ganhos para o País.

No modelo atual[[105]], se continuado, as empresas serão obrigadas a produzir todo o óleo e gás que descobrirem ou já descobriram, qualquer que seja o volume final possível. Ora, uma reserva de 50 bilhões ensejaria a produção de 7 milhões de barris por dia (médios por 20 anos), com picos nos primeiros dez anos de produção que poderão levar o volume a mais de 10 milhões de barris por dia. Tal volume acabaria tendo, a depender de outros fatores para inflacionar a oferta, influência direta nos preços do produto.

Aos preços previstos, a exportação de 7 milhões de barris por dia geraria um ingresso de divisas de US$ 153 a 204 bilhões/ano (óleo a US$ 60 a 80 o barril) ou mais, quantia capaz de mudar as relações de poder no País (valor semelhante ao das exportações nacionais). Se pela pressa na produção e sendo mantida a defesa da entrada sem freios de novas empresas, essa produção chegaria a 10 milhões de barris por dia, com ingressos, se não deprimidos os preços, 40% maiores.

Para os menos avisados, isso pareceria ótimo. No entanto, se a exploração for predominantemente de companhias estrangeiras (como pode acontecer pelas razões já mencionadas) e não houver mudança na apropriação da receita pelo governo (manutenção estrita do atual status quo), a possível folga na balança comercial será absorvida pela remessa de lucros e dividendos (como já acontece hoje) e o benefício local será mínimo.

No caso do governo se apropriar de fração significativa dos lucros, haverá efetivo ingresso de divisas que o parque industrial nacional, a mão de obra nacional, as universidades, nenhum segmento, nem mesmo o setor regulador e de planejamento governamental será capaz de absorver ou controlar. O resultado será inevitavelmente, mantidas as regras atuais, a invasão de produtos e bens se serviços estrangeiros no setor petróleo e gás, a desarticulação da economia nacional com a impossibilidade dos demais segmentos colocarem seus produtos no exterior. O governo não terá, em tempo e velocidades hábeis, como ordenar o futuro, então será por ele atropelado.

A solução de tais problemas, se outros não houvesse, já seria somente possível com mudança radical do modelo petrolífero, que permitisse controlar a produção ou as concessões de acordo com os interesses do País[[106]] relacionados com o uso adequado das divisas e taxas geradas.

Do lado do suprimento futuro de óleo, nacional e mundial

Justamente o excesso de óleo levaria a uma exaustão mais acelerada, pois que o País se desmobilizaria da preocupação de reter reservas ou áreas potencialmente petrolíferas, já que as teria em abundância. Na situação anterior de escassez, resolução do CNPE instruía que as concessões teriam que se adequar ao objetivo de garantir a autossuficiência, para evitar justamente o esgotamento do petróleo, em consequência de exportação de superávits em relação à demanda interna.

Dificilmente algum gestor público se preocupará com reservas, embora a simples conta a seguir demonstre um ponto de vulnerabilidade: uma demanda futura de 4 milhões de barris médios (final em 6 milhões de barris por dia) requereria uma reserva potencial de 44 bilhões de barris para um horizonte de 30 anos, e para o valor de 5 milhões (final em 8 milhões de barris por dia) de 91 bilhões para 50 anos [[107]].

Se somente esse fosse o problema, o CNPE definiria leilões somente em perfeita sintonia com a equação: reservas prováveis/50 anos de suprimento interno/demanda interna projetada. Nesta ótica, todo o petróleo seria reservado para uso próprio.

Com a recente crise mundial, com a emergência das restrições em função do Efeito Estufa e em decorrência do choque dos elevados preços, espera-se um arrefecimento estrutural da demanda mundial, o que já repercutiu nos preços presentes do óleo e nas demandas projetados para o futuro. Isso mostra a temeridade de exposição do pré-sal a uma exploração no nível que os lobbies pretendem.

Por outro lado, mostrando a importância dessa exploração se bem equacionada, sabemos que a produção das atuais zonas produtora decai de 5 a 10% ao ano (algo como 4 a 8 milhões de barris por dia), abrindo espaços progressivamente, mas não instantaneamente, para novas fronteiras de boa qualidade, bem como para continuidade da exploração das áreas mais promissoras dos países gigantes em reservas no presente. Essa dualidade mostra que o Brasil só se posicionará bem nessa etapa final da era do petróleo – de algo como mais uns 50 a 100 anos – se bem dominar os fatores de produção, o ritmo da extração e a política de uso das divisas geradas no processo. Isso é incompatível com a legislação atual.

Do lado da geração da riqueza nacional e da intervenção do Estado

A questão é extremamente complexa e, nesse caso, não existe nenhum modelo no mundo para servir de balizamento para o País, nem o seu modelo vigente se mostra adequado. Ao contrário, a maioria dos grandes exportadores de óleo não conseguiu sair do estágio do subdesenvolvimento e alguns permanecem na pobreza.

A exploração de óleo e gás pode ser entendida em termos de influência na economia avaliando vários estágios distintos:

  1. Antes de se alcançar a autossuficiência, a produção é sempre benéfica, qualquer que seja o regime, desde que o óleo ou gás sejam internalizados e processados de forma otimizada, evitando o elevado dispêndio com divisas. Claro, tanto melhor isso será nos casos de recebimento de alta taxação, ou de empresa estatal eficiente explorando o negócio, com desenvolvimento de tecnologias próprias, de interação com o mercado fornecedor local (essa a melhor equação, a do Brasil até o momento, cujos únicos similares são o da Noruega e, antes, o do Reino Unido até a década de 90);
  2. Outra possibilidade seria a previsão de boas reservas, mantendo equilíbrio na produção vis-à-vis a demanda, evitando o esgotamento rápido dessas reservas. Essa é uma situação difícil de controlar (tais os interesses envolvidos). Se as exportações forem de pequena monta, cai-se na hipótese um, porém logicamente o país estará exportando sua segurança energética. Alguns países exportaram suas reservas a 20 dólares o barril ou menos (inclusive os EUA) e agora terão que importá-lo a 50-100 dólares ou mais, configurando um mau negócio feito, além da vulnerabilidade instalada;
  3. Outra hipótese seria de países com poucas reservas e modelo fortemente exportador. Essa é uma situação de alguns países, que aos poucos passaram (ão) à condição de importador agora em um cenário de preços bem mais elevados; exceto a Noruega, o Reino Unido, o Canadá (e EUA no passado), todos os grandes exportadores não desenvolveram suas economias, em boa parte devido à fartura das divisas obtidas com as exportações de óleo. Assim o efeito não foi benéfico, pois tirou toda a motivação para a tentativa do desenvolvimento da economia por outros caminhos.
  4. Os países detentores de grandes reservas vislumbram poder ofertar óleo até o final da sua era, e se locupletam(ram) de divisas a cada ano, e por isso deixam(ram) de cuidar do seu desenvolvimento por outros meios e têm sua economia dependente de tudo do exterior. Neste caso estão todos os grandes exportadores que detém grandes reservas, sem exceção (ver análise mais a seguir).

A entrada acentuada de divisas pela exportação de petróleo (conversão do valor de venda para reais, como é a regra para qualquer exportação), que poderá passar de US$ 87 bilhões/ano (4 milhões de bpd de exportação), e o valor das taxações e impostos, que poderão alcançar algo como US$ 43,8 bilhões por ano (mesmo na situação atual de taxação, supondo 6 milhões de bpd de produção de óleo), mudaria completamente a economia nacional, para pior, ou melhor, de acordo com o que se fizesse com esses recursos.

Há um paradoxo nesses casos.  Muitas divisas, surgindo em escala crescente sem uma íntima ligação com o seu uso otimizado, simplesmente resultam em valorização da moeda local, e com isso há um desestímulo às exportações e o favorecimento das importações. Assim, aos poucos o país se desindustrializa, e passa a depender exclusivamente dessas divisas. E mais ainda, os dirigentes e a sociedade acabam também acostumados à renda fácil e assim o efeito é duplamente maléfico: pouca disposição para se desenvolver e impossibilidade de fazê-lo pelos caminhos tradicionais pela valorização da moeda.

Uma maneira de estudar esse fenômeno é entendendo o que seja a “Doença Holandesa”.

A Holanda, na década de 70 e 80, contou com a entrada de grandes somas de recursos pela elevada exportação de gás a preços subitamente extremamente elevados, isso trazendo sérios problemas para a economia local. Assim, deu-se o nome referenciado a todos os casos de entrada volumosa de recursos por explosão de preços de commodities, ou resultante de novos esquemas exportadores de matérias primas ou produtos primários sem preparo do país para tal fartura de divisas.

Doença holandesa, (ou Dutch disease) é um conceito econômico que tenta explicar a aparente relação entre a exploração de recursos naturais e o declínio do setor manufatureiro. A teoria prega que um aumento de receita decorrente da exportação de recursos naturais irá desindustrializar uma nação devido à valorização cambial, que torna o setor manufatureiro menos competitivo aos produtos externos (Wikipedia).

Uma outra maneira de abordar essa questão é analisar as economias dos grandes exportadores de óleo. Nenhum grande exportador de óleo alcançou a riqueza ou o poder como grande nação por conta do excesso de recursos gerados pelas exportações de óleo ou gás. Os recursos fáceis acabam sendo dilapidados, mal aplicados além de inibirem todo o processo de desenvolvimento nacional. De alguma forma, isso acontece no Brasil com o pagamento de royalties, com boa parte dos recursos aplicados de forma não produtiva pelos Estados e Municípios.

Como já assinalamos, as exceções de crescimento econômico graças ao petróleo só se encontram no caso da Inglaterra, da Noruega, do Canadá e dos EUA, na primeira metade do século passado.

O que houve de comum na Inglaterra e Noruega foi um excepcional programa governamental envolvendo toda a cadeia de valor da indústria petrolífera de tal forma que tecnologicamente esses países avançavam e os lugares das empresas de bens e serviços estrangeiras foram ocupados por empresas nacionais que passaram a exportá-los. Os dois incluíram elevada taxação e a Noruega criou duas estatais, que presentemente foram unidas e se transformaram em uma empresa de classe mundial (12º no ranking mundial).

A Inglaterra contou até os anos 90 com uma grande empresa privada e duas grandes estatais que, privatizadas, continuaram inglesas e uma delas, a BP, tornou-se uma das maiores empresas mundiais de petróleo, como a BG (na área do gás). Esses países já se situavam na lista dos desenvolvidos na década de 70, e neste caso o petróleo os ajudou a progredir mais ainda. Não tiveram o problema da “Doença Holandesa” pelas seguintes razões adicionais: a Inglaterra estava em crise econômica e a entrada em produção dos seus campos petrolíferos do Mar do Norte foi o complemento de que precisava para não se endividar na crise do petróleo de 1979 e reativar sua poderosa base industrial, entrar na era dos serviços e poder sair da crise econômica em que estava mergulhada. Na Noruega, o governo impunha a todos os interessados por uma concessão duas condições: i. descobrindo óleo teriam que aceitar a estatal Statoil como sócia; ii. só poderiam produzir o óleo descoberto de acordo com cronograma definido pela agência reguladora, que se baseava não na produção acelerada como alguns querem para o Brasil, mas na capacidade nacional para gerir as divisas[[108]]. A Statoil tinha preferência para escolher áreas para sua atuação e, pela sua ação e a do Estado, a indústria e a economia norueguesas se desenvolveram extremamente.

No caso dos EUA, o negócio do petróleo e do gás foram as alavancas para a industrialização do país, sendo que desenvolveram toda a cadeia de valor e a própria indústria petrolífera, a par e passo, levando também ao desenvolvimento dos ramos automobilísticos e dos plásticos.

Curiosamente, a presente crise mundial desnudou alguns pilares da economia e dos fundamentos da riqueza desses países citados.

Os EUA se sustentaram sempre no bom da sua indústria do óleo e do gás, que ali mantém a força desde o final do século XIX, e ainda estimulando o consumismo e o livre mercado em geral, exceto para os segmentos que eles julgavam de interesse do Estado (cabotagem, subsídios agrícolas, indústria de guerra, hidroelétricas, ação dos Batalhões de Engenharia das suas Forças Armadas, censura à compra de suas empresas petrolíferas por chineses etc.). A Inglaterra se livrou da crise de 70 e 80 em boa parte graças ao óleo e gás do Mar do Norte, mas o esgotou com rapidez.

Na presente crise mundial, que alguns veem como algo sem precedentes e que abala inteiramente as economias justamente dos EUA e do Reino Unido, novos conceitos emergirão. Agora, esses dois ícones da economia mundial se voltam para estatizações e intervenções de grande vulto em determinados segmentos industriais e bancos em geral, alguns falam em protecionismo, sendo que nos EUA a recessão levará a uma mudança de paradigma no consumismo local.

A lição que fica é que o progresso dos anos 90 e da metade da presente década teve bases falsas, sem controles adequados, sem a esperada ação harmonizadora do mercado, deslustrando as teses liberais e de vez sepultando o conceito da “Mão Invisível do Mercado” de que falara Adam Smith e cuja ideia fora muito grata aos seguidores das doutrinas liberais. Tudo isso leva a uma grande reflexão que volta a valorizar o papel do Estado e faz o Brasil repensar algumas de suas posições da década de 90. Sobre isso, declarações do Presidente Obama sobre a função do Estado são lapidares e precisam ser objeto de atenção (matéria no Jornal o Globo em 10/02/2009 com o título “Obama diz que somente governo pode salvar a economia dos EUA”).

Para nossa reflexão, como exemplo paradigmático de intervenção do Estado, deve ser estudado o caso da indústria automobilística norte-americana. É uma indústria privada, com livre mercado e competição feroz com empresas de origem asiática e europeia, com liderança pelos japoneses. Elas perderam progressivamente a hegemonia mundial e antes da crise de 2008 já não conseguiam se mostrar lucrativas nem competitivas, amargando prejuízos e reestruturações de vulto, isso depois de dezenas de fabricantes terem ido à lona nas décadas anteriores, restando somente três gigantes do ramo – GM, Ford e Chrysler. Dentre o pacote de alguns trilhões de dólares de intervenção do Estado, algumas dezenas de bilhões se destinam às montadoras.

Ora, pela lógica do mercado liberal, essas empresas iriam à falência ou absorção pelos demais gigantes estrangeiros, e seus espaços seriam ocupados pela Toyota, Nissan, Honda, Mitsubishi, Hyundai, Kia, Fiat, Ferrari, Citroen-Peugeot, Renault, Mercedes, Volkswagen, BMW. E por que o mercado liberal norte-americano não permitiu ainda o curso da falência ou venda das suas três grandes montadoras? Porque o Congresso e o Presidente dos EUA consideram que essa indústria é estratégica, é ícone, lidera outros segmentos importantes, representa o orgulha nacional e tantas outras coisas.

Sobre isso disse Obama em seu discurso no Congresso em 24/02/2009: “But we are committed to the goal of a re-tooled, re-imagined auto industry that can compete and win. Millions of jobs depend on it. Scores of communities depend on it. And I believe the nation that invented the automobile cannot walk away from it”. Empregos e atividades econômicas existiriam da mesma forma se algumas montadoras estrangeiras assumissem o papel das “Big Three”, mas nenhuma delas assumiria, na opinião dos dirigentes norte-americanos, os papeis de uma verdadeira gigante da América. Por isso a síntese: “I believe the nation that invented the automobile cannot walk away from it”. Mas, por outro lado, somos instados a privatizar todos os nossos ícones.

A “Doença Holandesa” pode ser bem investigada nos casos de todos os países com monoculturas, ou dependentes de uns poucos produtos primários para exportação e geração de divisas[[109]], e muito claramente no caso dos países detentores de grandes reservas de óleo de gás do Oriente Médio, da África e da América Latina. Nenhum país conseguiu fazer dos recursos do óleo e do gás um motor para o seu desenvolvimento. Até a década de 70, isso foi em razão da exploração colonial dos seus recursos pelas empresas ocidentais. Mas no caso do México, a nacionalização do óleo ocorreu em 1938 e passou a dominar a economia, mas não houve o crescimento desejado, nem mesmo na tecnologia do ramo.  No Brasil, os altos saldos de divisas nas contas correntes, agora pela entrada elevada de investimentos estrangeiros e um pouco antes pelos elevados saldos da balança comercial, vinha valorizando o Real, mesmo com as intervenções por compra e outras medidas aplicados pelo governo. O que se viu e se vê é queda continua das exportações de bens manufaturados e a elevação acentuada das importações. Imaginem, agora, que nos anos seguintes começassem a entrar, em ritmo progressivo, dezenas de bilhões de dólares pela crescente exportação de óleo.

O exemplo do México e de outros países onde existe uma estatal de petróleo mas que não se livraram da “Doença Holandesa” ilustra uma outra realidade: a solução não vem, em si, da estatização, e o que distingue o Brasil dos demais casos é ter uma estatal que revelou capacidade gerencial, soube desenvolver a tecnologia e ajudar a desenvolver toda a cadeia de valor, além de, até o presente, o fluxo de produção ter sido regulado pela pouca fartura em reservas. Também, diferiu por ter havido uma utilização da estatal como entidade de Estado cumprindo missões de relevância, como descrito no artigo “O Petróleo e Gás: o Papel do Estado no Brasil”

http://www.ecen.com/eee68/eee68p/petroleo_estado.htm.

Sem a intervenção do Estado e a exploração mais ou menos livre do petróleo, nem mesmo existe a “Doença holandesa”. Passa a haver o que talvez poderia ser chamada a “Doença Nigeriana” onde existem ilhas estrangeiras de prosperidade em um território extremamente pobre.

Não há mecanismo possível, salvo com eficiente e rigoroso controle do Estado, que resolva a questão da dilapidação do patrimônio energético ou da entrada desestabilizadora de divisas no País. É importante entender que sem controle e sem mecanismos nacionais de incentivos ao desenvolvimento e ao uso adequado das divisas, haveria tal excedentes delas, que as grandes companhias estrangeiras (únicas com capacidade para explorar o pré-sal, além da Petrobras) acabariam remetendo todo o lucro, e realizando todas as compras no exterior, nada se desenvolvendo internamente. E isso acabaria sendo paradoxalmente bem-vindo, pois também nada teríamos para fazer com tantas divisas em excesso a nos preocupar e a “complicar ainda mais a situação” em função das grandes somas em impostos e taxas da produção havida (claro se não houver mudanças e cuidados, como neste texto se propõe).

Assim, será necessário uma grande discussão no nível do governo, do Congresso, das classes produtoras, das universidades enfim, da sociedade para que se estabeleçam duas ordenações: i. um novo marco legal que, com segurança absoluta, não deixe margem para pressões de lobbies internos e externos para produção acima dos limites de interesse do País[[110]], nem para desvios de interesse político partidário[[111]]; ii. um mecanismo governamental de excelência[[112]] que seja capaz de definir  “o que, o porquê, o como, o quando, o quanto”, relacionados a um projeto de desenvolvimento sustentável, que seja um projeto de Estado e não de governo, que seja absolutamente ligado a uma renda crescente do setor óleo e gás.

Dessa forma, os argumentos do presente do tipo: “é bom produzir muito, mais divisas serão bem vindas”, “se não produzir logo ou realizar mais concessões o País estará perdendo bilhões por ano”, “mudar regras assusta o mercado”, “não haverá dinheiro para tudo”, “faltará tecnologia e equipamentos” ou, ao contrário, “é preciso aguardar, só essa ou aquela estatal pode produzir” e muitos outros bordões devem ceder lugar à definição do modelo legal que seja compatível com o modelo de desenvolvimento sustentável a ser estudado.  Somente assim o nível do debate nacional subirá e os inúmeros lobbies ficarão sem argumentos hoje tão convincentes, pois, embora sempre tragam algo de verdadeiro nas suas posições, mesmo que isoladas, pecam por lastrear a sua escolha no fundamento único: “produzir mais é sempre bom”.

O mínimo que se pode esperar dos que defendem as concessões sem limites é que justifiquem como, quando e o que poderá o País fazer com os dólares em qualquer montante (já que no modelo atual dada a concessão, a produção total é inevitável). Seria ainda necessário que expliquem o que fará o país após o rápido esgotamento das reservas.

Do ponto de vista geopolítico

A questão como posta no momento pelos que querem manter o status quo, somente introduzindo mudanças em taxas, pode ser vista como de extrema gravidade. Não podemos analisar o problema só pensando em modelos de outros países, de generalização de aberturas no mundo, em “sinalização de abertura ou manutenção de regras” para agradar os investidores externos. Está em jogo uma questão muito mais séria, o futuro do País. Um passo em falso, um comprometimento das reservas com interesses estrangeiros sem um aprofundamento será uma decisão sem volta. Na magnitude das reservas potenciais em questão, quase semelhantes às do Iraque, o mínimo que se deve esperar dos debatedores é que explicitem suas posições sobre o cenário crítico internacional e mostrem porque o Brasil não precisa se preocupar, quais as garantias que terá para abrir sem limites o seu setor. No artigo acima citado (e&e No 68), desenvolvemos esse tema com mais profundidade.

Não é possível ignorar, para a solução do novo modelo energético brasileiro, as questões do Oriente Médio e da África, onde ocorrem conflitos sem precedentes envolvendo o petróleo e gás, as pressões e negociações na área do Mar Cáspio, as posições do governo russo na retomada do controle do petróleo e do gás, os movimentos de nacionalização ou aumento de taxação na Argentina, Bolívia, Venezuela, Equador e outros, a vulnerabilidade energética da União Europeia, EUA, Japão, China, Índia, Coréia do Sul. Há uma guerra no Iraque, há uma pressão sobre o Irã, que pode culminar em guerra, há indefinições no suprimento proveniente da África. Há um déficit explosivo de óleo nos EUA, que não pode ser visto somente como um problema comercial. Não há solução comercial, não há solução convencional para o suprimento de óleo e de gás.

Mantido o sistema convencional de concessão, correrão para o Brasil as estatais dos países grandes importadores e as grandes companhias privadas. Não haverá como o Brasil, depois de mantido o modelo de ampla concessão, mudar tudo sem se ariscar a sofrer retaliações internacionais, comerciais ou não, dadas as escassas fontes de óleo disponíveis no mundo para atender as necessidades dos entrantes no País. A realidade poderá ser tão dura que politicamente não vale a pena testá-la (vide processos de desestabilização na Bolívia, pressão internacional contra Venezuela e Irã / Iraque, por exemplo).

O Brasil vem sinalizando para uma formação de um bloco latino-americano ou sul-americano e se aproxima de vários países tentando compor blocos à margem dos grupos mais ricos ou dependentes de um poder imperial (União Europeia, G-8, Nafta). Mas tem poucas moedas de troca, salvo uma extrema boa vontade e boas intenções para negociar, bem como algumas vantagens no campo da agroindústria [[113]]..

Com petróleo em demasia e com controle pelo Estado, o País pode negociar, segundo suas conveniências, com as nações que dependem de óleo para sobreviver, ricas ou pobres. Essa é a questão. Mas se simplesmente abrir a exploração / produção só pensando nas divisas geradas terá prostituído sua talvez última riqueza material, sua única e efetiva moeda forte de troca.

Na recente arguição de Hillary Clinton no Congresso norte-americano, com vistas a sua nomeação como Secretária de Estado, ela foi clara sobre três pontos: i. energia é prioridade número um para os EUA: ii. os EUA irão propor ações com os países do continente para estabelecer a independência energética da região; iii. têm a oferecer tecnologia “and other activities” sem defini-las [[114]]. Até então o interesse dos EUA pelo óleo do continente não aparecia de forma tão clara nas declarações dos dirigentes daquele país. Nas campanhas internas no Brasil tudo se passa como se fosse de grande interesse nacional abrir concessões para as empresas estrangeiras, na sua maioria norte-americanas, em menor número inglesas, francesas, norueguesas e espanholas. Ora, um assunto extremamente estratégico para os EUA e Europa (como afirma Hillary) deve ser tratado no Brasil como uma questão de mercado, de busca de recursos, como se tratássemos de minério de ferro?

Muito elucidativo é a notícia de acordo assinado pela Petrobras relatado pelo  O Globo em 17/02/2009 “Petrobras negocia trocar crédito por óleo do pré-sal” e pela nota da estatal que diz em síntese que “…assinou hoje dois Memorandos de Entendimentos e um contrato de venda de 60 a 100 mil bpd de petróleo para a UNIPEC Ásia Co. Ltda., subsidiária da China Petrochemical Corporation – SINOPEC …com intuito de promover o desenvolvimento econômico e o comércio entre as duas nações. Preveem também uma cooperação estratégica que, sob a coordenação dos respectivos governos, identificará oportunidades de negócios baseada em benefícios mútuos …” tais como “… concessão de financiamentos à Petrobras … incremento das exportações de petróleo para a China … parcerias entre Petrobras e empresas chinesas para desenvolvimento de projetos nos vários segmentos da indústria do petróleo … possibilidades de prestação de serviços e fornecimento de equipamentos … aproximação entre empresas chinesas e brasileiras com vistas a parcerias…”.

Esse acordo é o indicativo de como tratar o assunto petróleo do pré-sal de forma estratégica com países que realmente dependem desse energético e não têm interesse de se apropriar dele por vias transversas (pelo incentivo a abertura por concessões). Segundo a Petrobras e as notas liberadas, e entrevistas concedidas pelo presidente da estatal, outros acordos estão sendo negociados, demonstrando cabalmente que não existem limitações para o Brasil reservar para si o direito de conduzir a questão do pré-sal inteiramente e soberanamente. Afinal, se os EUA consideram a sua indústria automotiva como estratégica, ela que produz os carros que consomem o óleo que eles não têm suficientemente, por que nós não podemos considerar a indústria de petróleo nacional como estratégica e fechada a estrangeiros? Vale ainda lembrar que no governo anterior a Casa Branca e o Congresso norte americano vetaram a venda de uma sua pequena empresa – a UNOCAL – para a estatal chinesa CNOCC.

