O BOM QUEIJO MINEIRO,
Diamantes com sabor
Autores: José Fantine e Manfredo Rosa
Há décadas se constata que tanto maior será o sucesso de vendas de um produto se ele embutir na oferta algum componente intangível. Tem a ver com o fetiche, a atração por algo mais além do “ter”, materialmente falando. Chegamos então ao queijo mineiro.
Um ingrediente irresistível seria a história. Ao adquirir algo para seu proveito, diante de alternativas, o cliente tenderá a optar por tradição, desfile de protagonistas e até mesmo enredo de tramas. Também, muito certamente, privilegiará um produto mais específico, que não se perde em oceanos de larga escala, incorporando um “charme” a seu favor.
Sendo assim, então, o mais que famoso queijo mineiro eleva-se em sobranceria por sobre a diversificada paisagem do ramo da alimentação. Não é um produto qualquer , uma “comodity”, carente de identidade, nivelada na mesmice. Ele oferece o que as grandes indústrias não conseguem: narrativa, mais detença, calma e paixão pela feitura.
Esta especiaria é produzida em grande parte dos países sendo que a França, a Suíça, a Holanda e a Itália com maior presença, no ocidente pelo menos. Por exemplo o Parmigiano Reggiano é produzido desde a Idade Média na região de Milão. Por certo que, de lá para cá, incorporou muitas novidades baseadas em estudos, visando aprimorar o resultado. Mas a essência, a presença e o nome estão preservados. Existem leis rigorosas protegendo essa dádiva, prestigiando essa colossal riqueza da Velha Bota.
Pois em Minas Gerais ocorreu algo semelhante, mais celeremente, é claro, comprimido a apenas duas centúrias. Nos primórdios, com a precariedade de acesso, com as dificuldades de comercialização, o queijo era praticamente apenas a forma de guardar leite para consumir depois, em produção de subsistência. Atualmente, com muita dedicação dos produtores, os aportes de trabalhos acadêmicos, esforços de orientação e financiamento, e, ainda, com o escoamento cada vez mais facilitado, o tradicional e legítimo queijo mineiro, incorporou apurados preceitos de higiene, de manipulação escrupulosa, aprimorou rendimento e qualidade. E, assim, alcançou aplausos e premiação em diversos concursos nacionais e internacionais e, principalmente, consolidou sua Denominação de Origem Controlada – DOC, reforçando o nosso jeito próprio, único.
Lá nos primórdios era assim.
Na busca da certificação, após pequenos e certeiros investimentos…
A produção atual é muitas vezes maior que a de antigamente, mas o fundamento está ciosamente preservado para todos os produtores, o nosso “terroir”: leite cru, coalho, pingo. Sobre esse simples conjunto de ingredientes são deitados, a força dos braços e o calor das mãos. A fatura manual, um a um.
Atualmente são sete as regiões reconhecidas pelo Estado de Minas Gerais como produtoras do Queijo Minas Artesanal: Araxá, Canastra, Cerrado, Serra do Salitre, Triângulo Mineiro (todas estas no oeste), Serro (no centro norte) e Vertentes (no centro sul, região de São João Del Rey).
Esse queijo mineiro, tradicional, não é somente olfato, aparência e paladar singulares, de qualidade, saudável, nutritivo. Não se restringe tampouco à saciedade orgânica, na panfagia animal, no suprimento de todos os aminoácidos imprescindíveis ao metabolismo e na geração de energia para as necessidades vitais. Ingere-se também, simbolicamente, história de vida, relembranças individuais e símbolos patriarcais de nossas antigas existências. Degusta-se a própria existência, o jeito de ser, “num contato quase litúrgico e profundo da intimidade do eu individual com o eu coletivo, a própria cultura”. Esses aromas e gostos, marcantes, esses registros robustos ficam gravados na nossa mente, carinhosa e indelevelmente. Seu sabor nos coloca em contato com a terra, nos faz beber da água cristalina de nossas veredas, evoca nossos campos, nossos cerrados e nossas montanhas. E montou autossuficiência simbólica, encorpada o tanto bom para ocupar espaços junto aos nossos padrões culturais.
Bem, estamos falando de um nicho, um espaço reservado no grande mercado consumidor. Existem outras ofertas, de outros tipos de produtos, para uma demanda cada vez maior, mais e mais consumidores. Felizmente.
Por exemplo, os grandes laticínios oferecem um amplo volume de derivados. São muito bons, de qualidade, pode-se comprar “LacFree”, ou limitados em gordura, mas são commodities. Mundo afora são apertados botões e as máquinas descarregam toneladas e mais toneladas, sem feito excepcional. Produção em escala. Excluídos, o esforço, a ânsia, o capricho, a intimidade.
Uma boa novidade tem surgido na região da Serra da Mantiqueira que vem se convertendo em um “Vale do Silício” de queijos especiais (e de azeite e de vinhos). Ótimo. A marca registrada é a criatividade, inventando novidades cada dia. São sofisticados, exóticos, a maioria excelentes e custam mais. Ainda não fixaram história, aguardam incorporar a tradição.
Um desafio para o leitor, comparar os queijos de Minas com os que a globalização disponibilizou – dezenas de produtos estrangeiros, nas gôndolas dos supermercados e nas “Delikatessen”. Estes, refinados, exibem “status”, mas quando se saboreia um deles não se consegue ouvir o mugido da vaca, não se percebe o cheiro bom do capim emperolado de orvalho das manhãs de junho das terras mineiras.
Esta atmosfera mágica, pode ser encontrada no livro “ Canastra, Araxá e Salitre – trilhas do queijo de leite cru ”, disponível na aba “Coisas da Vida” neste site. Nele são detalhadas a história e as características, além de muitas outras informações sobre o que é produzido na região oeste de Minas Gerais.
Minas precisa, cada vez mais, apostar na sua produção de queijo artesanal, de região controlada. Continuar e ampliar as promoções, os esforços de marketing, os concursos regionais, incentivar e apoiar as melhorias para que mais regiões consigam a certificação e os financiamentos. Aportar crescentemente ciência e melhoramentos em busca de aprimoramento de suas marcas, expandir a produção e dominar