A necessidade de um novo modelo para o setor

Na ultima rodada de concessões em 2007, na sua véspera, o governo federal mandou retirar os blocos da camada do pré-sal que seriam oferecidos, e o fez em função da descoberta do campo de Tupi, com estimativa de reservas de 5 a 8 bilhões de barris. Outras informações registram que a suspensão da penúltima rodada do mesmo ano evitou que blocos dessa camada fossem leiloados.

Há informações indicando que perfurações pioneiras e testes iniciais vinham sendo realizados desde 2005 para avaliar a camada do pré-sal e, assim, essas avaliações e a conclusão do teste do segundo poço desse novo campo indicaram a necessidade de se rever a questão de concessões de blocos nessa nova fronteira.

Os avanços verificados na exploração indicam, cada vez mais, a potencialidade dessa zona petrolífera. Logicamente, é de se esperar que o governo não deverá voltar atrás na sua decisão de propor um novo modelo para o setor, minimamente no que se referir aos campos da camada do pré-sal. Assim indicam declarações de personalidades e posições do governo federal[[115]].

O frágil argumento de que não se deve alterar leis que impliquem em relacionamentos com o capital estrangeiro, sob pena de se perder a credibilidade externa, é falho. Países agem soberanamente em defesa de seus interesses e o mercado entende perfeitamente esse proceder, com muito mais razão no setor petróleo. O País vinha recebendo vultosos investimentos, e era um dos preferidos como destino de recursos para aplicar e acabara de receber o Investment Grade, mesmo com todas as suas incertezas regulatórias e com as dúvidas levantadas pela ação governamental no campo petrolífero e em outros segmentos. O capital estrangeiro, de fato, faz questão do respeito aos seus contratos assinados e sabe que o Brasil tem tradição em respeitá-los, desde que não abusivos. Isso não quer dizer que seus representantes no Brasil ou aqueles brasileiros mais temerosos da ação dos países mais ricos não veiculem suas preocupações. Mas, o governo certamente saberá discernir que o jogo de cena é necessário e faz parte das relações internacionais e nada mais seria do que pontuar que o campo não estaria aberto para abusos contra os seus interesses (estrangeiros). Espera-se que mesmo com a crise mundial esse quadro não mude, e que com a regularização da situação financeira internacional os fluxos de investimentos serão ainda maiores, consequência da boa performance brasileira nessa crítica situação presente.

Em energia, todos sabem da vulnerabilidade das leis em qualquer parte do mundo, sempre possível uma ação de mudança até mesmo dramática. Não fora assim, o mundo teria fugido da Bolívia e da Venezuela, com as recentes mudanças e isso não ocorreu. Há troca de alguns atores simplesmente e há e haverá reaproximações ao se eliminarem os exageros cometidos. O mundo também não fugiu, nem deixou de tentar o reingresso no Oriente Médio, África e Ásia, depois de ver seus ativos nacionalizados de forma arrasadora na década de 70, mesmo sabendo que tudo poderá ocorrer novamente. A Rússia tem atitude radical e dúbia em relação aos interesses do óleo e gás, renacionaliza empresas, segura licenças ambientais para conseguir vantagens e mesmo assim ninguém até agora disse: “estou fora da Rússia”. Pelo contrário, cortejam-na, acolhendo-a no G-8 embora não seja uma nação rica. A China tem controle total sobre seu negócio petróleo e gás e é um dos sítios preferidos para investimentos de todo tipo.

O País poderá contar, como cenário, com reservas superiores a 50 bilhões de barris e todo o gás de que precisa para seu mercado. Isso está nos noticiários. Então, pelo menos, a nova lei levará em conta essa possibilidade e, mais, deverá ser elaborada pensando que o volume poderá ir bem além.

Na lei em curso, o modelo brasileiro de concessão foi elaborado no pressuposto do grande risco exploratório e das potencialidades não tão interessantes das nossas bacias (a exceção da Bacia de Campos e Santos, que, entretanto foram igualadas às demais no modelo), da grande área a ser explorada, bem como da extrema necessidade de se buscar e manter autossuficiência na produção de óleo e, ainda da incapacidade da Petrobras de cuidar dessas questões sozinhas, muito menos com eficácia.  Todas essas principais colunas se mostraram sem aderência com a realidade, em que pese os formuladores desse modelo de repetirem à exaustão outras vantagens também já desmistificadas.

Esse modelo adotado no Brasil é próprio de países sem tecnologia, sem recursos, sem condições de formar uma estatal de peso e eficiente, sem estrutura nacional para enfrentar uma escalada como a Petrobras enfrentou desde a sua constituição. Contudo, mesmo assim, alguns desses países adotam modelos bem mais severos do que o brasileiro, em termos de retorno nacional e uso do óleo produzido.

Por outro lado, os únicos países que não estariam enquadrados nas premissas antes indicadas, e que adotaram o modelo de concessões, foram o Reino Unido, o Canadá e os EUA. Esses países, por caminhos não seguidos pelo Brasil, que copiou seus modelos, tiveram visão muito mais apurada quanto aos ganhos nacionais na atividade, e souberam como se desenvolver às custas da sua atividade do petróleo. Criou-se o modelo brasileiro (com base no modelo desses países) e pouco se fez nos primeiros anos nos moldes desses países que serviram de exemplo para o Brasil. O PROMINP, criado pelo governo federal em 2004, foi a primeira tentativa efetiva de utilizar o petróleo e o gás como vetores diretos do desenvolvimento nacional, mas somente veio à luz seis anos após promulgada a nova lei revisionista em 1997, porem nada mudando na sua essência. O PROMINP busca realizar um pouco do que o Canadá, EUA e Inglaterra conseguiram no campo industrial em relação aos seus modelos petrolífero.

Não se pode dizer para os EUA e Reino Unido que não exista intervenção estatal na área do óleo já que esses Estados participaram ativamente de ações bélicas para assegurar as atividades de suas empresas no exterior ao longo de praticamente todas as décadas do século passado, e ainda assim agem na presente escalada militar no Iraque. Em um capitalismo maduro como o existente nesses países passa a existir uma simbiose do interesse das empresas e do Estado quando não a sobreposição do interesses delas sobre o nacional[[116]].

A Noruega[[117]], que poderia ter sido o modelo para o Brasil na formulação da nova lei em 1997, pelas semelhanças com o nosso estágio (de 1996), não foi considerada para tal, justamente porque dava ao governo norueguês, através de suas estatais, um papel muito preponderante na condução dos negócios petrolíferos, algo que não interessava ao governo brasileiro de então.

Um caso exemplar a demonstrar o desajuste do nosso modelo, está na legislação que define que quando as jazidas de óleo ultrapassarem os limites da concessão (do bloco), a empresa descobridora terá que esperar a concessão das demais áreas contíguas e o processo de integração das novas empresas concessionárias. Ora, como falar em concessão de risco com quase certeza de existência de óleo face a descoberta adjacente, e de muito óleo como parece ser o caso de alguns blocos da camada de pré-sal[[118]]? Ou, como entender riscos elevados e exploração para garantir somente autossuficiência quando se leiloa ou se tenta leiloar extensos blocos e se exige colocar na praça áreas do pré-sal em grande quantidade, quando os estudos indicam, já há anos, que na camada do pré-sal poderia ocorrer óleo em quantidade? Ou como falar em bom modelo, o presente, quando não houve nenhum condicionante para resguardar o interesse nacional no caso de descobertas de campos supergigantes ou extrapolação de descobertas, como na camada do pré-sal, abaixo das áreas convencionais concedidas?

Parte significativa da área do pré-sal já foi leiloada no regime de concessões vigente. Pensando na hipótese de fartura de óleo nesses blocos e se mantidas as regras atuais, as companhias serão obrigadas a produzir rapidamente o óleo, com as consequências já vistas (esgotamento rápido das reservas e entrada exagerada de dólares). Haverá a inflação dos custos de desenvolvimento se tudo for feito de uma vez, demandando mais recursos (equipamentos) do que os disponíveis, também não havendo no País como aproveitar toda a explosão de obras e de demanda de mão de obra. Como falar em bom modelo, quando ele vigorar neste futuro próximo, inflacionará a oferta?

Suponhamos, para cenarizar, que uma empresa estrangeira com blocos do pré-sal descubra reservas de 10 bilhões de barris. No modelo presente, ela será obrigada a produzir o volume que técnica e economicamente o campo permitir. Isso poderá elevar a produção em 1,4 milhão de barris por dia (média em 20 anos), com picos bem acima desse valor em poucos anos após o início da produção, esgotando a reserva em duas décadas. Assim, a fartura de óleo existirá somente por 20 anos e nesse período o Brasil não terá o que fazer com tantas divisas, considerando-se que outras jazidas como essa poderão estar também entrando em produção.  Essa fartura, a pressão para cumprir os prazos dos contratos de concessão e o interesse cruzado de muitas multinacionais induzirão à compra dos equipamentos no exterior perdendo a indústria nacional a oportunidade de utilizar esta expansão para firmar-se como fornecedora para o mercado interno e externo, tudo o que foi evitado com o modelo norueguês (que permitiu então que a Noruega se desenvolvesse harmonicamente às custas de empresas nacionais do ramo). Isso está para acontecer se os rumores sobre descoberta de óleo pela Exxon se confirmarem e se o Brasil mantiver todo o pré-sal já concedido submetido às mesmas regras ainda vigentes.

As descobertas no caso do pré-sal encontram o País em pleno processo desenvolvimentista, sem crise no momento a resolver, com uma empresa estatal de classe mundial, com um parque industrial e de serviços de peso, inclusive na área do petróleo e do gás, sem demandas prementes de divisas ou carência no suprimento de óleo. Há tecnologia nacional de ponta no segmento óleo e gás, na petroquímica e, ainda, há intensa participação das universidades no processo gerador de tecnologias. Há, também, intensa interação com empresas estrangeiras tanto para apoio tecnológico, como para compra de bens e serviços, o que se traduz em atividade de classe mundial no Brasil. Assim, não existem problemas para o País, no momento, regular em novo estilo o setor de óleo.

Aplicando um modelo petrolífero de concessões, adotado em 1997, dezenas de empresas estão explorando óleo no País, algumas poucas já produzindo além da Petrobras.

Um ponto chave a se considerar é a falácia da falta de recursos para desenvolver o negócio petróleo e gás. É preciso que se firme dois conceitos: 1. Para explorar e produzir petróleo e gás sempre houve e sempre haverá financiamentos disponíveis, pois os investidores sabem da lucratividade do negócio. Assim, por exemplo, a Petrobras recebeu financiamentos para praticamente todas as suas plataformas para a produção em Campos, dezenas de bilhões de dólares, na forma de leasing desde a época que o Brasil ainda era considerado de alto risco; o gasoduto Brasil Bolívia foi quase todo financiado com recursos estrangeiros na década de 90, e o mesmo está acontecendo com vários gasodutos da excepcional expansão da malha nacional. O que faz surgir o financiamento não são empresas estrangeiras, mas sim a qualidade do empreendimento apresentado para receber os recursos. Entretanto se se implanta no País uma “corrida ao ouro” ai sim, haverá falta de dinheiro para todos e encarecimento desmesurado de custos; 2. A Petrobras recebeu em recursos públicos diretos, na década de 50 do século passado, uma parcela ínfima do seu patrimônio atual, e nunca mais a partir daquela década. Assim, seu patrimônio de US$ 300 bilhões foi construído com os resultados de suas atividades e não com capital do governo ou de terceiros. Ou seja, não são os recursos externos na forma de capital que multiplicam as riquezas empresariais no caso do petróleo, mas as atividades empresariais bem exercidas. Assim, jamais faltarão recursos para desenvolver a atividade petrolífera no Brasil se considerada uma marcha segura e de interesse nacional [[119]]. Vale lembrar que agora a Petrobras já negocia com países como a China financiamentos para o pré-sal como visto no item “do ponto de vista geopolítico”

O País deve compreender como as potenciais descobertas da camada do pré-sal, antes que se multipliquem, poderiam influenciar nas suas ações estratégicas ou poderiam influenciar as ações de outros países, coisas distintas porém interligadas. E imaginar como ficariam as ações estratégicas das grandes petroleiras e, também, da sua estatal à luz das possíveis e imensas reservas [[120]].

Com o Tupi as reservas nacionais ficam no entorno de 20 bilhões, praticamente nas mãos da sua estatal Petrobras. Elas seriam da ordem do triplo das reservas da Shell ou da Total, ou da ordem do dobro das reservas da British Petroleum e da Exxon. Essas são as quatro maiores empresas privadas do petróleo e gás do mundo. E ficam acima das reservas das empresas estatais da China e da Índia, países ávidos de óleo, e de outras 45 empresas, públicas e estatais, de importância na geopolítica do petróleo.

Por aí já se vê o poder de ação que pode ser reservado à Petrobras e o que se espera de pressões e de manobras para tentar orientar o Brasil nos rumos da abertura total.

Já supondo uma análise do ponto de vista do País, o horizonte de 50-60 bilhões de barris em reservas, nos colocaria em uma situação especial. Somente a Arábia Saudita, o Irã, o Iraque e o Kuwait e os Emirados Árabes Unidos teriam mais óleo (da ordem de 100 bilhões de barris ou mais). Junto a nós estariam a Venezuela (óleo convencional), a Rússia e Cazaquistão. Depois, mais distante, ficariam países hoje muito importantes na geopolítica do óleo em reservas como os EUA, o Canadá, o México, a Nigéria, a Argélia, a Líbia e outros mais. E se chegarmos a 100 bilhões, maioria de óleo especial como até agora tem sido descoberto, deduzimos quão confortável seria a situação brasileira.

Por aí se vê o papel que o Brasil poderá representar no contexto internacional, se contar com um modelo petrolífero soberano.

Vale lembrar, com a perspectiva atual de fartura em petróleo, a decorrente contradição da decisão 08 da Comissão Nacional de Energia – CNE, de 21 de julho de 2003, quando se preparava o quinto leilão de áreas. Naquela época a perspectiva era de escassez. Havia os segmentos contrários e os a favor da continuidade dos leilões. De um lado, dizia-se: “os leilões são absolutamente necessários para se chegar e manter a autossuficiência em óleo e por isso devem ser feitos e já”. De outro, dizia-se: “o País não tem chances de contar com reservas superavitárias em relação às suas necessidades e, assim, os leilões como estão dimensionados, levam necessariamente a exportação de óleo, que então faltará em futuro próximo”. Diz a resolução com relação aos leilões e à segurança futura no abastecimento:

… “Art 1º Estabelecer como política nacional a expansão da produção de petróleo e gás natural de forma atingir e manter a autossuficiência do País e a intensificação da atividade exploratória, objetivando incrementar os atuais volumes de reservas do País….

… Art 3º O Ministério de Minas e Energia, com base nos estudos efetivados pela ANP, fixará a relação ideal entre reservas e a produção de petróleo e gás natural, dimensionando e priorizando a oferta de blocos que permita a produção de petróleo e gás natural necessária à autossuficiência e manutenção de adequado volume de reservas do País”…

Assim, a ideia seria de acordo com a Resolução, em última análise, não fazer leilões de áreas para promover exportações de óleo, mas sim para garantir o suprimento nacional de óleo. Mas, no modelo legal vigente, arrematada uma área ela terá que ser explorada; descoberto óleo, ele terá que ser produzido. Em caso contrário, a concessionária perde os direitos adquiridos. Portanto, pelo lado da Resolução, nenhum leilão poderá ser realizado tão cedo, pois o pressuposto é de que foi atingido o nível de reservas capazes de garantir a autossuficiência por muito tempo. Então, ou se cumpre o determinado, ou se muda a Resolução. Nesse caso, mudar baseado em quê? Como de repente será possível dizer: “voltem os leilões, pois agora há muito óleo”. Só isso? Logicamente se vê que no momento é hora de administrar a fartura, e o que se requer é outra Lei e, a partir dela, resoluções que espelhem a nova situação. Pelo momento, deve-se estender a todas as licitações, se houverem, a Resolução no 6 do CNPE (retirada das áreas do pré-sal) e, enquanto isso, o espírito que norteou a Resolução da CNE mencionada deve ser mantido.

Supondo a possibilidade de se registrar “vários Tupis” já concedidos no Brasil, com a mesma lei vigente, todos eles teriam que entrar em produção, com certeza resultando em um grande excedente de óleo para exportação. Os resultados seriam: 1) embora com muito óleo em reservas, haveria uma relação reservas /produção não condizente com a segurança do abastecimento (as reservas seriam esgotadas com as exportações obrigatórias, pois em excesso em relação à demanda nacional); 2) uma enxurrada de dólares, desvalorizando-o e com isso tirando a competitividade dos produtos, bens e serviços para exportação, anulando as vantagens dos ganhos do petróleo, e levando o País ao retrocesso na economia diversificada; 3) uma desvalorização do óleo e ainda uma perda política e estratégica por não deter nenhum meio para planejar a produção e oferta (pois o óleo seria da empresa que o descobriu).

Como se vê, a legislação vigente não serve para uma situação de fartura de reservas, e não há modelo no mundo semelhante ao caso brasileiro.

Em todo esse complexo quadro, surge nova questão nesta década – o problema do Efeito Estufa. O mundo evoluirá, sem dúvida, para a contenção progressiva do uso dos combustíveis fósseis, a considerar os condicionantes do momento. Isso aliviaria a pressão da demanda que seria insuportável se mantida a sua escalada frente uma oferta que não se mostraria elástica a ponto de suportá-la. Também, alguns dirão que a questão do Efeito Estufa será determinante para impor o fim da importância do petróleo no mercado, o qual será progressivamente substituído por alternativas. Otimização no uso, crescimento do uso do gás natural e substituição por alternativas, selariam o fim da era do petróleo, pensam os entusiastas da contenção do uso dos combustíveis fósseis.

Ocorre, entretanto, que a substituição do petróleo por fontes alternativas impõe, na média, a oferta de novos energéticos de custo igual ou superior ao preço de comercialização dos derivados de petróleo. Assim, sua entrada no mercado ou depende de subsídios ou de renúncia de impostos, sem o que ou não são competitivos ou elevam os preços ao consumidor final se mantidos os mesmos impostos, taxas e royalties que gravam os derivados de petróleo.

O custo médio (operacional e capital) dos derivados de petróleo refinados incluindo os custos de produção do óleo e do refino se situará no máximo em US$ 20 por barril, que se compara com preço ex-refinaria na faixa superior a US$ 80 o barril (valor médio dos derivados). Essa distância entre custo e valor permite que os governos e empresas se apropriem, em escala mundial, de algo como 80 milhões bpd x 365 x (80-20) = US$ 1,75 trilhões por ano. Esse valor desapareceria nas contas públicas e empresariais se, por mágica, os derivados de petróleo fossem substituídos de uma vez pelas suas alternativas, e se elas entrassem no mercado ao preço da energia substituída. Ora, esse valor é tão alto, que dele pode sair parte da solução do Efeito Estufa e ainda sobrar muito dinheiro para os governos e empresas (armazenamento de carbono, gastos com eficiência, reflorestamento, metrôs, transporte marítimo etc.). Vejam que muitas das alternativas energéticas hoje postas ao público implicam em renúncia fiscal e/ou sobretaxa ao seu competidor para viabilizar a substituição apesar da vigorosa alta dos preços do petróleo e gás. Resta, então, saber como os governos que não sejam soberanos na questão petrolífera conseguirão tratar essas questões que serão marcantes nas próximas décadas, principalmente no que se refere ao encaminhamento de parte da solução do Efeito Estufa pela própria empresa do petróleo. Se o País não se cuidar, o bônus da produção do óleo será das empresas e o ônus será seu.

Diz a Constituição Federal

Art. 177. Constituem monopólio da União:

  1. a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos;
  2. a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro;
  3. a importação e exportação dos produtos e derivados básicos resultantes das atividades previstas nos incisos anteriores;
  4. – o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados básicos de petróleo produzidos no País, bem assim o transporte, por meio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados e gás natural de qualquer origem;
  5. – a pesquisa, a lavra, o enriquecimento, o reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios e minerais nucleares e seus derivados, com exceção dos radioisótopos cuja produção, comercialização e utilização poderão ser autorizadas sob regime de permissão, conforme as alíneas b e c do inciso XXIII do caput do art. 21 desta Constituição Federal.
  6. § 1º A União poderá contratar com empresas estatais ou privadas a realização das atividades previstas nos incisos I a IV deste artigo, observadas as condições estabelecidas em lei.

Como se vê, não há problema algum em relação à Constituição em se estabelecer um arcabouço legal para alterar o modelo vigente de exploração e produção definido pela Lei 9478.

De tudo o dito, resta uma certeza: há que se moldar um novo modelo, que não terá similar, que deverá atender questões energéticas, econômicas, sociais, ambientais e estratégicas. Mas deve ser levado em conta que da ordem de 70-80% das reservas de óleo do mundo estão em mãos de estatais que são os agentes de exploração, produção e exportação em praticamente todos os países exportadores.

Assim, não nos preocuparemos em copiar ou adaptar modelos existentes em outras partes do mundo e sim em propor que se estabeleça um Modelo Brasil, vis-à-vis sua realidade única e sua experiência vitoriosa no setor petróleo e do gás com a ação do Estado.

Síntese das premissas orientadoras do novo modelo

No mundo, a questão do petróleo entrou em novo patamar geopolítico-econômico-ambiental com contornos ainda indefinidos e, assim, o modelo a ser desenvolvido no Brasil deverá considerar algumas questões basilares, algumas típicas somente do Brasil, outras do contexto externo, mas de grande repercussão no nosso País. Internamente, a questão ganhou uma dimensão inusitada nas últimas décadas pela ação da Petrobras e do Estado em conjunto com o sistema acadêmico, industrial e de serviços nacionais como visto no artigo “Petróleo e Gás, o Papel do Estado no Brasil” [[121]] e, desde o fim de 2007, está na ordem do dia com as descobertas do pré-sal.

Em termos amplos, com o pré-sal, os reflexos em toda a cadeia produtiva e de suporte poderão ser expressivamente multiplicados e, finalmente, o Brasil poderá encontrar com segurança o caminho do progresso sustentado, de Norte a Sul, de Leste a Oeste, tal é a dimensão dos recursos a serem gerados, tal é a mobilização nacional que pode ser orientada.

Não poderemos instruir um debate reducionista observando somente alguns poucos ângulos da questão, como vem ocorrendo. Assim, devemos estar atentos às várias faces do negócio petróleo e gás como as a seguir:

    1. Como determinante maior, a riqueza a ser gerada na nova era do petróleo e gás terá que ser aplicada em prol do desenvolvimento nacional integrado, sustentado e não excludente;
    2. Probabilidade de grandes quantidades de óleo a serem descobertas por campo;
    3. Possibilidade de campos do pré-sal extrapolarem os limites da concessão original;
    4. A possibilidade de descoberta de vários campos de grande porte, incluídos em concessões passadas de áreas convencionais;
    5. A boa qualidade do óleo do pré-sal;
    6. A oportunidade do Brasil, de alguma forma, aproveitar o fim da era do petróleo, por pelo menos mais uns 50 anos, sendo um regulador discreto da oferta e, para isso, dispondo dos mecanismos adequados;
    7. A projeção de demanda nacional. O Brasil alcançará uma demanda de 4.000.000 a 5.000.000 bpd de óleo (da ordem de 20% da demanda diária norte americana, e menos de 50% da sua demanda per capita atual). Isso representará gastar, a cada vinte anos, algo como 28 a 36 bilhões de reservas descobertas; e até 90 bilhões de barris em 50 anos;
    8. Um horizonte estratégico de reservas a ser determinado, que deve ser de pelo menos 30 anos supondo reservas provadas, pensando também em um horizonte de 50 anos ao incorporar reservas potenciais de alto grau de probabilidade;
    9. A estrutura e capacidade empresarial nacional, os recursos próprios e os financiamentos sempre disponíveis para o setor óleo e gás, se em escalada controlada, e a tecnologia brasileira capazes de suportar qualquer escalada (no conceito de controle como recomendado neste trabalho) na indústria petrolífera e do gás;
    10. A questão basilar, não discutida no momento por ninguém, que se houver exportação haverá geração divisas da ordem de US$ 21,9 bilhões para cada um milhão de barris. Que, a depender da escala de exportação, esses recursos poderão desestabilizar a economia se não forem bem gerenciados. Que, para valores muito elevados, nem mesmo uma boa gerência seja possível, com resultados imprevisíveis no setor industrial nacional[[122]];
    11. Que em função do exposto no item anterior, há que prever, com ampla participação no governo e ação do CNPE, limites máximos de produção (certamente seriam crescentes) vis-à-vis a capacidade do País absorver os excedentes de divisas;
    12. E ainda, como relação aos dois itens anteriores, que as divisas não poderão ficar em excesso e compor simplesmente reservas (esterilizando recursos internos de custos mais elevados) ou serem dilapidadas nas importações e remessas de lucros, o que exigirá ainda maior controle de concessões e de produção e uma ação de Estado mundo afora para aplicar esses recursos com elevado retorno para o País;
    13. Que a definição dos limites de produção balizará o fluxo de concessão e o ritmo da produção das áreas concedidas;
    14. A certeza de que a garantia de suprimento dos países ricos e grandes demandadores de óleo e gás não está assegurada, de modo geral pela não incorporação de reservas suficientes fora das zonas conflagradas ou críticas, bem como do esgotamento das folgas para produção extra dos países com exportação mais segura;
    15. A possibilidade de o País ser, em futuro muito próximo, por causa dessas reservas, alvo de pressões insuportáveis se não dispuser de mecanismos fortes que lhe deem soberania clara no trato das questões petrolíferas;
    16. As possíveis exigências das grandes potências em relação ao domínio do mar nacional se povoado de multis estrangeiras detentoras de gigantescas reservas de óleo faltante para essas potências [[123]];
    17. Os possíveis ganhos por troca de favorecimentos, como garantia de suprimento para um determinado país versus financiamentos e ganhos de algumas vantagens estratégicas no presente a nós vedadas, além é claro do valor do óleo (vide o antes citado acordo com a China);
    18. As consequências econômicas, ambientais locais e planetárias e sociais envolvendo o petróleo, carvão e gás e alternativas com novo enfoque mais holístico[[124]] ainda não posto na agenda de discussão;

19) O papel da Petrobras na qualidade de empresa estatal no desenvolvimento da riqueza nacional, e como braço da internacionalização das empresas brasileiras e, ainda, como essa nova fase do pré-sal pode lhe trazer mais dividendos para melhor se desenvolver e melhor executar esse papel de líder            do progresso sustentado nacional;

Há fortes razões, e um consenso já se formando, indicando que não seria razoável, nem prudente, manter o estatuto de concessões entregando para empresas privadas nacionais ou estrangeiras blocos tão promissores com produções certas e volumes já idealizados. O modelo de concessão prevê o risco como elemento básico para sua existência. Mantê-lo como pretende uma ala seria como “leiloar uma obra de arte única para público aberto sem atentar para o interesse nacional na sua preservação para cumprir destino cultural e educacional (ser um centro de excelência cultural) e comercial (turistas atraídos)”. Por mais elevados que sejam os bônus, nenhum país leiloa suas obras de arte, como não poderia leiloar seus recursos que possam, por si sós, alavancar de forma distinta e sob controle o seu desenvolvimento e garantir o seu futuro como nação rica; ou, então, não leiloa ou abre seus recursos ou poderes estratégicos sem contrapartida adequada, por exemplo, reservas de urânio, conhecimentos estratégicos, minerais raros, serviços essenciais, indústrias ou institutos estratégicos[[125]]. Cada país tem o direito de escolher o que julgar necessário para cuidar de forma diferenciada em nome do interesse nacional.

Em todo esse contexto, uma proposta cidadã, mesmo que aparentemente utópica, é no sentido de compatibilizar os interesses de Estado e de empresas no que for possível, de forma a que haja um mais fácil e rápido consenso nacional. Há muito a ganhar por todos e assim não seria justo ou patriótico permitir que a fantástica renda e os fantásticos efeitos decorrentes do progresso idealizado em função do pré-sal sejam apropriados por uns poucos sem contrapartidas adequadas para o desenvolvimento econômico, tecnológico e social nacional. Afinal, são mais de 100 milhões de pessoas que vivem em estágio muito aquém do que o desejável, mas podendo em vinte anos, se muito, mudar de patamar de vida e de renda graças a uma bem urdida trajetória para o petróleo e gás do pré-sal. E não parece prático ignorar que há no País dezenas de empresas operando e podendo, com os cuidados necessários, continuar a fazê-lo.

Assim, não há como tratar o petróleo do pré-sal, nem mesmo o das áreas convencionais como se fazia antes no ambiente de escassez e de preços contidos (o que já era motivo de críticas no caso das áreas mais promissoras, cedidas como se não o fossem), como não há viabilidade política interna para se fazer uma ruptura total no segmento. Essa é a verdadeira questão que deveria inibir as ações reducionistas (tendentes a um ou outro extremo) e a dos lobistas (nunca caracterizados explicitamente como tal) e incentivá-los a deixarem nas mãos do governo e do Congresso, das empresas, dos órgãos de classe, das universidades, e outros grupos qualificados, as defesas de suas posições de forma explicita evitando a radicalização política e partidária, em consequência do uso de argumentos falaciosos como se fora verdades absolutas.

Um papel nobre da mídia, considerando a grandeza do problema a ser resolvido, e a talvez última oportunidade de o Brasil alçar voos mais altos, seria dar espaços iguais para os lados em legitima disputa. Assim, os cidadãos, os políticos, os dirigentes que, naturalmente, não têm como conhecer de antemão todas as informações de que necessitam para sua tomada de posição, poderão participar sem enganos e pressões no equacionamento do novo Modelo.

Análise de Rotas isoladas para um novo
modelo para o Setor Petróleo e Gás

As premissas levantadas anteriormente mostram a necessidade de um novo modelo que deverá ser consubstanciado em Lei, não sendo necessário, no nosso entendimento, alteração do texto constitucional.

Não detalharemos inteiramente um modelo, pois isso é um trabalho para especialistas no assunto (à luz de premissas bem definidas) e ele deve ser elaborado por profissionais de várias especialidades (contratados pelo governo federal) em conjunto com seus órgãos que cuidam do assunto. Nossa contribuição é no sentido de sugerir, a luz de todo o exposto anteriormente, pontos que devem ser objeto de atenção na elaboração do novo modelo. Antes, expusemos questões gerais. Agora apresentaremos considerações mais específicas.

O novo modelo deve acolher situações distintas com regulamentações específicas e que aproveite o que de bom e aplicável existir do modelo vigente, sem receios de introduzir inovações e maior presença do Estado[[126]]. Assim ele deverá incorporar em um capítulo uma parte do Estatuto atual considerando campos acima da camada do pré sal (no presente, chamados de convencionais) já concedidos e a conceder, desde que feitas algumas mudanças (ver Uma Proposta Integradora mais adiante, Item 1). Em um outro capítulo, deve inovar mais ainda, com uma regulamentação para o caso dos campos do pré-sal de qualquer origem (incluindo os futuros, os já concedidos como tal ou que venham a ser descobertos nos blocos mais antigos leiloados antes da caracterização dessa camada) (ver Proposta  Integradora mais adiante, Item 2). Nos dois casos, o estatuto considerará ordenações distintas para blocos já concedidos e blocos a conceder.

Antes de apresentar uma ordenação possível para servir de base para reflexões, discorreremos sobre hipóteses do como conduzir os negócios. No debate presente há os que se apegam a uma dessas hipóteses e a expõem como solução única e adequada. Quase sempre representam interesse específico e a essa ação damos o nome de reducionismo – pois que não contemplam todas as facetas da questão.

Trata-se de uma questão complexa envolvendo um negócio que movimentará mais de três trilhões de dólares, somente considerando as novas reservas em pauta, o que será, provavelmente, o maior negócio do Brasil nas próximas décadas. Trata-se ainda do interesse direto de, literalmente, toda a população brasileira. Além disto, a decisão do governo brasileiro foi a de respeitar os contratos vigentes o que leva, como em toda mudança de modelo, à administração de uma etapa de transição.

Obrigatoriamente o modelo terá que lidar com alguns aspectos como os enumerados a seguir.

Do ponto de vista do regime a ser implantado, deve-se decidir se será um modelo único para todas as áreas ou se serão consideradas as particularidades do pré-sal ou, ainda, se se pode aplicar um modelo de risco a situações onde a hipótese de não encontrar reservas é praticamente nula.

Do ponto de vista institucional, deve-se distinguir como será aplicado o monopólio da União, art. 177, parágrafo 1º da Constituição, existindo, ao menos, dois tipos de abordagem: 1) o monopólio executado diretamente por empresa estatal a criar (com 100% ações do Estado) ou mediante contratação de empresas estatais ou privadas (sem distinção de composição acionária); 2) o monopólio somente até a concessão, como estabelecido na Lei 9478, que transfere ao concessionário a posse do óleo descoberto e praticamente todas as decisões comerciais, reservando à União apenas as tarefas de regular e fiscalizar os setores (distorção que acontece em todos os setores sob sua jurisdição).

Do ponto de vista dos recursos a serem recolhidos pelas empresas à União, titular do monopólio, existem as hipóteses do pagamento pela concessão + royalties e taxação, a propriedade compartilhada do petróleo e o pagamento de serviços.

Do ponto de vista de administração do ritmo anual de extração, ela pode ser feita regulando o ritmo das concessões[[127]] e pelo plano de exploração /produção (razões técnicas) ou por determinação direta do Estado fixando limites desejáveis.

Do ponto de vista de comercialização, ela pode ser feita por interesses comerciais ou políticos da empresa concessionária ou obedecendo a orientações do Estado brasileiro.

Rota do Modelo Monopólio

Logicamente, um modelo teórico possível e aderente ao interesse de controle do Estado seria o cumprimento integral da Constituição e aplicação, de fato, do Monopólio Estatal[[128]]. É bom entender que o Monopólio Estatal do Petróleo não foi abolido na Constituição de 1996, que diz claramente no seu artigo 177 que “Constituem Monopólio da União…a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos” e no seu parágrafo primeiro diz explicitamente que “A União poderá contratar com empresas estatais ou privadas a realização das atividades previstas nos incisos I (o anterior visto) a IV deste artigo, observadas as condições estabelecidas em lei.” . Assim, para exercê-lo na sua inteireza bastaria tão somente regulamentá-lo de forma distinta da atual, estabelecida na Lei 9478. Cumpre notar que a contratação de que trata a Constituição não poderia transferir o monopólio (direito ao óleo descoberto) por uma simples Lei, como ocorreu com a elaboração da Lei 9478. Embora esse assunto tenha sido julgado no Supremo, a leitura de seus autos demonstra que houve nítido erro de juízo principalmente por ter sido julgado que haveria sempre petróleo a menos do que o necessário no País e assim ele necessariamente ficaria no território nacional. No entanto, se revisto tal julgamento, esse argumento não seria mais válido, dado a magnitude das reservas do pré-sal.

A aplicação de uma forma mais estrita do monopólio da União, na nova situação de preços e das reservas antevistas do pré-sal é, assim, uma hipótese natural a ser considera inclusive por ter resultado dele e da competência do pessoal da Petrobrás e dos setores a ela associados a atual situação que permite ao País decidir, com domínio de todas as variáveis, o seu futuro na área. A maneira de fazê-lo deve, no entanto, considerar todas as outras variáveis envolvidas sem descartar a priori nenhuma das rotas existentes.

Uma dessas rotas é a volta ao modelo puro e simples do monopólio de 1953 criando-se nova estatal, respeitando os direitos estabelecidos. Mas, nesse caso, as empresas já constituídas, inclusive a atual Petrobras e todo o arcabouço instalado, estariam condenadas ao desaparecimento gradual no Brasil, pelo esgotamento das fontes de óleo e pelo desinteresse em investir, o que implicaria em nenhuma viabilidade política ou prática, ou de interesse nacional, dessa rota.

Nesse quadro, a questão presente, à luz da reforma constitucional de 1996, é sobre como a União deve exercer seu monopólio nas áreas do pré-sal, que implica na posse do óleo e gás descobertos. A discussão se impõe já que, quando aprovada a reforma de 1996, a destinação do óleo e gás estava praticamente definida para uso integral no País (atender a autossuficiência brasileira). Agora, com o pré-sal, haverá excedentes para exportação, o que indica, mantida a Lei 9478, o uso do óleo de acordo com interesses do concessionário, descaracterizando a Lei maior, a da Constituição. Se o Estado não puder decidir nem ao menos sobre o destino do petróleo, o monopólio é uma ficção.

Um dos aspectos a serem considerados, levando em conta a potencialidade suposta para o pré-sal, é que com a atual interpretação legal da Constituição (Lei 9478) está sendo possível contratar a execução do monopólio da União por empresas estrangeiras, estatais ou privadas, dando o direito, por exemplo, que a China, a Noruega, a Itália, a Índia, o Japão venham através de suas estatais cumprir, no Brasil, suas missões nacionais (de lá) ou que uma empresa 100% estrangeira da França, dos EUA, de Portugal, da Espanha, da Inglaterra venha ao Brasil exclusivamente para buscar o óleo de que necessita, cumprir o seu plano estratégico ou mesmo a orientação nacional (de lá). Então, para que Monopólio se o resultado da gestão do bem maior – o óleo e o gás – poderá ser de qualquer país ou de qualquer empresa bastando que ofereça um lance maior do que uma empresa brasileira? Antes, esse bem ficaria no Brasil pela determinação da Lei de que o consumo interno era prioritário. Mas, com os possíveis excedentes será enviado para o exterior, sem ação alguma do órgão legislador. Ou seja, a maior parte das jazidas de óleo do pré-sal, um bem estratégico, por isso protegido por Monopólio, será dominada por quaisquer interesses vitoriosos em leilão até mesmo de entidades ou países em conflito com o Brasil, de qualquer espécie.

Na hipótese de se aplicar, de fato, o monopólio constitucional da União na nova legislação que estabeleceria o modelo petrolífero, será necessário decidir como ele se aplicaria aos contratos vigentes. Seria também necessário decidir a maneira de aplicá-lo, já que a União não tem a agilidade necessária para o exercício direto do monopólio.

Duas hipóteses surgiram imediatamente no debate: uma delas passando pela criação de uma empresa puramente estatal; outra, pela sua atribuição a Petrobras.

A hipótese fundamental, a ser adotada se essa for a rota escolhida, é que se cuide para não haver quebra dos direitos adquiridos nos contratos regidos pelo modelo atualmente vigente, embora devam ser consideradas mudanças nas taxações e royalties em função da nova realidade e formas de operar as concessões, bem como de destino do óleo produzido. Como nas reformas anteriores (1953, 1988 e 1996), haveria um processo de transição entre o novo modelo e o antigo para levar em conta as concessões já feitas.

Rota do Modelo Criação de uma Estatal 100% da União para explorar o pré-sal

Uma hipótese, aventada como se fora excludente de outros caminhos, seria a criação pura e simples, sem discutir alternativas, de uma empresa estatal com 100% de ações do Estado que trataria de tudo que se referisse ao pré-sal na forma que o novo modelo indicasse em cumprimento ao monopólio da União.

Provavelmente, esse caminho (ou ação direta de autarquia do governo) poderá se impor (em paralelo com outros) pela existência de blocos com grandes potencialidades de óleo adjacentes a outros já concedidos e com descobertas anunciadas e, ainda, com grande probabilidade de comporem uma mesma área produtora.

Em nosso entendimento, como se verá, essa hipótese poderá compor o rol de medidas necessárias, se observado o petróleo e gás do pré-sal como sendo diferenciado em concedidos e não concedidos. Por outro lado, essa hipótese nada mais é do que cumprir o monopólio da União através de uma estatal no caso particular do pré-sal.

A consideração da hipótese da nova estatal para o pré-sal chama a atenção para a possibilidade de a Petrobras vir a executar o papel considerado para essa nova companhia, no que se refere à ação executiva, por ela sendo contratada com exclusividade. Isso porque pela Constituição, como visto, a União pode contratar com quem bem entender a execução do monopólio, o que na nova Lei poderia ser definido para a Petrobras.

Algumas referências que indicam que haveria a hipótese de se criar essa estatal, mas que ela então seria: 1. A contratante de qualquer empresa mundial ou nacional, continuando aberto o leque de concessões da Lei 9478 vigente; 2. Que seria instituído o regime de partilha para o pagamento das taxas, impostos e royalties. Nesse caso, não se estaria cumprindo o monopólio da União pois daria às concedentes os direitos de exportar sem nenhuma interferência do Estado a parte que lhes cabe na partilha, que aos preços atuais não seria menos de 50%. Ora, como falar em monopólio da União se a metade do óleo descoberto seria gerenciado, por exemplo, por uma empresa estatal norueguesa ou russa, ou privada norte-americana ou inglesa por exemplo (ver item a seguir)?

Rota do uso da Petrobras para exercer operacionalmente, em nome da União, o monopólio no Pré-sal

Não está em discussão em nenhum fórum a quebra do Monopólio estatal do petróleo e gás da União. Assim, não estaremos discutindo formas de mudar esse Monopólio, mas sim desenvolvendo e justificando formas adequadas do como cumpri-lo (respeitando seu espírito).

A hipótese do uso da Petrobras para exercer o monopólio da União na área do pré-sal surge naturalmente como consequência de seu caráter de empresa estatal, pela competência demonstrada quando no exercício desse monopólio até 1997 e, muito importante, pelo domínio da tecnologia pioneiramente no mundo, o que lhe diferencia da maioria das empresas postulantes dessas áreas. Assim, chamá-la para executar essa missão seria um ato soberano natural[[129]] como se verá.

Dos problemas levantados em relação ao petróleo do pré-sal o de mais fácil solução teórica é do equacionamento da distribuição dos ganhos entre governo e a empresa executora das atividades estabelecidas para o monopólio. Mas, é bom não se iludir com essa tese já que, do ponto de vista prático, sempre haverá dificuldades em aplicar o que será visto como uma taxação que repasse ao governo a parte mais substancial dos lucros[[130]].

Deve-se observar, porém, que os aspectos mais determinantes para a mudança na Lei 9478 são os que exigem que o Estado exerça o controle sobre o ritmo de exploração e produção e sobre a destinação do petróleo produzido e que exerça, enfim, o monopólio definido claramente na Constituição Federal. Na Constituição define-se que a União “poderá contratar com empresas estatais ou privadas a realização das atividades previstas nos incisos I a IV deste artigo, observadas as condições estabelecidas em lei (incisos definem o monopólio)”. Ora “poderá” não é o mesmo de “deverá” muito menos de “será obrigada a dar iguais condições a empresas estrangeiras em disputa com estatais nacionais” e nem mesmo que “poderá dar parcelas do óleo descoberto em pagamento, sem nenhuma ação estratégica sobre a produção”. A Lei maior, da Constituição, é a do Monopólio, sendo que sua execução não pode, por vias transversas de leis frouxas, ser descumprida.

Estes aspectos requerem que o Estado detenha o poder majoritário sobre a concessionária estatal e não que ela não tenha sócios minoritários. Como foi mostrado, a atual legislação – obrigando que óleo e gás somente sejam explorados por concessionárias ganhadoras de blocos em leilão – permite em decorrência que empresas inteiramente estrangeiras, até mesmo as estatais estrangeiras, exerçam atualmente o monopólio de petróleo em nome da União, essa é a verdade.

Paralelamente a isto, têm sido levantadas restrições à hipótese Petrobras, em sua atual configuração, como agente do monopólio da União. Mas, por qual razão o Brasil teria que se contentar em contratar empresas estrangeiras, inclusive estatais de outros países, e não poderia assumir que quer contar preferencialmente com uma empresa estatal sua, com maioria de capital votante da União e, também, maioria de capital acionário em mãos de brasileiros e da União, na qual os eventuais sócios estrangeiros não têm direito a voto majoritário? Teria que aceitar dezenas de empresas, na verdade a totalidade delas, com menor experiência do que a Petrobras na questão do pré-sal e das águas profundas? Como se vê, bastaria, em princípio, que se mudasse a Lei 9478 e se inserisse os mecanismos para a União contratar a Petrobras ou outra estatal para executar o Monopólio que já existe na Constituição[[131]].

O argumento que eliminaria a Petrobras da exclusividade na contratação pela União seria a existência de sócios minoritários na estatal. Mas, diante do interesse nacional maior e havendo essa empresa da União reconhecida no presente como uma das maiores e melhores do mundo, por que não? Como justificar com a mesma argumentação que uma empresa estatal, digamos chinesa com 100% de capital do Estado Chinês, ou qualquer multinacional estrangeira, possam, pelo artifício do Leilão, serem donas de 100% do óleo produzido e dos lucros líquidos gerados[[132]] e levá-los para a China ou para onde desejarem para realizar seus também objetivos estratégicos, ação que seria vedada à Petrobras, estatal da União? E, ainda, fazer o uso que quiser da totalidade dos lucros e depreciações e tomar todas as decisões sobre como investir no Brasil ou no mundo com os resultados gerados, em contraposição ao que ocorreria com a Petrobras, cujas decisões seriam definidas pela União como sócio controlador, os minoritários sem direito a qualquer regalia, a não ser receber uma parcela dos lucros auferidos – equivalente a 10% dos lucros? Dar 100% dos lucros para acionistas majoritários de uma empresa estrangeira pode, mas dar 10% dos lucros para acionistas minoritários sem direito a voto não pode!

A argumentação que a Lei do Petróleo obriga a que se faça concessões sem restrições e que não se pode favorecer um grupo de acionistas privados da estatal Petrobras é um sofisma pois a Lei pode ser mudada inclusive no que se refere ao percentual máximo futuro na participação acionária de estrangeiros. Sob os pretextos de dar igualdade de condições para os concorrentes no mercado, dar competitividade à Petrobras, atrair capital e tecnologia para explorar imensas áreas nunca antes investigadas, alcançar a tão sonhada autossuficiência e mantê-la (jamais se pensou em exportações significativas por não se imaginar fertilidade em óleo e gás no País), cunhou-se o item da Lei 9478 que obrigou que somente poderia haver exploração e produção no Brasil de óleo e gás por concessionárias estatais ou privadas (estrangeiras ou não)  que adquirissem blocos em leiloes abertos a todos. Poderia simplesmente o legislador ter inserido um simples parágrafo que dissesse: Parágrafo Único – Em casos especiais, com justificativa ao Congresso, a União poderá conceder diretamente blocos e áreas para a exploração e produção de óleo e gás para empresas do ramo nas quais detenha maioria de capital. Como já discutido, a Lei presente obriga que se faça concessões abertas, mas não mais prevalecem as premissas que a sustentaram. Não há mais necessidade de tecnologia de outros que não a Petrobras (ela detém a melhor tecnologia para o pré-sal e águas profundas e foi a descobridora dessa área); não haverá escassez de óleo; as áreas a serem pesquisadas são da ordem de 160 mil km2 e não mais 5.000 mil km2 para efeito do pré-sal; o capital para o pré-sal, na velocidade de exploração que é conveniente para o Brasil, a Petrobras levanta facilmente (ver acordo recente com a China e recente plano estratégico da empresa). Supondo que as premissas que instruíram a Lei ainda vigente continuassem válidos nada haveria a fazer. Mas, como mudaram, e radicalmente, há que alterá-la para se adequar a realidade presente.

Exigir que a Petrobras seja obrigada a concorrer em igualdade de condições com todas as demais empresas interessadas no pré-sal é uma deturpação do espírito das regras da concorrência que não se aplicam quando há o interesse de Estado (isso vale em qualquer lugar do mundo). Em havendo um interesse maior de Estado, capacitação técnica inequívoca reconhecida mundialmente e domínio da União nas decisões é líquido e certo que se pode utilizar a estatal[[133]]. A Lei que criou a Petrobras em 1953 permitiu que ela tivesse sócios brasileiros (somente) até 49% do total de ações e, ainda assim, exercesse o monopólio integral em nome da União. No presente, decisões de governo e leis a levaram a expandir a base numérica de sócios brasileiros para mais de 200.000 e a admitir sócios estrangeiros (uns 40% do capital) sem direito a voto, mas a mantiveram estatal. Ou seja, salvo em pagamento maior de dividendos, nada mudou no espírito que antes permitia que a Petrobras exercesse o Monopólio em nome da União.

A Lei 2004 de 1953 se preocupava com a possibilidade de interferência estrangeira (governos e grupos) nos destinos da nascente empresa, somente por isso proibia a presença de estrangeiros na composição do capital. Agora, a preocupação é com o destino dos lucros e do óleo produzido e com a velocidade de extração e não com as ações dos sócios estrangeiros ou nacionais nas decisões da Companhia que não existem, pois são minoritários. Em resumo, manteve-se a Petrobras como estatal para executar ações de interesse do Estado (essa a regra constitucional para existir uma estatal), mas quando se trata de explorar o bem mais valioso na cadeia produtiva, objeto de sua razão de ser, chamam-se todos os países e empresas para agir, de forma a proteger os interesses de uma minoria dependente do óleo de nossas reservas ou com capacidade tecnológica para enfrentar o desafio.

Outro sofisma que nunca é discutido no caso do pré-sal e das águas profundas (observado do ponto de visa tecnológico) é a questão da concorrência. Nunca houve ou haverá concorrência de fato no caso do pré-sal que mereça a atenção do legislador para garantir proveitos ao Brasil. Se falando em exploração em terra nas profundidades convencionais, milhares de empresas do País e do mundo estão aptas para concorrer no nosso território, justificando um aparato legal para garantir essa evolução. Mas ao se falar em exploração em camada do pré-sal, incluindo águas profundas, somente Shell, Exxon e talvez BP e Total (e não mais que duas outras empresas) poderiam ser credenciadas pelo Brasil, se criteriosamente, para liderar consórcios para explorar e produzir óleo e gás no litoral brasileiro. Assim, toda a grita do “mercado”, toda a defesa da livre concorrência, toda a postura de respeitar as regras do mercado se restringem a oferecer a área do pré-sal a duas a quatro empresas privadas multinacionais estrangeiras. E além de tudo, nenhuma delas detém capacitação superior conjunta – em águas profundas e pré-sal – à da Petrobras. Enganam-se os que dizem que nessas áreas já estariam várias concorrentes ou para ela viriam dezenas de outras. Não é assim, há liderança da Petrobras, da Shell, da Exxon em vários blocos compondo com dezenas de empresas que entram aportando capital, mas não tecnologia que faça alguma diferença substantiva e decisiva.

Ou seja, se mantidas as concessões, seja pela lei anterior seja pela nova estatal se conceder livremente, para o pré-sal o resultado será no seu conjunto mais significativo: 1. De duas a quatro empresas estrangeiras (nenhuma nacional privada) comporão e liderarão consórcios atendendo basicamente seus interesses estratégicos de ter reservas e suprir seus países de origem em primeiro lugar, no caso EUA, Inglaterra, Itália e França (provavelmente dividirão áreas para não inflacionarem a disputa entre si) e de buscar recursos adicionais para a empreitada; 2. A Petrobras disputará, como líder de consórcio as mesmas áreas se associar com estatais e empresas da China, Japão, Coréia do Sul, empresas alijadas do interesse das demais concorrentes do item 1 e com as próprias empresas do item 1 (elas acabam se entendendo para diversificar seus riscos e conhecer detalhes da exploração e produção praticada pela liderança do consorcio, admitindo a concorrente no conjunto). Assim a tal concorrência é, em última análise: 1. Disputa de poucas e gigantescas empresas para dominar reservas de óleo e gás; 2. Atendimento de interesses estratégicos de outros países sem reservas de óleo; 3. Disputa de gigantescas empresas na captação de capital para explorar o mais rápido as suas reservas conquistadas. Tudo seria natural se o Brasil não dispusesse de tecnologia e condições de ponta para explorar tão estratégicas reservas.

Existiriam duas rotas teóricas para a reintrodução de fato do monopólio.

Uma primeira rota, com monopólio de abrangência geral e integral, como quando o monopólio foi instalado em 1953, que consideramos como inviável, dados o vulto dos negócios em questão, os direitos adquiridos e o componente político vigente. Essa rota teria a Petrobras com executora única do monopólio e implicaria em não reconhecer mais as concessões já feitas (nacionalização de ativos)

Outra, uma segunda rota, seria estabelecer dois estatutos em paralelo:

1. Parte um, seguindo a Lei vigente (monopólio com concessões em leilões) para blocos já concedidos (não incluindo nada sobre pré-sal concedido direto ou em blocos convencionais) e para todas as futuras concessões de áreas convencionais (feitas adaptações quanto a taxas e limites de produção);

2.Parte dois, cumprindo integralmente o estatuto do monopólio estatal (porém direcionado e não por concessões abertas) para os blocos de pré-sal não concedidos, de áreas concedidas com pré-sal já sabido e áreas concedidas como blocos convencionais e que possam conter áreas do pré-sal, e para toda e qualquer nova área que se mostrar acima das expectativas normais na concessão convencional (mas respeitando direitos em relação ao pré-sal já concedido, como se verá) .

Juridicamente seria, então, estudada a possibilidade da Petrobras, na sua configuração atual, executar o monopólio em nome da União como indicado na Parte dois. Também poderia ser estudada, como dado básico, a hipótese de reconfiguração da estatal ao seu modelo anterior a 1997 de forma a cumprir integralmente o mesmo papel de antes (hipótese exclusivamente didática).

Nesse quadro, a rota de dupla configuração com dois estatutos manteria o sistema produtivo nacional intacto e com horizontes confortáveis para toda a era do petróleo e do gás. A Parte dois do Monopólio estatal direcionado poderá ser instalada mais à frente, como se verá, sem prejuízo algum para o sistema atual.  Enquanto não se resolver o novo modelo, as empresas concessionárias se aplicarão na exploração dos seus blocos, se quiserem, ou aguardarão o novo modelo, mas sabendo de antemão que verão seus gastos e direitos respeitados, no que for essencial.

Rota das Concessões e das Partilhas [[134]]

Também, como ideia ainda reducionista há as rotas de manutenção exclusiva das Concessões (como feito no presente) com ajustes ou estabelecimento exclusivo do modelo de Partilha de Produção. Do ponto de vista de ganhos diretos para a União, os dois modelos são idênticos e, se somente essa fosse a questão, o modelo das Concessões seria o preferido. Isso porque, seja um seja outro, busca-se o máximo de ganhos, o que pode perfeitamente constar do contrato de exploração, e nenhuma concessionária irá oferecer mais do que o que julgar razoável para manter o seu retorno só porque se muda o estatuto legal (pagamento em óleo ao invés de Reais). Assim, se bem feitos, os dois contratos, estritamente do ponto de vista financeiro, seriam equivalentes e então bastaria ao País ajustar o como cobrar a mais nos novos contratos de Concessão (como aceitam as empresas que exploram o negócio no País) sem nada mudar de efetivo no Modelo vigente.

Vale notar que os defensores da manutenção do status quo alegam que sendo iguais as remunerações nada precisa ser mudado (salvo alterar as taxas atuais). Logicamente não evidenciam o interesse estratégico das empresas no domínio do destino do óleo nem reconhecem (ou conhecem) o que o Brasil poderia ganhar por dominar esse destino no todo ou em parte.

Então, observadas outras facetas da questão, Concessão e Partilha levam a resultados completamente diferentes quando aplicados.

Vejamos exatamente o porquê da afirmação anterior. Suponhamos que os blocos adjacentes ao bloco do Tupi e outros tenham, por hipótese, 30 bilhões de barris de óleo. Concedê-los, no Modelo atual, implica em passar para o ganhador do leilão um bem inexistente no mercado (no grau de certeza e volume do pré-sal, 30 bilhões de barris ainda a conceder pelo menos) e o direito de levar esse óleo para quem bem entender, até mesmo para qualquer futuro desafeto do Brasil, concorrente ou que esteja com disputas no comércio exterior, isso por várias décadas. Pelo Modelo de Partilha, boa parte do óleo (da ordem de 50% ou mais) seria entregue ao Estado (o óleo das áreas não concedidas e boa parte do óleo das áreas já concedidas) e servirá de moeda de troca para o Brasil conquistar acordos especiais com a China, Índia, Japão, Coréia do Sul, Argentina, EUA e outros pelo simples fato de garantir fornecimento (além, é obvio, de receber o mesmo preço que qualquer empresa privada alcançaria). O Brasil gerando um superávit importante na balança comercial terá que decidir, até para evitar a doença holandesa, de quem e o que importar para favorecer seu desenvolvimento. Com a garantia no suprimento do petróleo sendo uma variável importante no comércio mundial, haverá espaço para acordos que beneficiem ambas as partes, como foi o caso, em passado recente, das importações brasileiras do petróleo argentino.

Então é importante considerar que: as “minas de ouro de qualquer país”, que no Brasil serão as jazidas do pré-sal, têm quatro valores bem distintos:

i. o valor estratégico que permite ao País ganhar pontos pelo simples fato de tê-las e ser respeitado por isso e por saber explorá-las e bem vendê-las e, assim, ganhar no índice de sustentabilidade (atraindo investidores de todo lado e ramo [[135]]);

ii. o valor por poder escolher seus parceiros para exportação e ganhar contrapartidas extras de seu interesse;

iii. o valor por poder inserir o óleo e gás na Política de Desenvolvimento Produtivo no ritmo que entender ser de seu interesse;

iv. o valor econômico-/financeiro em si resultante da movimentação de um bem cujo valor de mercado seria de US$ 3,0 trilhões de dólares posto fora da terra.

Mas, se concedida a posse do petróleo descoberto, essas jazidas perdem totalmente seu valor econômico /estratégico como antes apresentado. Assim, a Partilha pelo fato de destinar parte da produção para a União, mantém, ainda que parcialmente, as vantagens como antes visto. É por isso que se fala nessa rota.

Por outro lado, fixar em Concessões ou Partilha, sem outros cuidados, resta a ideia da porta aberta para pressões, como já se vê no presente, de defesa acirrada do estatuto de concessões, de pressa em cumprir calendários, de censuras contra exclusões de áreas nobres do último leilão, de cobranças para revogar os cancelamentos feitos, deixando os mais cautelosos e defensores de outros caminhos na berlinda sendo “mostrados” como cidadãos de pensamentos arcaicos, saudosistas. Em país mais desenvolvido e com boa formação de defesa dos seus direitos[[136]] os lobbies não têm o sucesso que têm em países em desenvolvimento, onde então se torna imperioso à instituição de leis mais fortes na defesa dos interesses nacionais permanentes. Em momentos de descuido dos governantes e reguladores o sistema acaba sendo levado a aumentar o ritmo das concessões (que trazem sérias incertezas, como visto) justamente pela influência que as concessionárias e seus países tentarão exercer no Brasil, como sempre o fizeram no passado recente.

A título de reflexão vamos imaginar uma de lobbies nos EUA. Suponhamos que a mídia local e os formadores de opinião daquele país saíssem a campo para defender abertamente e contundentemente que governo do Presidente Obama deveria deixar as montadoras GM, Ford e Chrysler falirem e, mais ainda, que deveriam ser chamadas as montadoras da Inglaterra, da França, da Alemanha, da Itália, do Japão, da China e da Coréia do Sul, todas com tecnologia melhor e mais competitivas que as norte-americanas, para ocuparem o seu lugar. Houve ou haveria espaço para isso?

Rota variante

Tem sido aventada a hipótese de se reservar o óleo do pré-sal para exploração pela União (criando estatal ou não) e se conceder a sua exploração e produção no modelo de prestação de serviços, pagos com óleo ou valor prefixado ou percentual do valor apurado na venda do óleo-/gás, direto para a Petrobras ou em leilões.

Logicamente, a nenhuma empresa privada integrada de óleo essa rota apresenta interesse maior, pois que o prêmio de maior valor é o óleo e gás em si, através do qual cumprem seus objetivos. No entanto, essa rota nada mais é do que um misto das rotas anteriores, é usada no mundo largamente (onde há monopólios de fato) e já foi usada no Brasil com os contratos de risco na década de 70. Algumas companhias acabam aceitando esse caminho para contar com o pouco de óleo (nos casos de pagamento por óleo) e para estarem no cenário local na expectativa de abertura futura. Por pagamento puro e simples em moeda não seria nem aconselhável tentar, pois a receptividade seria muito pequena, salvo se oferecidos altos valores unitários por barril produzido[[137]].

Outra alternativa seria o governo acertar com a Petrobras tal rota, contando com toda a sua estrutura para todas as ações, inclusive de venda, transferindo-lhe uma parte do óleo descoberto para compensar desde seus serviços de pesquisas, exploração, produção, transporte e marketing. Essa rota nada mais séria do que um Contrato de Partilha, só que direcionado para uma única empresa estatal. A Petrobras ganharia por diluir seus custos em maior movimentação e o governo ganharia por ter custos menores, podendo assim repassar melhores condições para a estatal.

Uma Proposta Integradora de Rotas e Cuidados para um Novo Modelo para o Setor Petróleo e Gás

Como se viu, há várias maneiras reducionistas de se encarar a nova era do petróleo e do gás do pré-sal. Nenhuma delas isoladamente atende à maioria dos interesses ou direitos válidos. Algumas delas não respondem aos desafios do como gerenciar a fartura e impedir a enxurrada de divisas, ou então evitar a outorga de áreas premiadas, mantendo modelo feito para áreas de risco exploratório. Assim, a forma natural de resolver a questão será dimensioná-la e adotar soluções compostas de rotas agrupadas de forma inovadora[[138]]. O reducionismo, como visto, somente procura atender interesses específicos sem se preocupar com os danos decorrentes por não cobrir outras facetas da questão (ou desconhecê-los).

Então, até mesmo para evitar radicalizações futuras ou, em caso contrário (fechamento absoluto) e retaliações desnecessárias, a ação inteligente será estabelecer o novo marco com posições bem claras para:

      1. Colocar o Brasil como um dos atores principais no cenário petrolífero mundial, não mais em ótica de uma falta crônica de óleo, de divisas ou de licenças dos vários interesses para legislar livremente;
      2. Garantir o interesse nacional quanto à maximização dos resultados financeiros, econômicos, tecnológicos, sociais e estratégicos, transformando de fato e de direito óleo e gás nacionais em molas mestras do desenvolvimento sustentado brasileiro, considerando toda a cadeia de valor e a sociedade como um todo;
      3. Fixar e fortalecer a ação do Estado no que se refere ao inusitado – a existência de reservas jamais cogitadas – o que é seu direito; e de áreas com certeza de existência de óleo, portanto não mais de risco [[139]];
      4. Em linha com o item anterior, garantir o desenvolvimento sustentado da economia, fazendo do petróleo e do gás a alavanca que faltava para avançar na velocidade máxima que os cérebros brasileiros souberem definir, não permitindo em hipótese alguma que enxurrada de divisas venha a desestabilizá-la;
      5. Aprimorar o estatuto vigente para cuidar das áreas que tenham as características convencionais utilizadas para a feitura da Lei vigente, o que valoriza a ação tomada em 1997 (desde que continue a ser aplicada somente dentro dos fundamentos que a orientaram);
      6. Aprimorar o estatuto vigente para cuidar das áreas de características excepcionais do pré-sal, que não se enquadram em nada no contexto da Lei vigente, que nada previu sobre o assunto na dimensão em que ele se apresenta;
      7. Considerar o crescimento de sua estatal Petrobras internamente e no mundo, como um dos importantes agentes do desenvolvimento sustentado nacional.

Ou seja, reconhece-se o direito do Estado de controlar o que julgar que pode desestabilizar o segmento e, ao mesmo tempo, reconhece-se o que seria a evolução havida em 1997, porém aprimorando-a no que tange aos interesses do Estado.

Deve ser motivo de reflexão que a rigor toda a discussão e alarde sobre abertura para concorrência mundial, igualdade de oportunidades, busca de tecnologia trazem erros de lógica como:

      1. Como já descrito, somente seis empresas no mundo, no máximo, além da Petrobras poderão de forma independente chegar à tecnologia de águas profundas conjugadas com “terras profundas no leito do mar” e ao mesmo tempo com exploração e produção na camada do pré-sal, zona nova e desconhecida para todas menos para a Petrobras e talvez mais duas companhias. Portanto, não se trata de clamor mundial abrangendo várias dezenas de empresas que poderiam vir para o Brasil trazer sua experiência;
      2. Dessas seis empresas, as duas mais capacitadas estão com concessões (sozinhas ou em consórcio com a Petrobras), as quais no modelo que imaginamos terão muito que fazer no País. Assim, sobrariam somente quatro empresas que efetivamente poderiam tentar o desenvolvimento tecnológico para enfrentar o desafio;
      3. Todas as demais companhias do mundo e do Brasil somente teriam condição de entrar no pré-sal em associação com a Petrobras, ou com as duas que já estão no Brasil. Por outro lado, uma centena de empresas depende digamos desesperadamente de conquistar reservas em países concedentes, mas nada a ajudá-los;
      4. Se, como propomos, a maioria do petróleo ficar sob domínio da União (a Petrobras representando os interesses de Estado nos negócios de exportação). os países carentes de óleo certamente oferecerão contrapartidas ao Brasil para ter preferências na compra de parte desse óleo ou seus derivados, esse o valor estratégico;
      5. Também, a Lei pode permitir que a Petrobras em nome da União faça algumas parcerias com empresas de interesse para o País e que possam oferecer contrapartidas, como explorar com preferência óleo nas suas áreas no exterior.

Modelo abrangendo óleo e gás de áreas convencionais já concedidas ou a conceder, revisando o estatuto vigente onde couber, porém mantendo sua estrutura básica.

Imaginamos que a proposta governamental em finalização poderá sugerir manter o modelo vigente e o sistema atual de Concessões no caso de áreas convencionais (portanto, não incluindo mais blocos do pré-sal nos leilões), concedidas ou a conceder, porém poderiam ser introduzidas as seguintes alterações na Lei 9478 vigente:

1.1. As empresas continuariam, para os blocos /campos convencionais, submetidas aos mesmos regulamentos atuais[[140]], exceto no que mudar de acordo com explicitado no texto a seguir e exceto no que se referir a quaisquer  blocos /campos,  em áreas do pré-sal, independente da época e do como foram concedidos (ver tudo que se refere ao pré-sal no item 2);

1.2. A ANP continuaria leiloando áreas convencionais no mesmo modelo atual[[141]], porém em ritmo que levaria a produções de acordo com limites estabelecidos no novo regulamento;

1.3. Haveria dois limites de produção de óleo a serem respeitados:

i. Limite máximo e mínimo[[142]] para produção dos campos convencionais. O limite máximo seria compatível com as instalações e concessões atuais e estima-se seria na faixa de 1.5 a 2,0 milhões de barris por dia, o que abria caminho para novas concessões de áreas convencionais. O valor mínimo seria definido posteriormente, pois não há pressa para isso e em nada atrapalharia a ação das empresas concessionárias ou interessadas em leilões;

1.4. As taxas para os campos convencionais (em produção ou não e de novas concessões) seriam alteradas de forma a elevar a arrecadação da União [[143]] :

i. Para as concessões de campos convencionais já em produção ou a produzir, criar-se-ia taxa para a União, sugerindo-se um mecanismo adicional de cobrança que espelhe uma apropriação de parte dos ganhos líquidos verificados com a escalada do preço do óleo acima do limite de US$ 30 o barril (além do que já é cobrado);

ii. Para as novas concessões, seria considerado também o mesmo modelo de cobranças presente, mas seria introduzido um mecanismo que espelhasse uma cobrança maior dos ganhos, já pensando nessa nova realidade de preços e de possível produtividade.

1.5. Uma empresa poderia, respeitados os limites específicos e o total, negociar com a ANP aumento de produção em campo de melhor produtividade e lucratividade de sua concessão, sem perda de direitos no campo que diminuiria ou retardaria a produção. Porém, qualquer empresa seria obrigada a cumprir sua cota geral de produção, sem o que perderia os direitos estabelecidos [[144]];

1.6. Dadas a inflação no aluguel de equipamentos e mesmo a falta deles no mercado, as empresas poderiam solicitar extensão de prazo em suas obrigações, podendo a ANP negociar até 3 anos de prorrogação no caso de concessões no mar e um ano nos casos de campos em terra para as empresas com concessões na área do pré-sal, bem como teriam seus prazos revistos tendo em vista o estabelecido no item 1.3, de forma a que não sejam prejudicadas [[145]];

1.7. A Lei deveria prever mecanismos que venham a incentivar exploração e produção em regiões de baixa produção (vazão de óleo ou gás) operadas por empresas nacionais com interesse somente em terra. Notar que os volumes de produção dessas áreas seriam reduzidos comparados com os dos campos do mar ou os de descobertas maiores em terra [[146]];

1.8. No caso de descobertas que venham a indicar formações com potencial de produção superior a, digamos, 200.000 barris por dia, elas (as não concedidas na data da promulgação do novo regimento) deveriam ser consideradas áreas especiais e serem tratadas como no caso agora previsto para as áreas do pré-sal ainda não concedidas (ver item 2).

1.9. Muito importante, deveria ser estipulado rígido destino para os recursos federais adicionais (com cláusula impedindo o uso para outros fins quaisquer que sejam). Eles seriam aplicados exclusivamente em projetos de planos nacionais formais (como os PACs atuais), em infraestruturas, na ciência e tecnologia, na educação profissionalizante, na conservação de energia, na redução das emissões de carbono, no PROMINP, na criação do parque nacional exportador no campo das energias fosseis, em outros segmentos a determinar, sendo vedada a sua aplicação em custeio, e em qualquer outra área que não resulte diretamente em vantagens competitivas para o País. Neste caso, seria adotado profundo alinhamento com a avaliação da Produtividade do Capital [[147]] a ser aplicada com o objetivo de alcançar a sustentabilidade do crescimento econômico almejado pelo País. Ou seja, esses recursos não poderiam ser inflacionários e teriam que representar aplicações que retornassem com a maior taxa possível (investimentos gerando riqueza) (ver proposta no item 2).

1.10. Também deveria ser reestabelecida norma bem definida para as aplicações dos recursos pela União, Estados e Municípios dos Royalties e a das Participações Especiais de forma a garantir de vez a eficácia da aplicação dos recursos gerados, no momento parte sendo dilapidados em aplicações sem retorno ou não geradores de riqueza ou simplesmente sendo contingenciados.

1.11. A produção de gás seria definida para atender demanda interna, e se grandes jazidas de gás forem descobertas, as novas áreas passariam para o caso do item 2. Se essas descobertas, no regime 1, forem superavitárias, haveria contingenciamento da produção sempre ligado ao suprimento interno. Somente seriam consideradas hipóteses de exportação de gás se a razão reservas sobre produção superasse 50 anos, ou outro valor a ser definido pela Lei. Claro, no caso de produção associada superavitária, a questão deverá ser resolvida à luz das possibilidades de incremento de demanda, de explotações pontuais, de economia de produção de áreas de gás não associado, de menor concessão de áreas propícias para gás não associado. Também, torna-se claro que as importações de gás seriam respeitadas, o que pode gerar exportações por conta dessas importações ou renegociação de contratos cedendo direitos e recebendo compensações.

2.  Modelo abrangendo óleo e gás da camada do pré-sal (concedidas ou não) ou de futuras áreas assemelhadas em termos de volumes e possibilidade de produção

Imaginemos que deveria de fato ser criado todo um novo aparato regulador para concessão e execução de atividades para as camadas do pré-sal e assemelhadas[[148]] distinguindo: i. os possíveis campos de blocos de pré-sal já leiloados (inclusive na área do pré-sal abaixo dos campos convencionais já contratados; ii. os blocos não leiloados na camada do pré-sal ou assemelhados.

2.1. Para os blocos já concedidos da área do pré-sal e para as possíveis explorações abaixo de áreas convencionais já concedidas, mas situadas na área do pré-sal.

Seria estipulado o sistema de Partilha de Produção com posse de parte do óleo pelas empresas concessionárias. O pagamento de royalties e taxas seria em óleo, ou gás e a União através da Petrobras faria a comercialização dessa parte da Partilha. De fato, essa é a única mudança de peso, porém sempre lembrando que: i. o valor do óleo ou gás entregue ao governo seria exatamente o mesmo que seria pago em valor à União; ii. essa mudança decorre do desequilíbrio dos contratos já assinados, que jamais previram como agir no caso de descobertas excepcionais no que concerne aos interesses nacionais, e que as exportações de excedentes teriam um caráter estratégico para o País.

Seria estimado limite de produção por ano, pela CNPE e, deste limite, a produção para cada empresa determinada pela ANP, de forma a compatibilizar todos os interesses econômicos (governo, empresas), estratégicos e sociais. A partir desse limite, as empresas ajustariam seus projetos de desenvolvimento da exploração e produção para as áreas do pré-sal já concedidas e áreas sob campos convencionais concedidos, ou conforme consórcios, com se verá a seguir [[149]]. Essa mudança decorre de tudo o que já foi explicado. A Lei vigente não previu o caso de abundância de descobertas de grandes volumes e, portanto, não previu que poderia haver inflação de oferta com desequilíbrios incontornáveis na economia pela geração excessiva e momentânea de divisas (Doença Holandesa).

Não será fácil definir o limite, mas os órgãos que assessoram o CNPE , principalmente EPE, MME, MF e MPO deverão compatibilizar: capacidade do País de absorver os dólares de exportação, estimativas de reservas nacionais, nível de reservas /produção compatível com as reservas estimadas, custos e possibilidades da produção em áreas convencionais, interesses empresariais em jogo, relativos a investimentos feitos, necessidade de avançar na camada do pré-sal, espaços para a produção das áreas a conceder que terão outro limite.

Deve ser entendido que hoje há um limite, mas de outra ordem. As companhias são obrigadas/levadas a produzir, em cada bloco concedido, o máximo técnica /geologicamente possível no menor tempo também empresarialmente possível, sob pena de perder a concessão ou de não verem seus projetos aprovados pela ANP. A lógica da Lei e do Regulador foi a de colocar o petróleo mais rapidamente em cena no pressuposto de que sempre seria conveniente para o País a sua rápida produção – Cenário de escassez. No Cenário de fartura, como vimos, a entrada de divisas, se regulada somente pelo lado do interesse das companhias produtoras, poderá ser desastrosa, se todas as possibilidades do pré-sal se confirmarem.

O limite a ser estipulado consideraria, por exemplo para explicação didática [[150]], inicialmente o horizonte de até 2 milhões de barris por dia a ser alcançado no prazo que for necessário para se fazer o uso adequado das divisas geradas e para as empresas, universidades e toda a cadeia de valor se enquadrem para tal arrancada[[151]]. Logicamente esse limite teria a ver com o andamento da produção pelo sistema convencional, podendo crescer a depender do que acontecesse nos campos convencionais e do interesse das companhias em migrar produção. O limite por empresa acompanharia o seu percentual em descobertas nessas áreas já concedidas. Haveria troca de volumes de óleo, tentando que tudo se passasse como se existisse uma área única que entrará em operação progressivamente. Isso diminuiria os impactos em custos e investimentos, em necessidade de financiamentos. A empresa que aderisse buscaria a sua produção isolada de acordo com sua cota.

A produção do pré-sal junto aos campos já em operação poderia aproveitar ao máximo as instalações existentes de forma a maximizar os resultados, o que permitiria que a empresa adiasse a produção convencional em troca da camada pré-sal, se isso fosse tecnicamente possível e desejado e não criasse nenhuma perda nas reservas convencionais existentes. Nesse caso, a cota da empresa seria a que teria direito na ótica do pré-sal mais a que produzia na zona convencional.

A remuneração da União se faria em óleo (razão: domínio do destino do óleo, fator estratégico nas próximas décadas), que seria comercializado pela Petrobras (orientação do governo em termos de destino preferencial) sob pagamento de um percentual para cobrir custos e investimentos em infraestrutura.  As empresas teriam direito à posse de um percentual de óleo ou gás (razão: garantir expectativa de direitos já que são concessões feitas) a ser definido e que cobrisse seus custos e lucros. Em princípio não haveria royalties e taxas, já que todos os recursos resultantes da venda pela União do óleo recebido na Partilha seriam convertidos em ações e projetos de interesse nacional, portanto de todos indistintamente, estados e municípios (ver sugestão de aplicação mais ao final).

Qualquer empresa poderia aumentar sua produção na área do pré-sal por postergação de exploração e/ou produção em áreas convencionais em seu poder, submetendo o assunto à ANP para ajustes de prazos e etapas comprometidos;

Todo o óleo do pré-sal dessas áreas poderia ser produzido em regime de Consórcio considerando que a maioria das empresas estão em associação com a Petrobras e, assim, ao invés de começarem projetos isolados e, portanto, não otimizados, seria feito um grande acordo não só unitizando campos adjacentes, como incorporando reservas de outras áreas não adjacentes. Cada empresa teria uma cota de produção de acordo com suas reservas, que nos próximos 5 anos provavelmente estarão conhecidas[[152]] (ver item 1.9 e 1.10 anteriores).

2.2. Para as áreas ainda não concedidas do pré-sal

A União, para resguardar seus direitos e deveres constitucionais, como detentora do óleo existente na zona do pré-sal, sabendo de antemão das potencialidades das possíveis reservas a serem descobertas, e em vários casos do risco zero na exploração, terá que buscar um novo modelo, inclusive por existirem campos não concedidos, porém adjacentes a outros já com descobertas anunciadas. Nesse caso, os blocos deverão passar por processo de unitização (reunião de todas as concessões vizinhas como se fora um único bloco).

A solução, considerando o exposto no parágrafo anterior será a União assumir de fato o direito de explorar essas reservas. Para isso, como visto, teria vários caminhos. Escolhemos como proposta os seguintes:

        1. Utilizar a Petrobras para explorar essa camada em seu nome, conforme permite a Constituição, definindo um contrato de Partilha de Produção com a própria Petrobras ficando ela encarregada de comercializar o óleo segundo diretrizes para todo o volume produzido e constando de: preços de mercado; direcionamento para mercados de interesse do País
  1. II Ou criar uma estatal nova para explorar a camada do pré-sal não concedido, valendo-se da Petrobras para prestação de serviços ou trabalho com Partilha, a depender de interesse da estatal [[153]].

A escolha da primeira alternativa é a mais lógica, por ser a de menor custo, maior sucesso potencial, melhor retorno para o País pela tradição da Petrobras no cumprimento de missões nacionais [[154]].

Todas as taxas e royalties serão unificados em nova ótica, totalmente repassados através do óleo cota da União. O valor do óleo direito da União, tiradas as despesas, terá destinação estabelecida em Lei e não passível de contingenciamento ou trocas de aplicação.

A destinação de que trata o parágrafo anterior poderia ser, como exemplo, (a título de abertura de debate):

50% em projetos de planos nacionais formais (como os PACs atuais), porém em setores selecionados como em infraestruturas e transportes, ciência e tecnologia, educação (profissionalizante com maior destaque inicial para acompanhar de perto o crescimento industrial), conservação de energia (no conceito nacional como mudanças de modais de transporte, metrôs, pesquisas para gastos menores de energia e assemelhados), PROMINP e outros projetos de mesma estrutura com vistas ao desenvolvimento nacional), criação do parque nacional exportador no campo das energias fósseis, desenvolvimento de indústria de alta tecnologia, sendo vetada a sua aplicação em custeio, e em qualquer aplicação que não resulte diretamente em vantagens competitivas para o País. Neste caso será adotado profundo alinhamento com a medição da Produtividade do Capital a ser aplicado de maneira assegurar a sustentação do desenvolvimento pelo retorno dos investimentos realizados;

A cada três anos o governo federal reavaliaria os segmentos que receberiam os recursos e desde que exclusivamente respeitados os critérios da Lei a ser aprovada (o novo Modelo) os limites estabelecidos, os aportes necessários para conclusão de etapas e as premissas gerais antes vistas;

10% para aplicação no Fundo Soberano gerido pelo governo. Esse valor inicialmente poderá ser maior em detrimento do valor do item anterior;

5% * direto para as universidades brasileiras, metade para desenvolvimento tecnológico, metade para pesquisas cientificas, obrigatoriamente em redes de vanguarda compondo interesses governamentais, empresariais e acadêmicos. Esses organismos seriam formados nos moldes de Centros de Excelência com metodologia desenvolvida pela Petrobras/Coppe, e comporiam a malha nacional de tecnologia, como pretendem alguns com a formação da “Embrapa Industrial” ou dos Institutos Nacionais de Tecnologia;

5% * para um fundo para a instituição de até 500 escolas técnicas no País, voltadas para o desenvolvimento industrial, mudando o objetivo, em sendo atingida a meta;

10% * para a construção de infraestrutura de transporte no País, ferroviário, de metrôs e naval e desde que inseridos nos planos formais nacionais, por 12 anos, mudando ou revalidando essa aplicação ao final do período;

2,5% * para aplicar diretamente em pesquisas e aplicações para resolver a questão do efeito estufa pelo lado de tecnologias para captura e armazenamento de gás carbônico por 12 anos;

2,5% * para aplicar diretamente em Centros de Excelência definidos pelo PROMINP”, também considerando a ótica de compor a malha nacional de tecnologia (ideia da Embrapa Industrial);

10% * para aplicar no País através da Petrobras em pesquisas e aplicações pioneiras que sejam de interesse na expansão da fronteira petrolífera, do aprimoramento das tecnologias envolvidas;

5% para reservas.

(* independente das aplicações maiores no bojo da aplicação dos 50%).

Haverá limitação da produção de forma que o óleo da camada do pré-sal não concedido regule, ao final, o total da produção nacional que gere o volume máximo de divisas possíveis de serem absorvidas pela economia nacional. Uma ideia seria estabelecer um valor mínimo igual ao que for estabelecido para a camada do pré-sal já concedido. A depender das reservas possíveis, esse limite cresceria de maneira a levar em conta o volume de reservas estimado.

A exploração e novas áreas para conhecimento e liberação para produção seria realizada pela Petrobras e o custo considerado no Contrato de Partilha, bem como outros de comercialização, de pesquisas em geral e de produção, transporte e gerenciamento.

O caso do gás teria condicionantes semelhantes aos definidos para os demais casos.

Os investimentos e financiamentos para essa rota integradora

Tem sido veiculado que o Brasil, por falta de recursos para explorar o pré-sal, teria que atrair as empresas estrangeiras e assim teria que, necessariamente, manter as concessões para elas (não mudar a lei no caso do pré-sal). Isso porque o montante dos investimentos, somente para os primeiros 50 bilhões de barris estimados de reservas, seriam da ordem de US$ 600 bilhões, soma inexistente localmente.

Essa maneira de apresentar a demanda de capital é enganosa. Primeiro, jamais o Brasil autorizará a entrada em produção de toda uma reserva de 50 bilhões de barris de uma só vez. Se o fizer, colocará no mercado mais de dez milhões de barris por dia e esgotará sua reserva em 13 anos, sofrerá com a “doença holandesa” inapelavelmente, não terá como aproveitar a escalada para desenvolver a economia nacional.

O ritmo de produção será ditado pela capacidade do País de usar a riqueza gerada de forma otimizada, e isso levará a uma escalada de produção ao longo dos próximos trinta anos. Somente por aí, a demanda de capital seria dividida por 20 ou 30, ou seja US$ 20 a 30 bilhões por ano.

Em segundo lugar essas reservas já definidas pertencem algo como 60 % a Petrobras e o restante a terceiros, que teriam que aportar o capital correspondente. Em terceiro lugar, em qualquer negócio se planeja o investimento em função da captação possível de recursos e, para financiar produção de petróleo, nunca existiu falta deles (até 70% do total). Ou seja, se não houver recurso próprio haverá farto financiamento, que será pago com os lucros da produção correspondente, como ocorreu com a maior parte dos investimentos para Bacia de Campos e ocorre para qualquer negócio sério do setor produtivo, privado ou estatal (ver negociação com a China já citada antes).

Não há, nem houve no mundo nenhum projeto exploratório, de qualquer tipo, ou qualquer projeto empresarial de qualquer ordem que tenha colocado, de uma vez US$ 600 bilhões em investimentos na praça de uma vez, nem mesmo US$ 100 bilhões. Nunca houve, nem tão cedo haverá. Sempre o que ocorre ou ocorreu, e no petróleo também, é/foi dimensionar a exploração de qualquer negócio em escalada, de tal forma que os lucros e amortizações da primeira etapa gerem os investimentos para a segunda etapa e assim por diante, Assim, dizer que precisamos de US$ 600 bilhões em 4 anos, dez anos, quinze anos, vinte anos é simples apresentação tendenciosa e errônea de um verdadeiro e provável fluxo de caixa do negócio pré-sal.

A Petrobras financiou a Bacia de Campos em 25 anos transformando-a na área com maior concentração de investimentos do mundo, e nada seria maior, pois que faltariam equipamentos no mundo, gente e dados precisos da própria exploração para continuar a escalada. Não faltaram financiamentos e praticamente tudo foi pago com os lucros, que agora são direcionados também para o pré-sal. A Petrobras já investiu mais de U$ 1 bilhão no pré-sal e já encomendou mais de uma dezena de plataformas para que os campos entrem em operação a partir de 2010 e até 2016. Assim que tiver os primeiros resultados dos testes, terá recursos e financiamentos suficientes para, junto com as empresas que já são suas parceiras produzir o óleo na velocidade de interesse do País. Isso para as áreas já leiloadas, algumas de interesse já de empresas estrangeiras. Ou seja, para as áreas já leiloadas não existe nenhuma restrição para colocar os campos em produção.

Para as áreas novas do pré-sal, o ritmo de exploração e produção será também o de interesse do País e jamais haverá a hipótese de se colocar todas as camadas do pré-sal de uma vez em produção. Então, espera-se que o ritmo máximo de investimentos seja da ordem US$ 10 a 20 bilhões por ano, com os resultados da produção a partir do quarto ou quinto ano de investimentos, cobrindo a necessidade de capital dos anos seguintes. E, além disso, haverá fartos financiamentos para essa produção, que sempre existiram em todas as crises mundiais, inclusive na década de 80 e 90 quando o Brasil estava praticamente insolvente, mas para petróleo/Petrobras não.

Se as reservas forem maiores nada muda no raciocínio anterior, simplesmente o Brasil terá que administrar um fluxo de recursos ainda maior. Financiamento lastreado em petróleo é igual financiamento lastreado em ouro, há em profusão.


Notas
  1. (*) Eng. José Fantine Consultor da COPPE, ex-Diretor da Petrobras e ex-Superintendente de Planejamento da Petrobras. Membro da Academia Nacional de Engenharia(**) Carlos Feu Alvim, Doutor em Física, Redator da Revista Economia e Energia e&e, ex-Secretário Geral da Agência Brasileiro-Argentina de Controle e Contabilidade de Materiais Nucleares ABACC, ex-Sub-Secretário de Tecnologia Industrial e ex-professor na Pós-Graduação da UFMG.Convidamos os leitores a emitirem suas opiniões críticas, corretivas de apoio, de exclusão ou inclusão, de forma que se estabeleça um documento final de fácil leitura para ajudar a todos na compreensão das raízes do subdesenvolvimento e dos caminhos para o desenvolvimento sustentável.
  2. Para repor 4% do estoque de capital que é 2,7 vezes o valor do PIB (4% x 2,7 = 10,8%).
  3. Estima-se que é possível incrementar a produtividade do capital existente em 1% ao ano nos próximos três anos o que acrescentaria 1% ao PIB e incrementaria a taxa de crescimento dos anos seguintes
  4. Uma redução da remessa para 2% do PIB nos traria um crescimento adicional de 1% ao ano aumentando de 3% para 4% ao ano o crescimento do PIB
  5. Boa parte dos bons modelos econômicos considera a tecnologia como o fator que sustenta o crescimento, mas, nos países subdesenvolvidos ela é muitas vezes considerada como sendo apenas um bem universal não merecendo sua geração e atenção explícita na formulação da política econômica desses países.
  6. A nova doutrina se dizia liberal, mas patrocinou intervenções radicais como as da fixação da âncora cambial ou a decisiva intervenção dos bancos centrais na taxa de juros.
  7. A importância da poupança externa deve ser buscada no aspecto qualitativo pois, do ponto de vista quantitativo nos últimos 30 anos, nunca ultrapassou no Brasil a 12% do investimento produtivo anual. No período, ao contrário de recebermos recursos líquidos, exportamos 5% de nossa poupança interna. Ou seja, na média o Brasil foi e continua sendo um exportador de capital. Este fato é a consequência de que, assim como os empréstimos resultam em pagamento de juros, os investimentos externos resultam em remessa de lucros e dividendos. Este montante vem crescendo nos últimos anos e somou mais de US$ 10 bilhões em 2005, anulando boa parte do superávit comercial. Os aportes reais e ainda produtivos, em moeda estrangeira, a cotejar com as remessas não alcançam US$ 100 bilhões (para isso não se contam os reinvestimentos de lucros, os quais não são aportes do exterior) nos últimos 100 anos. Os investimentos externos são muitas vezes apresentados como sem nenhuma desvantagem não sendo confrontados, nos casos devidos, com estabelecimento de esforço nacional próprio no segmento. O Banco Central realizou censo do investimento estrangeiro no país (incluídos os reinvestimentos) chegando a um montante de 103 bilhões de dólares de estoque para o ano de 2000. Este estoque é cerca de 6,3% do total do capital produtivo no Brasil (pouca importância quantitativa). Aliás, em nenhum país os investimentos estrangeiros são os majoritários na economia, sendo sim, se bem ordenados e trabalhados, complementares em um processo de desenvolvimento sustentável ou, em caso contrário, um alimentador da riqueza externa e não da interna.
  8. Uma particularidade preocupante do ponto de vista qualitativo é que do estoque de capital externo apurado pelo BACEN para o ano 2000 (US$ 103 bilhões), só US$ 35 bilhões estão no setor industrial; US$ 66 bilhões estão no setor serviços e o restante (US$ 2 bilhões) na agropecuária. Do total “serviços”, quase metade (US$ 30 bilhões) está concentrada em apenas duas atividades: comunicações (US$ 19 bi) e intermediação financeira (US$ 11 bilhões). Este fato limita o poder deste capital de alavancar exportações criando, pelo contrário, facilidades para induzir importações já que não existe o estímulo para que essas empresas atuem, pelo menos, em parcerias com empresas tipicamente nacionais.
  9. O Brasil tenta, por todas as maneiras, obter dos EUA, do Japão e da Comunidade Europeia a abertura efetiva dos seus mercados com o fim de cotas ou barreiras, fitossanitárias ou por taxas discriminatórias, para seu álcool, açúcar, soja, sucos de laranja, camarão, carnes, aço e calçados, mas essa investida tem sido frustrante. No entanto, abriu, praticamente, todos os seus mercados para os produtos e serviços desses países, a partir de 1990, sem nenhuma contrapartida direta, na expectativa de reciprocidade ou de boa vontade com relação a questionamentos e ameaças de sanções, fruto das restrições que faziam ao que diziam ser o protecionismo e subsídios brasileiros.
  10. No decorrer de 2006, a mídia deu grande destaque às previsões de menor crescimento do PIB no ano, em valor inferior à média mundial. Mas, em nenhum momento, foi enfatizado que os países dominantes avançariam em segmentos, nem sequer cogitados no Brasil, que dominarão o futuro comércio e economia mundiais, definindo os novos padrões de conforto e de qualidade de vida. Ou seja, mesmo que o Brasil estivesse crescendo a taxas iguais ou superiores à média de outros países, ainda perderia a parada mundial por não se dedicar aos segmentos formadores da riqueza futura que são os produtos, processos e serviços de ponta, intensivos em tecnologia e conhecimentos. Além disto, ao ingressar com atraso em alguns setores corre-se o risco de que o parque produtivo se torne obsoleto e o País fica sujeito à demanda de investimentos substitutivos em novas rotas ditadas do exterior. A capacidade produtiva se desfaz rapidamente como também acontece (por questões de qualidade) com as estradas que não duram, com bens que se deterioram e obras que não cumprem seus objetivos. Ou seja, não se discute a “qualidade do PIB”.
  11. Desde a Independência, o Brasil luta por fábricas e processos dos países líderes. Trouxe a indústria do aço, do alumínio, dos metais, da indústria manufatureira primária. Agora, os países ricos não se importam em vê-las nos países emergentes e se dedicam às empresas de alta intensidade de conhecimentos, e de baixa demanda de energia. Assim, sempre o país se dedica em “conquistar” o que começa a virar “processo fabril commodity” e, mais à frente, tem que repetir o ciclo com outras novidades. Instala fábricas que vêm em busca de subsídios, oferta de investimentos complementares, mão de obra e energia, ou alguns insumos mais em conta, além de outras facilidades como a posição para dominar nichos de mercado. Essas fábricas não desenvolverão tecnologias no Brasil e importarão os componentes mais caros e complexos. A China compreendeu bem a importância qualitativa do investimento externo e é o único país de porte onde a fórmula de atrair investimentos externos está ajudando efetivamente. Isto acontece porque lá existe um condicionamento dos investimentos a que eles propiciem a absorção da tecnologia, a conquista do mercado externo e, em vários casos, que se efetivem parcerias com empresas locais. Lá existe ainda a preocupação de absorver a abundante mão de obra local transformando-a em divisas (precisam incorporar 300 milhões de pessoas ao setor produtivo) ou para atender à crescente demanda interna, Neste aspecto, admitem também a presença de maquiadores, mas estão desenvolvendo intenso esforço tecnológico para que suas empresas, nas próximas décadas, assumam este mercado. Nos demais países, esse processo (o de atrair maquiadoras) sempre seria interessante, mas jamais suficiente, como muitos creem, para alcançar o desenvolvimento. Aliás o investimento externo na China só é importante do ponto de vista qualitativo; do ponto quantitativo ela está dedicando aos investimentos 40% do PIB integralmente com recursos internos; o fluxo de investimentos externos líquido é de -0,6% do PIB, ou seja, o investimento externo é negativo e próximo a zero. Sobre a transformação da China em nação de Alta Tecnologia, o que sustentará o seu progresso, é muito importante que se busque referenciais nos siteshttp://www.most.gov.cn/eng/programmes1/200610/t20061009_36225.htmhttp://www.most.gov.cn/eng/programmes1/200610/t20061008_36198.htm.http://www.oecd.org/document/26/0,2340,en_2649_34451_37770522_1_1_1_1,00.html
  12. Existe pouca discussão sobre a eficácia dos investimentos em educação. De que vale, por exemplo, inundar o mercado de profissionais quando a economia não cria o número de empregos suficientes no nível dos diplomados? No caso dos engenheiros (profissão diretamente relacionada ao assunto tecnologia) o total dos formados que não exercem a profissão atinge a 67% conforme levantamento do Observatório Universitário divulgado na imprensa. Entre 1987 e 2004, segundo os indicadores do Ministério de Ciência e Tecnologia, o número dos que concluíram o ensino superior praticamente triplicou passando de 225 mil para 627 mil formandos/ ano. Ou seja, o número de formados cresceu 190%, a economia 40% e a população 31% e o (PIB/ habitante cresceu apenas 6,5% em 14 anos). Já na pós-graduação o número de diplomados no ano foi multiplicado por 7,5 entre 1987 e 2003. O número de mestres/ ano cresceu 624% e o número de doutores 768%. Já a escolaridade entre a população ativa cresceu de entre 1992 e 2003 de 4,9 para 6,4 anos. Tratando-se de um valor cumulativo, este aumento de 1,5 ano em um espaço de 11 anos é muito significativo. Ou seja, o Brasil realizou um enorme esforço na área da educação com pouquíssimo resultado no crescimento. O lado positivo deste movimento é que o país estaria mais bem preparado para incrementar sua participação no mercado tecnológico.
  13. O Japão e a Coréia do Sul não adotaram primeiro o caminho da educação e, depois, começaram a criar planos de desenvolvimento para crescer. Cresceram por decisões bem tomadas no campo tecnológico e por investimentos em setores importantes para a economia, e, no processo, sentiram e definiram que uma educação avançada geral e global seria também um pilar de sustentação e validação do crescimento, o que é bem diferente.
  14. Em 1986, não havia tecnologia no mundo para produzir petróleo em profundidades de 200 metros no mar. A Petrobras instituiu um programa de cinco anos para alcançar 1.000 m, o que lhe custou US$ 86 milhões; em 1992, outro de valor semelhante para 2.000m; e, no início da década de 2000, outro para 3.000m. Resultado: o Brasil se tornou desde o primeiro programa o líder mundial nessa  tecnologia, garantiu a sua autossuficiência  em petróleo, sua competitividade e seus baixos custos, retornando seus investimentos em centenas de vezes. A educação nacional continuou no mesmo padrão de sempre, mas a formação de recursos humanos, para os programas e instalações deles decorrentes, foi de primeiríssima grandeza. O mesmo ocorreu com a EMBRAER e com a EMBRAPA, com a Rede Sarah e o Incor, ilhas de tecnologia e educação avançadas, gerando riquezas e multiplicando os efeitos para a sociedade, preparando os quadros para o próprio processo. Ou seja, é possível criar muito enquanto o País não alcança, no todo, o desejado estágio avançado em educação, e, assim, criar riqueza em paralelo ao processo de melhoria educacional.
  15. No debate, quando empobrecido, não se veem os recursos para aplicar em P&D&I. Acredita-se que eles precisariam aparecer de uma hora para a outra. Assim, muitos segmentos e governos, incapazes de reverter o processo, ficam à margem da competição ou retiram-se do cenário. Mas é a própria aplicação em tecnologia que gera os recursos para mais aplicar. Por exemplo, as aplicações da Petrobras em P&D não se iniciaram no patamar atual, mas, modestamente, em laboratórios improvisados na Universidade do Brasil. Na época eram grandes investimentos, ousados e de difícil equacionamento, como na verdade ocorreu até a década de 90. Mas, os crescentes resultados empresariais alcançados, graças em boa parte pela conquista da vanguarda tecnológica continuada, lhe permitiram aumentar, aos poucos, esses investimentos até atingir mais de US$ 150 milhões por ano e, ainda, formar redes de pesquisas envolvendo quase todas as entidades acadêmicas do País. A Petrobras, apoiando o esforço tecnológico nacional, gera lucros da ordem de US$ 10 bilhões por ano e ostenta um patrimônio de US$ 100 bilhões. Assim, não está mais entre suas preocupações o como financiar o investimento necessário em P&D&I para manter a vanguarda conquistada. Espiral do desenvolvimento é isso.
  16. As inevitáveis mudanças no campo tecnológico, do conhecimento, ou da inovação, permitem, em condições normais, que povos ou países, ou empresas, sejam efetivamente emergentes, ocupando o lugar dos líderes do momento ou a eles se ombreando. Os ingleses sucederam aos portugueses e aos espanhóis, com a máquina a vapor, a indústria do aço e o uso do carvão e com a indústria mineral e manufatureira. Os EUA substituíram os ingleses, com o advento da agricultura massificada e mecanizada, da indústria do petróleo, do automóvel e das que lhe deram suporte, bem como da indústria da guerra em novos paradigmas de equipamentos. Os japoneses, e, mais tarde, os coreanos, começaram seu processo pelo lado tradicional da economia (transformação de minérios, carros, navios), mas, rapidamente, migraram para nichos emergentes da indústria eletrônica e digital. A China e a Índia tentam, agora, substituí-los, numa posição de vanguarda, aproveitando os caminhos já conhecidos por todos. Contam, para isso, com diferenciais que permitem essa aventura distinta. Na atualidade, nações de pequena população ou de território diminuto podem alcançar a riqueza explorando alguns nichos específicos da economia, da indústria ou dos serviços, (como Taiwan, Cingapura, Hong Kong, Irlanda, Finlândia, Chile, e outros países europeus) embora jamais a liderança e o poder mundial.
  17. Irlanda, Coréia do Sul, Taiwan, Hong Kong, Cingapura, Canadá, Austrália, Nova Zelândia, Espanha, Bélgica, Finlândia, Noruega, Dinamarca.
  18. Alemanha, França, Inglaterra, Itália, Suécia, Suíça, Áustria, Holanda e Japão.
  19. Sobre esses movimentos ver siteshttp://www.mbc.org.brhttp://www.fnq.org.brhttp://www.hotsitespetrobras.com.br/geraacao/
  20. Em verdade sempre foi assim. Mesmo no passado distante, a tecnologia e a inovação criavam as condições para um povo se defender ou dominar outros e conseguir o suprimento das matérias primas e bens de que necessitavam, como, também, mercado para seus produtos de maior complexidade do que os das colônias. Exemplo paradigmático foi o domínio dos conhecimentos da navegação e dos transportes, partindo do quase nada, que possibilitou ao pequeno Portugal buscar e manter a supremacia dos mares e do comércio mundial por séculos a partir de 1500. Mas, agora, muda a velocidade das mudanças e da obsolescência tecnológica, obrigando a que os “atletas das ciências e da tecnologia” tenham empenho redobrado e agilidade, pois a cada ano a complexidade e o porte dos sistemas empresariais aumenta.
  21. O País explora com sucesso minério de ferro, mas, de outro lado, com quase total insucesso nos casos dos diamantes, do ouro, das pedras preciosas, dos seus granitos e de outros minérios raros. Também é líder em agricultura básica, mas explora pouco os ramos que permitem maior retorno por unidade produzida e por infraestrutura geral implantada e área ocupada.
  22. Este valor e a razão capital/ produto (K/Y) que se obtém dividindo o estoque de bens de capital (construções, máquinas, equipamentos e outros) pelo PIB. Essa razão é o inverso da produtividade de capital (Y/K). Nas décadas de setenta e oitenta nossa produtividade de capital caiu para a metade do que era na década de sessenta.
  23. Não há como pagar de imediato a dívida pública e privada. Um calote nessa dívida, se de um lado elimina as remessas decorrentes dela, de outro encarecem sobremaneira as novas demandas de capital externo e os custos de financiamento de exportações e importações, anulando os ganhos anteriores. Por isso, o ideal é trabalhar no lado positivo, o de melhoria do retorno por capital empregado. De qualquer maneira, houve uma substancial redução da dívida externa nos últimos anos e já existe a possibilidade de reduzir essas remessas pagando ainda remuneração adequada aos investimentos no País.
  24. Faz parte do círculo vicioso dos países e pessoas mais pobres a escolha de bens cujo custo da manutenção supera, em curto prazo, o associado ao investimento. Com custos de manutenção crescentes o bem cessa de ser capaz de agregar valor e, mesmo que continue em uso, deixa na prática de contribuir para gerar riqueza (contribuir para o PIB). A solução desse problema não é elementar já que os recursos para investimento são escassos, mas certamente ela passa por uma análise criteriosa dos custos de investimento e manutenção. Também não ajuda a prática governamental (por muito tempo imposto pelos organismos de crédito internacional) de considerar como gastos os investimentos dos governos e induz a investimentos de baixa qualidade.
  25. Documento da CNI –Confederação Nacional da Indústria, pag. 52http://www.cni.org.br/f-ps.htm
  26. É muito importante a leitura desse documento para entender porque o Brasil não se aproximou, de fato, de uma posição central no sistema nacional e as fórmulas futuras para garantir a competitividade. Ao observar as preocupações atuais da Coréia do Sul, compreende-se os equívocos das políticas convencionais de desenvolvimento, da agricultura, da pecuária, etc. Os sul-coreanos estão muito bem, têm seu lugar no comércio da alta tecnologia e da inovação, e, embora competindo com as grandes potências da atualidade, buscam descobrir as estratégias de desenvolvimento chinesa que possam afetar seu crescimento ainda ascendente. O Brasil já teve os ciclos da borracha, do café, do enriquecimento durante a guerra, do período desenvolvimentista das eras Vargas e Juscelino, do milagre econômico na década de 70 e, no entanto, emergiu, em 2000, como uma nação não candidata ao pódio dos vencedores. Durante toda a história, o Brasil não fez nenhum movimento desenvolvimentista similar ao da Coréia do Sul.http://www.rand.org/pubs/monographs/2005/RAND_MG320.pdf.
  27. Ver como avança a China em investimentos em C&T emhttp://www.oecd.org/document/26/0,2340,en_2649_34451_37770522_1_1_1_1,00.html
  28. Para conhecer com profundidade esses temas, navegar nos sites do MCT, MDIC, FINEP e CNPq.
  29. O déficit na conta importações x exportações do segmento eletroeletrônico foi da ordem de US$ 56 bilhões, no período 1998-2005, sendo previstos ser de US$ 10,4 bilhões em 2006. O valor das importações brasileiras ficará na cifra de US$ 18,2 bilhões, sendo que, entre 60% a 70%, serão de componentes de produtos fabricados no país ou para substituição.Ver http://www.abinee.org.br/abinee/decon/decon15.htm. Esse é o segmento formador de riqueza de vários países, como os EUA, o Japão, a Coréia do Sul e a China e Taiwan. Mas o Brasil amarga déficits crescentes pelo seu atraso tecnológico no setor.
  30. Nessa lista só entram 3 empresas brasileiras: a Petrobras, a Vale e a Embraer ocupando respectivamente os lugares 125, 185 e 457 entre as 1000 empresas fora da União Europeia;http://www.madrimasd.org/proyectoseuropeos/documentos/doc/scoreboard_2006_full_report.pdf
  31. Por exemplo, um jornalista sem uma máquina digital e periféricos, para se comunicar em tempo real com as redações, não tem mais lugar no mercado e sua empresa perde pontos. Uma unidade de refino que não esteja automatizada e conduzida através sistemas avançados de controle deixa de ser competitiva e a empresa perde terreno. Uma indústria de montagem sem os robôs pode acabar não competindo mundialmente. Para se manter na vanguarda, cada empresa, entidade ou órgão público precisará então assimilar as novidades do mercado mundial, forçando a importação ou a produção nacional. Podem existir casos em que a mão de obra mais barata pode indicar, por um tempo, o uso mais intensivo desse insumo e outro tipo de equipamento menos dispendioso, mas até para a tomar esta decisão é necessário dominar a tecnologia.
  32. No período 1999-2003, a EMBRAER exportou US$ 11,6 bilhões e importou US$ 6,8 bilhões, gerando um saldo líquido de US$ 4,7 bilhões. Mais de 25% de sua força de trabalho é de engenheiros (3.500), indicando claramente a assertiva sobre exportação de conhecimentos (em tese os salários de alta concentração de engenheiros é remuneração da inteligência nacional).http://www.defesanet.com.br/fx/embraerfx.pdf
  33. O desenvolvimento do enriquecimento de urânio por ultracentrifugação no Brasil foi menos oneroso que o do jet-nozzle com os alemães que não conduziu a nenhum resultado concreto (gramas de urânio enriquecido). Nada foi feito na área de reprocessamento. Tivesse gasto em desenvolvimento tecnológico dez por cento do que gastou no Acordo Nuclear com a Alemanha, mantendo e ampliando as infraestruturas e os RH que dispunha até 1975, e mais o que gastou pela Marinha, hoje o Brasil dominaria a tecnologia nuclear em todos os aspectos, tirando proveito econômico desse segmento.
  34. Os programas nucleares brasileiros (com a Alemanha e o Paralelo) chamam a atenção para um aspecto frequentemente negligenciado quando se considera o desenvolvimento. Existe toda uma série de tecnologias, principalmente as relacionadas às áreas nuclear e espacial, que não estão disponíveis para os países que não conseguem desenvolvê-las por conta própria. Isto inclui controles sobre o conhecimento tecnológico e sobre equipamentos a eles associados. Existe no mundo uma série de grupos formais e informais, inclusive com participação brasileira, que controlam o comércio desses bens. A lista de equipamentos e tecnologias controladas não cessa de crescer abrangendo cada dia mais tecnologias consideradas “duais” que tanto podem ser utilizadas para fins pacíficos como na elaboração de armas de destruição em massa. A ideia de que a globalização tornou disponível a todas as nações o progresso tecnológico é absolutamente ingênua apesar de fazer parte de alguns modelos teóricos de desenvolvimento econômico. Existem inúmeras situações em que o desenvolvimento próprio é condição para comprar equipamentos e tecnologias, já que só os que demonstram capacidade de desenvolvimento próprio têm acesso a esse mercado. Ou seja, a restrição tecnológica acaba acarretando consequências econômicas impedindo acesso a mercados onde a agregação de valor associada ao conhecimento é importante. Nesse ponto, apesar dos inúmeros erros cometidos, o acordo nuclear com a Alemanha acabou propiciando a aquisição de equipamentos e conhecimentos tecnológicos que hoje estariam sujeitos a maiores restrições. Por outro lado, se o Brasil não houvesse desenvolvido o processo de enriquecimento de urânio e fabricação de elementos combustíveis, estaria provavelmente condenado a fornecedor de matéria prima em mais esta atividade.
  35. No debate nacional, só se fala nos custos do capital, nos juros cobrados, nos impostos incidentes, na taxa de câmbio, nos impostos nacionais e nas questões trabalhistas. Podem os leitores prestar atenção quantas vezes que será ressaltada a questão do suporte tecnológico. Assim, nada sendo feito de substantivo, quando forem resolvidas todas as questões fiscais, financeiras e humanas é que o País acordará para a questão do suporte tecnológico. Assim, como somente após a abertura quase que incondicional e as privatizações da década de 90 acordou para a realidade que esses não eram necessariamente os gargalos, ou os únicos existentes, para o progresso nacional. Ora, um bom ordenamento desses suportes é tarefa para dez anos pelo menos, e assim não valorizar agora esse debate é um suicídio nacional. Em 2004, com o lançamento da PITCE, o IPEA procurou discutir essa questão lançando a ideia da “Embrapa Industrial”, imaginando um organismo que tivesse para as empresas o mesmo papel que a Embrapa tivera e tem para o setor agrícola. Aquela oportunidade poderia ser sido aproveitada para de fato equacionar a questão do apoio às empresas nacionais, talvez não por esse caminho, mas por outros que respeitassem a sua tese – a de que faltava suporte tecnológico às empresas nacionais.
  36. É fundamental que a sociedade entenda e valorize os trabalhos do SENAI com os seus mais de 40 Centros de Tecnologia, e que agora se transformam em verdadeiros Centros de Excelência no atendimento às micro, pequenas e médias empresas, ajudando-as a caminharem na busca da vanguarda tecnológica e dos conhecimentos. Esse movimento deveria ser apoiado pelos governos, pois é o único no seu gênero e essencial para a criação da riqueza nacional. Também, é importante que se apoie os movimentos do SEBRAE com seus Arranjos Produtivos Locais que transformam pequenos negócios dispersos e pouco intensivos em conhecimentos em consórcios de alta competitividade.
  37. O superávit da balança comercial na classe agronegócios foi de US$ 38,4 bilhões em 2005 seguramente em decorrência do elevado nível de tecnologias e de conhecimentos avançados, garantindo a competitividade mundial(http://www.iea.sp.gov.br/out/verTexto.php?codTexto=4385). Mas, deve ser entendido que, para alcançar esse nível de exportações, há vultosos gastos não relatados nessa conta nem contabilizados como em energia (importada ou que poderia ser exportada), fertilizantes (agora intensivamente importados), produtos em geral e equipamentos importados, remessas de juros e dividendos (relacionados aos investimentos no setor ou para ele), anulando em boa parte os superávits alcançados.
  38. A Argentina, no passado, foi um país rico às custas da agricultura e pecuária, mas perdeu o passo logo depois da Segunda Grande Guerra por não investir em tecnologia e inovação, deixando de ter produtos de alto valor agregado, dominantes no comércio mundial, principalmente, depois das crises do petróleo.
  39. No século XIX e na primeira metade do século XX, exportar minérios de ferro ou alguns outros do segmento da indústria metalúrgica não gerava riquezas. Mas, dominar o ciclo produtivo com minério próprio ou das colônias, sim. Conferia poder econômico e militar. Depois da crise do petróleo, ter uma indústria do aço, por exemplo, deixou de ser sinônimo de poder e riqueza, embora continue sendo um segmento importante para suportar o crescimento desejado, já que os fretes de importação seriam muito elevados. Mas considerar essas indústrias como exportadoras de chapas e perfis deixou de ser interessante do ponto de vista do país, embora continue sendo excelente empresarialmente nos bons momentos de crescimento da economia mundial. Então, se o mercado nacional demanda um bem em grande quantidade, e se há minérios disponíveis, a equação produção através de empresas nacionais é favorável. Isso porque o mercado existiria de qualquer maneira, para o produto nacional ou importado. Veja o caso da Petrobras: o seu patrimônio existe, majoritariamente, pela reinversão dos lucros na atividade. Se ela não existisse, outra estaria no seu lugar e capturaria os mesmos lucros, só que alinharia seu padrão produtivo às estratégias do exterior e não do País. E ainda remeteria apreciáveis volumes de divisas para o exterior, pois as reinversões de capitais geram direitos de remessas. Traduzido, há que se contar com grandes empresas nacionais nesse caminho, complementadas com estrangeiras comprometidas com o desenvolvimento local de produtos e tecnologia. A indústria do aço nessa sua nova fase poderá tornar-se também um bom exemplo de emprego de tecnologias nacionais se mais se aplicar em P&D, e se não for desnacionalizada.
  40. O somatório dos investimentos da Petrobras no país tem uma ordem de grandeza semelhante ao somatório de investimento das empresas estrangeiras (investimentos diretos e reinvestimentos com o lucro aqui obtido). Em 2005, as remessas de lucros e dividendos por essas empresas alcançaram US$ 12 bilhões, da ordem de 25% do superávit da balança comercial brasileira.
  41. Antes da nova Lei do Petróleo, em um período de dez anos, o valor médio dos produtos Petrobras foi cerca de US$ 2/barril menor em relação aos portos exportadores. Na atualidade, referencia-se a eles. Ocorre que não existe nenhum mercado efetivamente competitivo, pois poucos atores dominam os mercados e estabelecem os preços, sempre acima daqueles dos portos exportadores (estes balizam as trocas comerciais, mas não os preços internos, os quais dependem do grau de oligopolização ou cartelização do mercado). Supondo que no Brasil se adotasse a prática de cobrar somente US$ 1 dólar acima do mercado exportador mais fretes, representaria uma sangria de US$ 700 milhões por ano na economia nacional.
  42. Veja o que se pensa para o futuro da energia nuclear em: France gets nuclear fusion plant; BBC News;http://www.iter.org/ http://news.bbc.co.uk/2/hi/science/nature/4629239.stm
  43. “A Índia que dá certo”: Deepak Bhojwani (Cônsul Geral da Índia no Brasil). Existe uma Índia que muita gente, infelizmente, não conhece. Superpopulação e altos índices de miséria compõem apenas um lado do país, o que mais aparece. Mas, o outro, tem um avançado centro mundial produtor de softwares, filmes, medicamentos, pesquisas espaciais, supercomputadores e biociências. Os negócios no setor de tecnologia vão tão bem que o país acabou de rever suas metas de exportação de software. Esperam passar de US$ 10 bilhões para US$ 80 bilhões nos próximos cinco anos.”
  44. Mapa Estratégico da Indústria 2007-2015 Documento da CNI –Confederação Nacional da Indústria, pag. 52 http://www.cni.org.br/f-ps.htm
  45. O Japão, os EUA e a União Europeia continuarão, cada um, investindo valores superiores a US$ 100 bilhões por ano em P&D para competirem entre si e com a China e Coréia do Sul. A Coréia do Sul passará, provavelmente, a aplicar mais do que os atuais 3% do seu PIB, que cresce, sustentadamente, para continuar a disputa com os três primeiros e não deixar a China lhe tomar mercados. A China cresce seus investimentos em P&D (mais de US$ 30 bilhões/ano), e corta caminhos levando fábricas para o país, porém colocando suas empresas, em parcerias ou isoladamente, atuando no mercado internos e almejando o externo (ver notícia em http://www.nytimes.com/2006/02/17/business/17auto.html ). Se o Brasil investir mais 2% do PIB em P&D, algo como US$ 10 bilhões por ano, estará aplicando muito menos do que cada país líder em investimentos, pois todos esses aplicam mais de 2% de um PIB muito superior ao do Brasil. Então, seria de se pensar que não haveria como recuperar o atraso. Esse atraso é de difícil solução, mas reaparelhamento do Estado, para se igualar no futuro em alguns novos segmentos ou na evolução de tecnologias atuais, ainda é possível, pois tecnologias se transformam e o ciclo volta à estaca zero. Mas, para isso, e por não dispor de muitos recursos, precisa inovar na formação de redes, com a estrutura já existente e com pesquisadores, pois há muito o que fazer e muito dinheiro a investir.
  46. Escolher prioridades é uma das maiores dificuldades da política tecnológica, já que quando tudo é prioritário nada é prioritário. A vinculação destas redes a recursos empresariais evitará quase automaticamente a dispersão.
  47. O Brasil tem 29.000 cientistas pesquisadores nas indústrias, representando 23% do total do país. Enquanto isso, os EUA contam com 790.000, representando 80% e a Coréia do Sul 94.000, representando 54%. Daí, a importância, nos próximos anos, de se contar com o máximo de pesquisadores das universidades e centros de pesquisas públicos, onde estão os outros 77% dos cientistas pesquisadores, sem o que o Brasil não terá cérebros para sustentar sua evolução tecnológica.
  48. O Japão, os EUA e a União Europeia continuarão, cada um, investindo valores superiores a US$ 150 bilhões por ano em P&D para competirem entre si e com a China e Coréia do Sul. A Coréia do Sul passará, provavelmente, a aplicar mais do que os atuais 3% do seu PIB, que cresce, sustentadamente, para continuar com a disputa com os três primeiros, e não deixar a China lhe tomar mercados. A China cresce seus investimentos em P&D, mas corta caminhos levando fábricas para o país, porém colocando suas empresas, em parcerias ou isoladamente, atuando no mercado interno e almejando o externo.(ver notícia em http://www.nytimes.com/2006/02/17/business/17auto.html )
  49. A Coréia do Sul não tinha nenhuma tradição industrial até a década de 60, fora dominada por potências estrangeiras até o término da Segunda Grande Guerra e vivera uma devastadora guerra até os anos 50.
  50. Sobre isso, disse o Ministro de Ciência e Tecnologia da Coréia do Sul, Chae Young-bok , em 10/jun/2002 “…Today, we are living in a knowledge-based society where science and technology is the key to economic prosperity, social welfare and national security…. Korea’s capability in science and technology has been growing steadily since the 1980s together with the rapid economic development. The volume of R&D investment as well as the number of researchers has increased in a remarkable way. Investment in science and technology has increased 25 times from US$ 480 million in 1980 to US$ 12.2 billion in 2000. The proportion of science and technology investment in GDP has also risen from 0.84% in 1980 to 2.68% in 2000. Ver Também NR 11.Texto para discussão na Economia & Energia -No 57: Agosto-Setembro 2006Versão revista em 17 01 2007
  51. Para os anos 1964 a 1974 foram usados dados, atribuídos à mesma fonte, do Boletim Bimestral da Associação dos Analistas de Comércio Exterior Maio/Junho de 2004.
  52. O Brasil trabalha para que o álcool seja incluído no mercado das commodities.
  53. Referências:[i] “O Declínio dos Manufaturados” Análise IEDI 10/07/2004 em Abril de 2008 em http://www.iedi.org.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?1=6&infoid=2940&sid=73&tpl=printerviewIsto não quer dizer, todavia, que estejam estacionadas as exportações de maior conteúdo tecnológico. Entre 2000 e 2006 a exportação de produtos de alta e médio- participação nas exportações totais caiu de 36% para 29%. Em termos de quantidade, as exportações de manufaturados praticamente acompanharam a total
  54. A produtividade do capital (valor agregado por estoque de investimento) é, na média, baixa para o país (quando se incluem os investimentos de infraestrutura alta tecnologia cresceu em 140% (mais que dobrou em valor) enquanto sua necessários) e fortemente dependente dos preços internacionais.
  55. Os termos de troca expressam a razão de índice de preços das exportações em relação ao das importações.Referências: [ii] “A Importância da Produtividade de Capital para o Crescimento” Economia e Energia e&e No 65, Dezembro 2007
  56. Na prática, contratos de longo prazo que tornam os preços mais estáveis no médio prazo. O reajuste negociado entre a Vale e os compradores japoneses, por exemplo, significou um aumento de 65% no preço do minério inferior, portanto, ao aumento verificado no mercado livre. Também é provável que os preços de longo prazo ofereciam a Vale condições favoráveis quando o mercado estava em baixa.
  57. Normalmente entende-se esse conceito de agregar valor como sendo decorrente de instalar fábricas de processamento do minério (siderúrgica). Mas, na verdade, as siderúrgicas não são necessariamente as instalações que geram a melhor produtividade de capital para o País (salvo nos picos de preços altos de commodities), mas sim as etapas posteriores, e que dependam de maior tecnologia, bem como o próprio desenvolvimento tecnológico na cadeia de valor, desde a mineração até o produto de aço mais elaborado.  Esse desenvolvimento tecnológico é que acabará criando as condições para reduções de custos e aumento de valor pela inovação continuada, para lançamento de novos produtos, processos e serviços que venham a ser competitivos no mercado nacional e mundial.
  58. Nas Crises do Petróleo de 1973 e de 1979, houve a escalada de preços de US$ 2/b para US$ 12/b (seis vezes) e para US$ 40/b (vinte vezes), respectivamente. Esses valores corrigidos para 2008 seriam respectivamente US$ 10, US$ 50 e US$100 portanto ainda inferiores ao teto de US$120/b alcançado em maio. A atual escalada de preços multiplicou por seis o preço do óleo no mercado.
  59. No Brasil, a rigor, o destino do excedente de dólares mais provável, no médio prazo, é sua utilização para o pagamento dos rendimentos ou da retirada das aplicações externas que vem sendo multiplicadas pelos elevados juros pagos pelo Brasil.
  60. Em um olhar superficial do intercâmbio comercial entre EUA e China poder-se-ia chegar à conclusão inversa sobre o grau de desenvolvimento dos dois países. Com efeito, conforme dados do US Census Bureau (http://www.census.gov, os EUA têm 49% de sua exportação para China constituída de produtos alimentares e materiais intermediários sendo que estes itens correspondem apenas 8% deste tipo de exportação da China para os EUA. Bens de consumo e de capital correspondem a 82% das exportações da China para os EUA.
  61. Como estão demonstrando os fatos até o presente, o problema de não encontrar petróleo em terra era muito da geologia que de competência como, aliás, já havia antecipado, no início dos anos sessenta, o controverso relatório Link.
  62. Muitos dos detalhes do desenvolvimento alcançado foram escassamente estudados. Isso se deve, em parte, a escassa preocupação com o tema desenvolvimentos nas últimas décadas, sendo também possível que à própria empresa não interesse revelar detalhes desse importante fator de êxito em seus negócios.
  63. Associada, no Brasil, a sua singular política de juros.
  64. Programa de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás Natural http://www.prominp.com.brTexto para discussão na Economia & Energia -No 67 – Abril – Maio 2008
  65. (*) Eng. José Fantine, Consultor da COPPE, Ex-Diretor da Petrobras e ex-Superintendente de Planejamento da Petrobras. Membro da Academia Nacional de Engenharia(**) Carlos Feu Alvim, doutor em Física, redator da Revista Economia e Energia – e&e. e Consultor da COPPE 0Nota dos Autores:A nosso ver em boa hora, o governo federal sustou em 2007 as concessões das áreas do pré-sal e definiu que seria oportuno rever o modelo que regula o assunto no País. Seguindo essa linha, após estudos prévios, determinou a criação de uma Comissão Interministerial para apresentar em 60 dias suas conclusões sobre o como (e certamente o porquê) conduzir essa janela de oportunidade talvez a definitiva para o Brasil entrar no time dos países desenvolvidos. O governo vai criar uma comissão interministerial para analisar eventuais mudanças no marco regulatório do petróleo para futura exploração nos campos petrolíferos gigantes da chamada camada pré-sal.Nossa expectativa é a de que possamos contribuir para essa discussão, trazendo-a também para o seio da sociedade, ajudando a colocar em pauta a questão econômica do como casar a potencialidade do pré-sal com o progresso nacional e o como se lastrear na história real do setor petróleo no Brasil e no Mundo. Para isso, já fizemos nossa primeira contribuição ao alertar para os riscos da entrada indiscriminada de divisas e do subdesenvolvimento e até pobreza da grande maioria dos países exportadores de óleo (revista Economia e Energia número 67 http://ecen.com), e mostrar que precisamos, além de uma boa Lei do Petróleo, de um perfeito planejamento para usar essa riqueza. Agora levamos a público nossa segunda contribuição, mostrando a importância da integração Estado setor petróleo e gás no Brasil.

    Uma versão “em discussão” de um terceiro texto dos autores, contendo sugestões para o modelo a ser adotado está disponível, como suplemento deste exemplar, e pode ser solicitado à Redação da e&e. A ideia é revê-lo, quantas vezes sejam necessárias, com ajuda das sugestões e críticas que ele mereça.

    NOTA DO EDITOR: Grande parte das informações, a partir de 1980, se baseia na experiência direta do co-autor deste trabalho, José Fantine, que chefiou o refino da Petrobras, foi assistente de Diretor, Diretor Superintendente de Planejamento e Assistente do Presidente da Petrobras. Na falta de fonte explícita das informações, pode-se tomá-las como seu testemunho direto.

  66. Essa é a movimentação financeira total que essas reservas proporcionarão a valores médios de 2008, portanto dando imenso poder a quem estiver na ponta da produção por girar tais somas e deter o direito de direcionar o óleo estrategicamente para onde desejar. Seu movimento comercial seria superior a US$ 200 bilhões por ano e seus resultados brutos seriam superiores a US$ 100 bilhões por ano, se mantidas as condições atuais e a desejada liberdade de produção sugerida pelos que propugnam pela manutenção do status quo do setor petrolífero nacional. A certeza de resultados excepcionais para os que explorarem essas reservas e para seus países de origem (segurança no abastecimento) contrastam com as incertezas para o Brasil no caso de não ter o controle de fato e de direito sobre o ritmo de exploração e produção, o destino do óleo e a internalização e otimização das receitas, impostos e divisas no País em prol da sociedade e da indústria nacional exportadora e fornecedora de bens ao mercado interno. Sobre este assunto, ver artigo “Commodismo Pré-Sal e Desenvolvimento”.http://ecen.com/eee67/eee67p/commodismo_e_desenvolvimento.htm
  67. A CNE estava diretamente subordinada ao Presidente da República que delegou sua condução ao Vice-Presidente Aureliano Chaves que continuou a exercer essa função como Ministro de Minas e Energia no Governo Sarney, A partir do governo Collor foi desativada a CNE assim como foram desativados ou desprestigiados  vários outros organismos e instrumentos de planejamento energéticos.
  68. Em 1911, quando W. Churchill assumiu como Primeiro Lorde do Almirantado da Marinha Real, o combustível predominante nos navios britânicos era o carvão, o óleo combustível era apenas utilizado em submarinos e destroyers. O uso do carvão imobilizava um quarto da frota na complexa operação de reabastecimento. Ao fazer a substituição do combustível, os britânicos aceitaram o risco de dependência do abastecimento externo, já que tinham carvão, mas não petróleo. Assegurar o abastecimento de petróleo passou a ser um assunto estratégico no sentido militar do termo. Com a crescente participação do petróleo na matriz energética mundial, o petróleo, por razões econômicas, passou a ser um insumo estratégico para todos os países. (Fonte: Dahl, Erik J. Naval innovation: from coal to oil – Cover StoryJoint Force Quarterly, 2000 emhttp://findarticles.com/p/articles/mi_m0KNN/is_2000_Winter/ai_80305799/pg_1?tag=artBody;col1, consultado em 15/07/2008.
  69. Organização dos Países Exportadores de Petróleo foi fundada por Arábia Saudita, Irã, Iraque, Kuwait, Venezuela. No presente são membros, além dos fundadores: Angola, Argélia, Líbia, Nigéria, Equador, Emirados Árabes Unidos, Qatar,
  70. As companhias foram: Standard Oil of New Jersey (Esso), mais tarde, Exxon, e atualmente, ExxonMobil; Royal Dutch Shell, atualmente chamada simplesmente de Shell; Anglo-Persian Oil Company (APOC), mais tarde, British Petroleum, depois, BP Amoco, atualmente conhecida pelas iniciais BP; Standard Oil of New York (Socony), mais tarde, Mobil, que fundiu-se com a Exxon, formando a ExxonMobil; Texaco, fundiu-se com a Chevron, criando a ChevronTexaco e depois com nome Chevron; Standard Oil of California (Socal), atualmente Chevron; Gulf Oil, absorvida por várias empresas (wikipedia).
  71. Folga é a diferença entre a capacidade de produção presumida e a demanda.
  72. Qualquer acontecimento que indique possibilidade de agravamento de situação faz elevar os preços, bem como uma conjugação favorável de fatores os traz para patamares inferiores. Assim, a permanência deles por longos períodos acima de US$ 140 barril não é esperada, bem como a volta a faixas muito favoráveis aos consumidores nada mais seria do que uma quimera.
  73. Em parte, verificada na geração de calor e de eletricidade, mas não na área de combustíveis líquidos para o transporte.
  74. A decisão cabia ao Departamento Nacional de Produção Mineral, em abril do ano seguinte a atribuição foi transferida ao CNP.
  75. Informações Sindipetro http://www.sindipetro-ce.org.br e ANP http://www.anp.gov.br.
  76. A proposta inicial considerava a participação de capital estrangeiro na Petrobras em até 1/10 do capitalhttp://www.cpdoc.fgv.br/nav_fatos_imagens/htm/fatos/Petrobras.asp#Campanha consultado em 16/07/2008. A União Democrática Nacional – UDN adepta, em princípio da doutrina liberal, assumiu, contraditoriamente, a defesa do monopólio estatal tendo o seu presidente, Bilac Pinto, apresentado substitutivo neste sentido criando a Empresa Nacional de Petróleo (ENEPE) em lugar da Petrobras proposta por Getúlio. Em negociação com o Congresso, o governo aceitou a tese do monopólio, que foi aprovado pela Câmara; no Senado foram apresentadas dezenas de emendas tendo sido aprovadas pela Câmara a que preservou as refinarias já existentes e a que permitiu a atuação das empresas estrangeiras na distribuição. Alguns admitem que a estratégia do governo fora justamente provocar a reação do Congresso. Outros julgam que a posição da UDN fora em verdade no sentido de inviabilizar o andamento da Lei no Congresso ao radicalizar a questão. Mas, historicamente o sentimento que permaneceu foi a de perfeito exercício da soberania e de união das forças representativas da nação, da ampla maioria no Congresso e dos seus vários segmentos políticos, apesar das fortes pressões de alguns poucos núcleos nacionais e forte lobby estrangeiro contrário.
  77. Na verdade, a campanha queria dizer que o petróleo que poderia existir no subsolo nacional deveria ser “Nosso” ao ser descoberto. Tão forte foi o movimento popular, que essa ideia prevaleceu por 53 anos até a Constituição de 1996, que manteve a posse das reservas como sendo da União. Mas a Lei 9478 de 1997, art. 26, que regulamentou o artigo 177 da Constituição, ofereceu claramente a posse do óleo e gás às empresas descobridoras. Ou seja, a posse da União passou a ser uma retórica, só existindo enquanto não “existir” o óleo, pois quando descoberto a posse não é mais da União.
  78. Citado em artigo do Senador Jarbas Passarinho no “Correio Braziliense” de 25/04/2006
  79. Na exploração e produção fora dos seus países, e atendendo seus interesses, existiam outras poucas fortes empresas estatais, como a Total, Elf e British Petroleum. Na exploração e produção, atendendo seus interesses empresariais, também poucas companhias dos EUA se aventuravam mundo afora, como a Arco, Chevron. Occidental, Mobil, todas, sem exceção somente nas áreas de grandes promessas petrolíferas como o Oriente Médio, Ásia, África e Venezuela. Sua lógica era a de obter custos de produção menores do que US$ 2 o barril.
  80. Alguns argumentam que haveria o interesse de empresas privadas nacionais no refino, inclusive demonstrado pelas iniciativas do Grupo Ipiranga na década de 30, e dos grupos que instalaram pequenas refinarias na década de 50. É preciso, entretanto, entender que: a ação inicial da Ipiranga tentava se valer de um mercado fechado e distante das rotas de abastecimento e se valer também de um fornecimento de óleo bem definido e próximo; que as demais refinarias privadas de fato somente saíram do papel justamente pelo idealizado e iminente fechamento do mercado às importações, o que lhes daria, como ocorreu, mercado cativo até 1997 e livre dos cartéis dominantes. O grupo Ipiranga teve muita dificuldade para se manter até 1953, justamente pela existência do cartel na distribuição e no fornecimento do óleo, após perder as fontes próximas de suprimento. No mundo subdesenvolvido, não foram construídas refinarias, ou quando o foram resultaram de grande empenho dos governos locais. Mas, sem exceção, não houve nenhum exemplo nesses países de refinaria privada otimizada, exceto em um ou dois situados em rotas de total interesse do cartel reinante (ele proprietário da empresa refinadora).
  81. O monopólio, na verdade, estabelecia três coisas essenciais para os negócios decolarem: i. colocava a importação de derivados e toda a venda às distribuidoras em mãos do Estado, assim garantindo que haveria mercado para os produtos a serem refinados no País; ii. eliminava a possibilidade de construção de refinarias por terceiros, evitando assim que viesse a ocorrer concorrência do cartel existente; iii, dava agilidade e recursos, pela criação da Petrobras, à ação do Estado na exploração e produção, já de sua responsabilidade desde 1938.
  82. Quase todas as estatais seguiram modelo com alto grau de descentralização formal (regionalização) ou informal (tornando-se áreas de influência do governo local).
  83. Missão nacional, pois se olhado pelo ângulo interno da Petrobras ela, como todas as grandes multinacionais do ramo, transformaria (seu desejo corporativo) suas refinarias em polos petroquímicos. Mas o governo federal desejava criar uma grande petroquímica nacional desenvolvendo o empresariado brasileiro nesse campo. Para isso, a Petrobras criou as Centrais de básicos petroquímicos, independentes das refinarias, e estimulou a criação das empresas de segunda geração no modelo tripartite, onde entrava com 1/3 do capital, um sócio brasileiro com outros 1/3 e um sócio estrangeiro com o restante. Assim, garantia as matérias primas para estabelecer uma moderna indústria, a petroquímica nacional, e dava porte e garantias ao sistema que não teve então nenhum problema para se instalar.
  84. Como exemplos paradigmáticos: o desenvolvimento de Minas Gerais, do Paraná, do Rio Grande do Sul e do Nordeste, do interior paulista era obstado pela falta de derivados de petróleo a preços accessíveis e em quantidades necessárias. Por decisão de governo foi decidida a interiorização e, também, a descentralização do refino e da petroquímica, em escala que antecedesse à futura demanda, coisa impensável se o refino e a petroquímica fossem privados. Justamente a construção de grandes refinarias e de grandes centrais petroquímicas nas zonas distantes da costa marítima e nas regiões mais distantes está na base do desenvolvimento industrial do interior paulista, de Minas Gerais, do Paraná, do Rio Grande do Sul e da Bahia.
  85. Os contratos de risco eram estabelecidos pela Petrobras e a produção que viesse a ocorrer seria entregue à estatal, que remuneraria a concessionária de acordo com parâmetros pré-estabelecidos relativos aos custos e aos investimentos.
  86. O general Geisel tinha forte ligação com o Setor Petróleo tendo dirigido a Petrobras antes de assumir a Presidência da República.
  87. Várias reuniões foram realizadas com a Comissão Nacional de Energia e o MME e até mesmo com o Banco Mundial (que exigia providências do governo para tal ajuste) para definir rumos no refino.
  88. O problema crucial era reduzir, por novos esquemas de processamento, o volume de produção de pesados, de baixo valor no mercado externo, gerando então mais diesel e gasolina, na época valendo o dobro do preço do óleo combustível transformado. Embora a exportação de gasolina e a importação de diesel fossem menos críticas na questão do equacionamento volumétrico da oferta e, em alguns casos, vantajosa como a exportação de gasolina, preocupava, também, a possibilidade de redução demasiada da demanda de gasolina e do aumento desmesurado do percentual de demanda de diesel.
  89. Repete-se com insistência que é preciso estabelecer competição no segmento do refino para se ter derivados de melhor qualidade e de menores preços. Não existe refinaria competindo de fato com outra refinaria no mundo. Nunca se tem excesso de oferta, dados os elevados investimentos, e custos para se chegar a tal situação, que inclusive derrubariam os preços. O único mercado de peso onde talvez fosse possível tal concorrência seria o dos EUA, país tido como exemplo de mercado aberto, dez vezes maior do que o do Brasil. Lá, assiste-se a maior disputa entre as autoridades e as empresas, pois há um sentimento de manipulação do mercado, face fusões e fechamento de unidades e de não investimento por 30 anos em novas refinarias. Em todo o mundo, a qualidade dos produtos é determinada por um consenso, que leva em conta a quantidade total de poluente emitida localmente, os requisitos dos equipamentos e o estado da arte das tecnologias, jamais havendo em lugar algum “qualidade superavitária” para efeito de concorrência, em face dos exagerados custos e limitações de produção para se evoluir nessa rota de competição. Quanto aos preços, se eles forem balizados pelo mercado mundial, não haverá como diminuí-los, pois sempre prevalecerá essa ótica do mercado, como ocorre para todos os demais produtos consumidos pela sociedade. Nenhuma empresa privada no mundo vende produtos a preços inferiores aos do mercado geral, para fazer guerra de preços e ganhar mercado, salvo se exercendo monopólio ou formando cartel (para eliminar concorrente e depois explorar o mercado com preços elevados). O que ocorre frequentemente é se valerem de dificuldades de importação para seu mercado para imporem preços mais elevados, essa é a regra (o que não há como ocorrer no Brasil).
  90. Após a descoberta de Garoupa, a área de E&P e o Cenpes da Petrobras decidiram desenvolver esquemas de produção nunca antes tentados (profundidade no mar sem precedentes no mundo, porém no limite do mergulho humano). Isso os motivou a irem, progressivamente, mais longe em suas metas, resultando em debates e análises que levaram à configuração do PROCAP 1.000 metros, pensando no novo horizonte de produção além das possibilidades do mergulho humano e de elevadas pressões no fundo do mar.
  91. Vale dizer que o Brasil fechou seu mercado na década de 60, situação que perdurou até o final de década de 80 para as empresas nacionais e estrangeiras colocarem sua produção, sem exigir a contrapartida de obrigação de ir ao mercado externo. Tornaram-se, de modo geral, compradoras de tecnologia, sem chance de conquistar o mercado externo, salvo em alguns nichos de maior visão. Diferentemente desse quadro, a Petrobras buscou na tecnologia a fórmula para cumprir seu papel no abastecimento (o que não fez nenhuma outra petrolífera de país não desenvolvido). Essa situação de proteção do mercado para empresas privadas, embora não na forma de monopólio (criaram-se oligopólios, cartéis e poucas atividades competitivas), deve ser analisado para se entender o papel estatal em momento crítico da economia nacional.
  92. Embora se fale de conflitos de interesses, a logística da estatal (portos, navios, polidutos, bases de armazenamentos e postos próprios) foi colocada em tempo sempre adequado e pioneiramente no mundo para viabilizar a disseminação do álcool no País, fato até hoje não existente em parte alguma na escala aqui alcançada.
  93. Marcelo de Alencar, ao assumir o governo do Estado do Rio de Janeiro, criou grupos de trabalho para lançar as bases para a retomada do desenvolvimento regional com a integração com a Petrobras. Na abertura dos trabalhos, seu secretário Ronaldo César fez pedido público para que a Petrobras liderasse os trabalhos para criar o Polo Gás Químico, que seria o maior investimento regional além dos previstos para a bacia de Campos (apesar da Petrobras ter sido afastada dos negócios petroquímicos no processo de privatização). No encerramento do GT, o governador fez veemente apelo público para a Petrobras cuidar do assunto sem o que não haveria como viabilizar o negócio, dado o vulto e os riscos em função da grande concorrência prevista. Mais adiante, o governo federal criou uma Secretaria Especial para o Rio de Janeiro com a finalidade principal de analisar a questão. E tudo foi decidido favoravelmente, tendo assim a Petrobras, por interesse de Estado e seu também, retomado o negócio petroquímico, o que serviu de uma das bases para a reestruturação recente do setor.
  94. O leitor da Política de Desenvolvimento (NR 1) verificará que um dos seus fundamentos mais importantes é a inovação, e que os avanços da Petrobras na estruturação de redes de pesquisas (Centros e Redes de Excelência, Redes Tecnológicas e Programas Tecnológicos) são peças importantes no processo, demonstrando a estreita ligação da ação estatal no processo nacional. 
  95. Notar que foi a ação da Petrobras que deu condições ao governo de intervir no 9o Leilão de concessões retirando as áreas do pré-sal e tem sido ação da Companhia indicar que o País deve rever o seu modelo legal para receber mais recursos e controlar melhor a atividade. Essa atitude contrasta com a das multinacionais que querem manter o mesmo modelo de concessões, apenas indicando aceitarem um aumento de taxas.
  96. Os planos em acelerado andamento interligam o País do Ceará ao Rio Grande do Sul, incluindo todos os Estados na rota Nordeste, todo o Sudeste e Sul e boa parte do Centro-Oeste, com gasodutos para circular mais de 100 milhões de m3 de gás por dia, colocando o Brasil na modernidade no uso dessa energia. Para isso desenvolve também excepcional programa de centros de excelência com entidades nacionais e universidades que garantem uma entrada otimizada do gás no mercado. Em que pesem críticas havidas quando da nacionalização do gás na Bolívia recentemente, a verdade é que a oferta e a demanda crescem a mais de 10% ao ano, fato transcendental para o progresso nacional, sem faltas e previsão de gargalos futuros.
  97. O interesse privado no refino não se guia por aumentos naturais de mercado ou pequenos déficits locais, pois isso implicaria em imobilizar grandes somas e ficar em momentos com capacidade ociosa, o que inibiria os preços e a rentabilidade do negócio.
  98. Interessante rememorar nesse momento trecho do Auto da Devassa de 1789, acusação referente ao julgamento de Tiradentes, o qual teria contrariado interesses do Reino: “O Alferes da tropa paga das Minas Joaquim José da Silva Xavier foi quem espalhou a sediciosa proposição de que poderiam as Minas ser independentes, livres da sujeição Real e rica República, porque tinham em si todas as riquezas, todas as produções e que toda a América podia ser livre; com estes discursos entrou a querer persuadir o povo e a desejar com ânsia que se proceda o seu desígnio”. Se o leitor fizer uma análise histórica, todas as grandes decisões brasileiras foram tomadas sob forte pressão internacional para atender interesses estrangeiros, sempre sob ameaças ou militares, ou financeiras, ou políticas ou comerciais. Mas, nesse ano de 2008, o Brasil, pela primeira vez na sua história, poderá tomar a decisão que bem entender no uso de suas “minas” e cumprir com tranquilidade absoluta os seus desígnios, sem medo de Devassas de qualquer espécie. Texto para Discussão/ Opinião Economia & Energia -No 68 Junho-Julho 2008
  99. Ver http://www.desenvolvimento.gov.br/pdp/
  100. Ver http://www.prominp.com.br/paginadinamica.asp?grupo=245. Notar que desde 1997, ano do lançamento da nova Lei petrolífera, até o ano de 2003 não houve nenhum movimento oficial para alinhar a política do petróleo e do gás ao processo desenvolvimentista nacional. No entanto, a Noruega e o Reino Unido (cujo modelo serviu de base para o brasileiro), países ricos, ainda nas décadas passadas, desenvolveram programas e ações governamentais, inclusive permanentes, em tudo semelhante às do PROMINP e às do PDP, o que poderia ter ensejado ao Brasil seguir seus exemplos na década passada, se o setor fosse observado mais detidamente. Tudo se passou como se fora suficiente elaborar um novo texto legal para fazer do maior negócio do Brasil um motor do seu desenvolvimento.
  101. Esse assunto gera muitas confusões. Primeiramente diremos que tudo depende do valor do óleo no mercado, que fixaremos entre US$ 60 e 80/barril (preço futuro).  Definiremos com base na Lei em curso: i. valor das possíveis jazidas do pré-sal antes de qualquer exploração local ou próxima = ao que se paga nos leilões pelo direito de explorá-la, o que pode chegar a algumas centenas de milhões de reais por bloco, normalmente bem menos do que US$ 1/barril que venha a ser descoberto (portanto sempre a menor parcela, paga para um bem da sociedade). Se na mesma situação, porém ao lado de um campo com descoberta, o valor pode se multiplicar a depender do que se publicar sobre as descobertas; ii. valor após cubar a reserva descoberta (feito gastos de exploração) = até US$ 20; iii. valor após produção no Brasil antes das taxas e royalties e com custos = US$ 40 a 60, a depender do tipo de óleo. Para efeito de impostos, os governos recebem no momento não mais do que US$ 20 por barril, e os custos de produção são da ordem de US$ 10/barril. Nesse quadro, não é correto dizer que o valor do óleo na reserva é igual ao valor do óleo no mercado, nem que seja desprezível se não produzido. As contas que valem são: quanto valeriam as reservas cubadas, antes dos investimentos para produzir (ii) e o valor de mercado antes dos impostos (iii). Vê-se, com a legislação presente, que muitos querem manter, que o grande lucro é das concessionárias. Estas perderiam dinheiro com óleo a menos de US$ 30-35/barril.
  102. Não há nada no presente nos campos econômico, militar, político, social, estratégico, filosófico, ético, tecnológico, estrutural, empresarial, comercial que possa desaconselhar o Brasil de encarar seu modelo atual e decidir mudá-lo. Pelo contrário, há muitas razões em todos os campos citados para fazê-lo.
  103. O CNPE deu então duas diretrizes acauteladoras, representando o pensamento do governo: de um lado mostrou a intenção de respeitar o quadro vigente, assim acalmando o mercado; mas, de outro, mostrou claramente que, nas novas condições trazidas pelo pré-sal, doravante deseja um novo marco que preserve melhor os seus interesses, portanto os da nação. Não fora esse sentimento, nada teria feito ou apenas se referido simplesmente a, por exemplo: “…suspender os leilões enquanto se avalia melhor a questão do pré-sal”,
  104. Suposto o quanto poderia ser vendida uma reserva já cubada, mas não em produção ainda, mantida a legislação atual. Nesse caso um Tupi valeria algo como US$ 20 x 5 bilhões = US$ 100 bilhões, no mínimo, sem produzir um barril sequer; mesmo que o valor fosse a metade, ainda assim estaríamos falando de valores estratosféricos. Por exemplo, uma empresa descobriria o óleo e venderia os direitos para China, ou dividiria com outras interessadas em comprar reservas.
  105. No presente, qualquer descoberta tem que ser prontamente colocada em produção, com volume a ser explorado dependente somente das condições técnicas, ou seja toda descoberta gerará uma produção maximizada independentemente de qualquer outra consideração de oportunidade de mercado, de excesso de oferta, de aumento desmesurado de entrada de dólares, de hipótese de suprimento de longo prazo
  106. Logicamente, todos falam em interesse do País ao discutir o assunto. Ninguém, mesmo que claramente defendendo interesses empresariais legítimos, deixa de se referir ao interesse nacional. Como saber então qual é o legitimo interesse nacional? Primeiro julgamos que um caminho é aprofundar o debate, como agora propomos; segundo colocar em suspeição toda e qualquer afirmação de defesa do interesse nacional que trate tal assunto como um simples processo de livre mercado, que no caso do petróleo e gás nunca houve e pelo que parece jamais haverá; terceiro, verificar a coerência das posições oficiais dos representantes das multinacionais com a fala do debatedor, pois ele poderá estar apenas sendo um porta voz delas e, daí, encontrar os contrapontos e melhor julgar entre várias hipóteses; quarto,  buscar sinais no mundo, correlações, analogias com o que se passa  no País (exemplo, como conviver no momento com os saldos da balança de pagamentos sem asfixiar a indústria e agricultura nacionais, como conviver com  a grita dos setores empresariais com a queda do dólar, com as quedas das exportações  brasileiras); quinto, considerar  que algo somente será chamado de interesse nacional depois de debatido amplamente, sem pressões diretas ou indiretas de qualquer ordem, e votado pelo Congresso nacional, discordemos ou não das decisões, pois na magnitude do que se trata neste trabalho nenhuma posição individual ou partidária terá o selo da verdade absoluta. Estamos em uma democracia. Sobre isso ver Revista Economia e Energia número 72 http://ecen.com/eee72/eee72p/ecen_72p.htm
  107. Há várias maneiras de se avaliar o consumo futuro de óleo. A título de exercício, simulemos que o Brasil, daqui a 50 anos consuma 30% do que hoje os EUA consomem em carvão, gás e petróleo. Essa trinca foi usada por ser de alguma forma conversível. O Brasil talvez não será forte em gás, e muito menos em carvão de qualidade. Também, caminha para completar seus melhores aproveitamentos hídricos, levando-nos a cogitar bem mais do petróleo, se ele em fartura. A demanda seria 0,3 x 2,07 bilhões de tonelada equivalente de petróleo (tep) /ano = 621 bilhões de tep, algo como cinco vezes a demanda atual do Brasil. Se tudo caminhasse preferencialmente no sentido do petróleo, seriam 10 milhões de barris por dia. Se, por outra conta, se alcançasse 30% da demanda norte-americana de petróleo, chegaríamos a 6 milhões de barris por dia. Ou, supondo um crescimento da demanda de 3% ao ano, chegaríamos a um total de 8,7 milhões de barris por dia de óleo em 50 anos, ou 5,4, se a 2%.  Deve ser lembrado que com fartura de óleo e um plano de uso dos recursos para desenvolver o País, a demanda poderá assumir valores muito elevados, pois seria em petróleo centrada. Para se ter uma ideia de crescimento de demanda de países do porte do Brasil, vejam o caso da China e Índia nos últimos dez anos: aumento de 100% e 47% respectivamente.
  108. A ANP e a mídia, bem como os órgãos de classe vêm defendendo a volta rápida dos leilões, mesmo não havendo mais dúvidas quanto à segurança energética, agora argumentado que o Brasil está perdendo divisas e lucros. Ora, isso demonstra cabalmente não compreenderem os sintomas da “Doença Holandesa” que começa justamente pela “febre virótica com a compulsão de explorar os recursos naturais”. Depois o “hospedeiro (o Brasil) fica inundado de divisas e padece, definhando sem sentir”, com prejuízos para todos e lucros exclusivos para as petroleiras e as poucas empresas remanescentes. Não foi isso que a Noruega fez, mas é o que fazem todos os países deslumbrados com a fácil riqueza das divisas atraídos pelo “canto das exportações de commodities”.
  109. Um caso emblemático é o da Argentina, país rico no início do século passado pelas suas excepcionais condições para a produção agropecuária, que não aproveitou a oportunidade para alcançar o desenvolvimento tecnológico e industrial.
  110. Embora estejamos repetindo, é fundamental entender a pressão do momento para a manutenção das concessões como o prenúncio do que se fará, mantido que seja o arcabouço do sistema vigente. Ele mantido, o que haverá serão leilões em profusão e loas aos saldos de divisas, à modernidade exploratória e à exemplar concorrência. E o resultado desastroso se verá anos à frente quando pouco haverá o que fazer para corrigir a situação, face interesses estabelecidos e a derrocada do sistema produtivo nacional.
  111. Observar que até o momento não houve quem dissesse ser necessária a união política em busca do consenso nacional, antevendo-se um debate acirrado com base em outras facetas da questão como estatização ou não, controle do Estado como sendo pernicioso ou não, quando a questão é transcendental e de cunho econômico e estratégico antes de tudo.
  112. Há uma excelente oportunidade que seria relacionar essa geração de divisas e abertura de oportunidades excepcionais com a recente Política de Desenvolvimento Produtivo.
  113. Curiosamente, depois das declarações do Diretor Geral da ANP falando sobre proteção do nosso mar territorial (ver NR 22) e das descobertas e celeumas sobre o petróleo do pré-sal, surgem notícias da volta da 4ª Frota norte americana, merecendo novas preocupações e desmentidos sobre as intenções sobre o caso. Também, notícias de negociações sobre bases norte americanas na Colômbia e sua ação local vem sendo relacionadas com a intenção de fortalecer o poderio dos EUA na América Latina, que vem se distanciando de um modelo liberal e buscando a integração, que será fortalecida se o Brasil tornar-se soberano na posse do óleo do pré-sal (http://senadorpedrosimon.blogspot.com/2008/07/senadores-criticam-reativao-da-4a-frota.html). Sobre moeda de troca, é interessante ver a posição dos EUA e da Itália contrária à entrada do Brasil no grupo do G-8 (reunião de 08/07/2008), certamente por julgarem não depender em nada do nosso País; mas, os outros querem nossa presença, certamente por encontrarem algo de vantajoso em acolherem o Brasil. A Rússia está no G-8 em grande parte por causa dos seus recursos energéticos (pois a China não está). Sobre isso ver http://www.dw-world.de/dw/article/0,2144,1840127,00.html ehttp://www.g7.utoronto.ca/evaluations/csed/cs_integration.pdf item 4 Energy Security.
  114. Ver artigo já citado: Revista Economia e Energia número 72 http://ecen.com/eee72/eee72p/ecen_72p.htm e ver “Clinton considers energy security a major US foreign policy element” O&GJ,30/01/09 http://www.ogj.com/display_article/351389/132/ARTCL/none/none/Clinton-considers-energy-security-a-major-US-foreign-policy-element/?dcmp=OGJ.monthly.pulse
  115. Jornais de 17 e 18/07/2008 relataram a criação de um Grupo Interministerial para estudar o novo modelo a ser proposto pelo governo federal.
  116. Regras não escritas, que levam em conta os interesses do Estado ou de setores empresariais específicos, levam os governos a intervir nos seus mercados internos impedindo, como acontece atualmente nos EUA, a aquisição de ativos na área de petróleo pelos chineses e nas restrições à importação do álcool carburante. Tem sido muito veiculado na mídia a ligação dos governantes atuais dos EUA com as empresas petrolíferas, no passado e no presente. E não menos importante é considerar que a intervenção do Iraque é preponderantemente apoiada pelos EUA e Reino Unido, cujas empresas terão, segundo consta, regalias na abertura das áreas do Iraque à exploração estrangeira, em modelo imposto por esses países. Também, é conhecida a ligação dos dirigentes dos EUA na era Bush, pai e filho, com as empresas do setor petrolífero
  117. A Noruega se orientou a partir do fim da década de 90 para retirar boa parte dos direitos da sua estatal não porque quisesse, mas por aceitação das regras da União Europeia, exigindo igualdade de condições para as empresas estrangeiras no Mar do Norte norueguês. Ainda assim a participação do Estado na Statoil (>60%) é maior do que o da União na Petrobras (52%). Mas, as taxas locais são elevadas e a indústria local soube se preparar para a fase seguinte. Usou adequadamente o petróleo e gás como armas para seu desenvolvimento desde a década de 70.
  118. Curiosamente, as concessões de áreas em volta dos campos já com descobertas da Petrobras, como os da Bacia de Campos e outras, foram sempre as mais procuradas e assim mais valorizadas, como seriam os blocos retirados do leilão da nona redada.
  119. Interessante notar que uma empresa sem lastro em reservas ou patrimônio real, a OGX, levantou RS$ 6,7 bilhões na Bolsa.
  120. As grandes potências e os países mais ricos ou de grande demanda estão tomando posições incríveis para terem garantia de suprimento, passando desde interferências políticas, a financiamentos de guerrilhas ou anti-guerrilha, a invasões de territórios, a grandes investimentos vinculados, a aplicações de soma exageradas de recursos em alternativas para diminuírem a dependência de óleo. Seu nível de dependência leva a declarações como a do Senador Lamar Alexander (R-Tenn.- USA) em 12 de maio de 2008, O&Gás Journal de 13 de maio :  “”By independence, I do not mean the US would never buy oil from Mexico, Canada, and Saudi Arabia. By independence, I do mean that the US could never be held hostage by any country for our energy supplies. Independence means being able to control our own destiny,” discursando sobre a necessidade de os EUA investirem vigorosamente em alternativas ao óleo. Ora, ser capaz de controlar o próprio destino aplica-se aos fornecedores de óleo, pois a ação do demandante é clara, fará o que puder para ser dono do seu destino e ter seu suprimento garantido. Contundente foi a declaração do Ministro de Energia dos EUA de acordo com Texto do Petroleum Engineer International, May 1995, p.4: The US is pursuing diversification of oil imports toward South America to “avoid the Persian Gulf import trap”, said Dep. Energy Sec. Bill White. Speaking to ….audience in Houston said “not a day goes by or a week that we don’t undertake some action with some country south of our border encouraging openness in their energy sector and privatization. It is a consistent message that they are hearing from the government of the United States”. He said that expanding oil production in Latin America and other regions is at the forefront of US energy policy, in order to reduce the chance that the US will become an energy hostage to Persian Gulf producers”. Como se vê, infere-se que houve e há ações externas no sentido de influenciar nações produtoras para se orientarem como supridoras confiáveis dos EUA, como há oposição clara quanto nossa soberania no mar. Agora Hillary Clinton diz que “considers energy security a major US foreign policy element” O&GJ,30/01/09.
  121. Revista Economia e Energia no 68 http://www.ecen.com/eee68/eee68p/petroleo_estado.htm
  122. Muito se fala sobre o modelo da Noruega para justificar a criação agora de um estatal para gerenciar as novas concessões, estas podendo ser, segundo alegam para qualquer empresa. Acontece que a Noruega só partiu para esse caminho há pouco tempo, com os campos já em começo de declínio, depois de executar a política petrolífera por mais de trinta anos (após a década de 70) através sua estatal original Statoil), criar um ritmo da produção de acordo com os interesses nacionais, esterilizar os recursos obtidos para não desestabilizar a economia local e ainda criar um poderosa indústria nacional de bens e serviços na área do petróleo e gás.
  123. Ver movimentação da ANP sobre esse assunto no Globo, dia 15 de maio de 2008, com o título: “ANP pede ação de Jobim para garantir descobertas”, pagina 25 caderno Economia. É nesse contexto de hipóteses de interpretações contrárias ao interesse nacional em função de oposições ao Tratado da ONU sobre Direitos no Mar, que nosso trabalho insistirá em soluções novas para a questão do pré-sal. É nossa convicção que o loteamento continuado de áreas no mar com potencialidade elevada em reservas acenderá as disputas internacionais sobre direitos do mar. Isso é o mesmo que se verifica com a Amazônia “dona da riqueza mundial do O2” por isso já alvo de assumidas ou dissimuladas disputas internacionais, exigindo que a todo instante o Brasil reafirme sua soberania na área, ela que é geograficamente interna e sem nenhuma disputa territorial que a coloque em disputa (ver NR 13). O Globo de 12/07/2008 pag. 2 afirma que “… o Ministro da Defesa … vai se reunir com …” o responsável pela reativação da 4ª Frota norte americana” … “e que os militares avaliam que a decisão americana foi inoportuna…”. Ou seja, há indicadores de pressões internacionais antecipadas e preventivas. Uma hipótese para a reativação havida, após 58 anos de desativação: reativa agora a Frota para quando tiver que usá-la para sugerir uma votação de Lei mais favorável ou garantir a posse do óleo do pré-sal em águas a 200-330 km da costa, ou o fornecimento /posse do óleo do Mar do Caribe e do Atlântico Sul, zonas de sua influência, não parecer uma intervenção de última hora e exclusivamente ligada ao assunto. Ameaças aos EUA não há, que não seja a posse do petróleo e do gás e o seu uso soberano na região.
  124. Assistimos à demonização dos combustíveis fósseis e curiosamente agora dos biocombustíveis, antes somente endeusados. No entanto, haverá lugar para todos, em escalas de produção variadas a depender de muitos fatores e do entendimento de todas as questões envolvidas. A equação econômica e social, quando se pensa em substituição irrestrita dos combustíveis fósseis, não é viável do lado da produção, e se o fosse haveria o impacto de severa imposição de ônus à sociedade direta ou indiretamente, pela redução dos recursos excedentes auferidos no setor de óleo e gás, que deveriam sustentar o desenvolvimento, inclusive na parte ambiental.
  125. Os EUA jamais privatizariam a NASA, ou abririam seu programa militar para outros países, nem mesmo abrem a sua cabotagem, ou a França abriria mão de seu modelo energético nuclear que lhe dá poder de troca e independência na Europa por exemplo, ou os países árabes, com petróleo de sobra, desmopolizam seu sistema se em posse de seus direitos soberanos como país. Em todos esses e em muitos outros casos cada país tem o seu “Pré-Sal” e o preserva para fazer dele o melhor uso estratégico e comercial. Os EUA na recente Crise Mundial não deixaram a GM, Ford e Chrysler irem à falência e seu lugar ser assumido por multinacionais estrangeiras, bem como antes não deixou que uma pequena empresa de petróleo a UNOCAL fosse vendida para uma estatal chinesa. Foi assim desde que os povos começaram a comercializar bens e a ter interesses estratégicos de médio e longo prazos. E assim será para sempre.
  126. O governo deve cuidar para que no grupo (ou em grupos paralelos, porém integrados) de elaboração do novo modelo estejam também, além dos profissionais que entendem das leis e regulamentações do setor óleo, profissionais que: i.  dominem as questões estratégicas e geopolíticas ligadas ao setor; ii. saibam tratar do uso do óleo como arma comercial e de acordos internacionais de reciprocidade em campos de interesse do País, hoje a nós vedados; iii. possam definir limites desejados de divisas com base nas questões das dívidas nacionais e dos fluxos de divisas; iv. possam discutir ritmos possíveis de desenvolvimento industrial e de serviços de toda a cadeia de valor nas novas dimensões idealizadas em cada cenário possível; v. possam discutir a dimensão do negócio à luz dos vários programas governamentais, ele, nesse caso, não como mais um programa mas, sim, como o programa (pelas divisas superavitárias e encomendas no mercado interno, formação de mão de obra e desenvolvimento tecnológico).
  127. A própria descoberta do pré-sal revelou a ineficiência desse tipo de controle quando a pesquisa, posterior à concessão, revelou uma possível capacidade de produção muito superior à prevista, a qual teria, como pressuposto, somente alcançar a autossuficiência.
  128. O estatuto do Monopólio de fato ou de direito é usado mesmo por países ricos (ou em vias de se tornar) para proteger seus interesses maiores, quando têm condições (gestão e tecnologia) como nos casos da energia nuclear, do gás e das ferrovias na França, praticamente do gás na Rússia, da ação espacial dos EUA com a NASA, sem contar os monopólios ou quase monopólios da China (mercado imenso onde estabelece uma empresa estatal espelho de outra privada que, com o tempo, acabará assumindo o domínio dos negócios) . Com a comprovação da potencialidade das camadas do pré-sal, petróleo e gás serão o “negócio” no Brasil que, sozinho, poderá ser o diferencial para o sucesso ou o fracasso do programa de desenvolvimento sustentável, portanto passível, a semelhança das intervenções estatais de outros países, de fechamento como monopólio de Estado.  No caso dos países ainda não desenvolvidos o estatuto do monopólio é amplamente usado para garantir o desenvolvimento de uma atividade de interesse nacional, como foi o caso do petróleo no Brasil em 1953, que resultou em uma empresa nacional pujante de primeiro mundo, fato incomum, salvo em cinco países ricos (EUA, Reino Unido, França, Canadá, Itália).
  129. Em 1975, a União, diante da crise gerada pela subida dos preços do óleo e da pequena produção nacional de óleo, estabeleceu os Contratos de Risco, trazendo empresas estrangeiras e nacionais privadas ou estatais para explorar todo o território nacional, mas preservou para a Petrobras a Bacia de Campos, área onde a estatal descobrira óleo em 1974. Apostou na sua futura competência e não se dispôs a colocar em mãos estrangeiras tamanha riqueza que se anunciava, nem perder o controle da situação. A Petrobras dominou a tecnologia e tornou-se líder em exploração e produção em águas profundas desde então. Agora, a situação se repete só que confortavelmente, pois a estatal já domina a tecnologia e tem os meios para explorar o pré-sal, não havendo nenhum receio de falta de óleo, Há sim receio de se perder o controle da situação, tamanho são os interesses em jogo ao se colocar em mãos estrangeiras praticamente os destinos nacionais, tais as implicações da exploração de tão fabulosas reservas.
  130. Na verdade, trata-se de exercício da união de seu direito de monopólio e não de uma taxação.
  131. Há uma falácia quando se fala que o Monopólio estatal do petróleo foi quebrado com a Constituição de 1996. Não, não houve ambiente político e nem respaldo na sociedade para tal desejo, por mais pressão que se fizesse para que tal ocorresse. Foi a Lei 9478 que o quebrou indevidamente, atribuindo às concessionárias a posse do óleo descoberto e tirando da união o direito de explorar o petróleo e o gás, transformando o “…poderá contratar com empresas privadas e estatais…” em obrigação a ser cumprida somente por leilões abertos. Ou seja, tirou da União o direito que a Constituição lhe dera de contratar diretamente a estatal quando quisesse, aceitando, para não o fazer, a alegação de igualdades de oportunidades para todos. Em nossa opinião não existiria igualdade de oportunidades, pois o direito é único, é da União inalienável.
  132. Os lucros líquidos da Petrobras são distribuídos 25% para acionistas e 75% reaplicados em programas que têm a orientação e aprovação da União, com poder de voto e veto no Conselho de Administração. O capital estrangeiro seria até 40%, o que equivale a receber uma fatia de 10,0% do lucro líquido. Por causa desses 10,0% a União então deveria perder para o governo chinês, no exemplo, o direito de influenciar no que seria os 90,0% do lucro líquido (pois na concessão ele seria dos chineses, russos, americanos, ingleses etc.)? Muito pior, deveria perder o domínio sobre o uso dos recursos de custeio e amortizações, portanto de novos gastos de investimentos e de manutenção e pesquisas em benefício de empresas brasileiras,  ações em infraestruturas que a Petrobras faria com os saldos etc. e, além de tudo isso, deveria perder a vantagem estratégica de direcionar o óleo para comércio estratégico?.
  133. Somente existe empresa estatal se cumprindo determinado objetivo maior de Estado, pois caso contrário a atividade econômica é da iniciativa privada – diz claramente o artigo 173 da Constituição Federal. Qual seria o objetivo da Petrobras como estatal do petróleo se não for o de cumprir missão específica para o País no que houver de mais relevante no caso do óleo e gás?
  134. Nas Concessões, o óleo passa a ser propriedade da concessionária após descoberto e produzido, que o leva para seu uso ou venda a quem desejar (exceto se houver falta no mercado interno, quando seria obrigada a oferecê-lo primeiro localmente). O ganho do Estado refere-se a taxas e royalties. Nos Contratos de Partilha, tudo funciona como antes falado, mas uma parte significativa do óleo é entregue ao Estado como retribuição da concessão, podendo assim a União fazer dele o uso que quiser.
  135. Diferentemente do que se apregoa com insistência, a soberania plena sobre o petróleo jamais foi inibidora de atração de investimentos. Desrespeitados são os países que entregam suas riquezas estratégicas sem os cuidados necessários e por isso são assaltados por aventureiros de toda espécie. A China e a Rússia com todos os seus monopólios atraem TODAS as empresas do mundo, mesmo elas sabendo que, no momento que eles quiserem mudar seus atrativos, o farão sem perguntar a quem quer que seja. Assim, a restrição isolada de um monopólio bem estruturado é, na verdade, o estimulador para que o país dê saltos no geral, pois todo o resto da economia se eleva no rastro do desenvolvimento harmônico proporcionado pela exploração racional de uma determinada riqueza.
  136. O Governo /Congresso dos EUA interferiu em 2005 para evitar que a estatal chinesa CNOOC comprasse a UNOCAL norte-americana, cujas reservas de somente 1,5 bilhões de barris foram consideradas estratégicas para o país. As pressões levaram a que a Chevron, gigante norte-americana, fosse a compradora da UNOCAL.
  137. Certa vez um dos autores perguntou ao então Ministro de Energia da Argélia (que fora também Presidente da OPEP) por que depois de tanto esforço e lutas para nacionalizar o óleo e gás cogitava novamente em oferecer oportunidades de concessão no país. Disse ele, “chamamos as multis para solicitar que apresentassem propostas para explorar e produzir óleo para nós e todas elas disseram que não teriam interesse se não pudessem levar livremente o óleo produzido nos campos explorados. Como não temos tecnologia e a produção começa a decrescer temo que teremos de abrir o monopólio”. Embora óbvia essa conclusão, é importante considerar que a única coisa certa em toda a disputa na mídia é que o instituto das concessões é defendido acirradamente pelos presidentes das multis e analistas simpáticos as suas teses. Logicamente, só por coincidência seus interesses seriam também os interesses do Brasil,
  138. Para impedir que se pense chegar a essa conclusão e então a uma solução prática, jogam na mídia argumentos falaciosos como “seria muito complicado”, “não seria transparente” (há uns poucos analistas que a toda hora argumentam que somente concessão é um modelo transparente, de visibilidade, mas não se sabe o porquê que dar a exploração para uma empresa estrangeira seria mais transparente do que dar para uma empresa estatal, onde o governo tem assento no comando), “concessão é a preferida no mundo” (mas o que o Brasil tem com isso?), “não se deve alterar e complicar o que está funcionando bem” (mas porque dar concessão premiada?).
  139. A lógica que chama de capital de risco o aplicado na exploração de óleo e assim oferece apropriação de elevados ganhos quando a sorte favorece as companhias, de forma a contrastar com o azar dos poços secos, somente prevaleceu onde os países não sabiam ou não queriam se aprofundar nas questões, econômicas, empresariais e estratégicas da posse de reservas de óleo. Nos países ricos como a Noruega, Inglaterra e EUA, e agora em vários países pobres, surgiram fórmulas para se apropriar da maior parte da riqueza gerada e também guiar o negócio para promover o desenvolvimento nacional, o que não foi seguido pelo Brasil, provavelmente pelo fato dos responsáveis pela elaboração da Lei 9478 não terem acreditado nos altos prêmios das bacias brasileiras e por desconhecerem o como se utilizar internamente de uma empresa petrolífera e da cadeia de valor no processo de desenvolvimento. O argumento de que o imposto /taxas finais são sempre elevados, utilizado por uns poucos, e isso é o que importa, é uma falácia pois juntam ao montante o IR, o ICMS, a CIDE, o PIS e outros normais para qualquer outra atividade. Para petróleo o que vale para diferenciar a atividade são os Royalties e as Participações Especiais e o como se integra essa atividade no processo desenvolvimentista e tecnológico. É certo que no Brasil as atividades do pré-sal, assim que definidas as suas potencialidades e as novas formas de produzir nessa área, deixarão, com certeza, de serem atividades de risco, e sim serão de elevado prêmio.
  140. Sinalizar para o mercado que a disposição para a mudança tem seus fundamentos lógicos e não são de natureza ideológica, sendo resultante de fato extraordinário não previsto. Com os limites a serem estabelecidos, tudo se passará como se não tivesse ocorrido descobertas do pré-sal, portanto o modelo satisfazendo a todos como ocorria, pensando no suprimento interno.
  141. Essa ação é essencial para: i. que seja continuado o desbravamento das bacias sedimentares nacionais (objetivo primordial da Lei vigente, segundos seus autores), que podem, inclusive, oferecer surpresas em termos de jazidas, mas que perderiam a atratividade na nova ordem do pré-sal; ii. criar uma diversificada base de empresas nacionais em toda a cadeia de valor e de atividades Brasil afora, com ótimas repercussões para as várias regiões; iii. diversificar tecnologicamente a matéria, criando massa crítica de pesquisas nas universidades em apoio às empresas menores e gerando ideias no segmento.  Considerando que os campos em produção apresentam volumes em queda, por esgotamento, na base de 5 a 10% ao ano, haverá sempre necessidade de novos leilões em áreas convencionais, que levem à descoberta de algo como 700 milhões de barris por ano, somente para repor as reservas (base de dois milhões de barris produzidos por dia). Em tese, é como se cumprisse a determinação da CNPE de manutenção da autossuficiência no nível de demanda atual, ficando o acompanhamento do crescimento da demanda por conta do óleo da camada do pré-sal, que a cobriria, e contribuiria para exportações de volumes estabelecidos e para substituir óleo exportado de campos convencionais (hoje excedentes por circunstâncias).
  142. Mínimo, para evitar que o órgão regulador e a Lei estabeleçam condições que levem ao desinteresse por essas áreas. Máximo, para que não se faça concessões que levem a produções exageradas que inundem o País de divisas e inibam a escalada do pré-sal.
  143. Essa quantia adicional seria para a União aplicar obrigatoriamente em projetos de interesse nacional, portanto de todos os Estados e Municípios, resolvendo uma pendência do presente quando as regiões não produtoras ou envolvidas ou de baixa produção não são tão premiados como as mais envolvidas.  As próprias companhias propuseram aumentar as taxações desde que mantido o modelo vigente, o que certifica que a cobrança atual é insuficiente. Foi sugerido o valor de US$ 60 para compensar a inflação recente na produção e considerando que a Lei vigente foi pensada para óleo no horizonte de US$ 30 o barril. Boa parte dos países que não tinham um mecanismo flexível de taxação têm ou pensam fazer isso. Por exemplo, a Bolívia que inverteu seus ganhos em relação aos dos que detinham as concessões. Passou a cobrar 80% do valor do gás, quanto antes recebia 20%. A lógica do aumento é clara: toda a conceituação de lucratividade foi estabelecida no contexto de óleo a US$ 20 o barril, certamente não se pensando na hipótese de óleo a preços muito mais elevados; ultrapassado esse valor, os lucros subiram em demasia levando a uma quebra do equilíbrio econômico contratual (o da concessão) entre país (dono dos recursos) x empresas (dona do capital e tecnologia de exploração e produção). Na legislação presente foi pensado maiores taxas para campos de maior produtividade, o que já foi um avanço, embora também não se tenha imaginado campos supergigantes. Assim, o legislador em última instância precisa encontrar o como se apropriar de maiores ganhos nas concessões em curso. Seria uma taxa variável.
  144. A lógica para a decisão será: produzir óleo ao menor custo País e empresas.
  145. Imaginamos que isso favorecerá as companhias em face da grande inflação de custos e de elevada demanda de capital no momento, inclusive para fazer frente às novas demandas.
  146. De forma sofismada mostra-se o elevadíssimo (aos milhares) número de perfurações e produtores de óleo e gás nos EUA e Canadá para, pela comparação numérica, justificar a abertura feita no Brasil e para mantê-la sem mudanças. Há naqueles países a tradição de exploração e produção por firmas de reduzido capital em campos cuja produção por poço não ultrapassa alguns barris por dia. Isso nada tem a ver com modelo que leve à exploração no mar, ou em zonas virgens em terra de grande dificuldade exploratória, impossível ou desinteressante para os pequenos produtores por falta de tecnologia, capital e logística para escoamento. Assim, deve haver modelo, controles e incentivos distintos específicos se houver interesse em desenvolver os pequenos campos em terra e jamais usar número de poços como elemento de decisão para o pré-sal.http://www.fossil.energy.gov/programs/oilgas/fielddemos/index.html
  147. Ver sobre o assunto em: http://ecen.com/eee65/eee65p/imporprodutividade_capital_e_crescimento.htm
  148. Serão áreas que vierem a ser descobertas no modelo de concessão 1, mas que apresentarem volumes e produtividade semelhantes às da camada do pré-sal, seja as em terra ou as no mar
  149. Boa parte dos campos concedidos na Bacia de Santos parecem formar um único campo, o que levará à unitização, incluindo os blocos não leiloadas. Esse limite permitiria que as companhias programem a produção talvez como se fora um consorcio único para todos os blocos.
  150. Esse limite advirá do debate e de estudos aprofundados.
  151. O primeiro milhão não chegaria antes de 2015, logo há tempo suficiente para todos se prepararem e colocarem em produção seus campos sem maiores problemas. Por outro lado, um horizonte de 2 milhões de barris por dia representa 7,3 bilhões por ano, ou em 30 anos algo como 21 bilhões que se imagina estejam envolvidos nas concessões já feitas. Esse limite poderá ser alterado a partir de melhores informações sobre as reservas possíveis, épocas possíveis de produção, demanda interna e mundial e limites de interesse da União.
  152. Como a Petrobras detém a maior parte das áreas já concedidas, o domínio estratégico do destino do óleo será razoavelmente preservado.  
  153. Suposto que se ela não puder ser escolhida como indicado na alternativa um, não poderá ser obrigada a agir compulsoriamente no mesmo campo onde seria a escolhida com um papel de destaque.
  154. Lembrar que o valor de lucro para o exterior que será distribuído não passaria de 10% do lucro líquido, mas os ganhos pela alavancagem da Petrobras seriam muito maiores do que os possíveis para uma empresa estatal nova e sem quadros e experiências, e ainda tendo que arcar com os custos administrativos desde antes mesmo de ter lucros. Ou seja, a alternativa Petrobras será segura e mais interessante para o País dos pontos de vista estratégico, econômico, financeiro, comercial, tecnológico, empresarial e motivacional, em termos de integração da estatal com a sociedade, tudo isso tendo como único ônus a distribuição de algo como 10% de lucros para estrangeiros. Ainda assim, esse valor como visto será muito mais vantajoso do que qualquer outro resultante de concessões abertas, quando o lucro ficaria 100% para a concessionária, além da manipulação das amortizações e depreciações e da recuperação dos custos gerais.Artigo de Opinião em Economia & Energia -No 72 -Fevereiro/Março 2009

Posted by Brasil 2049

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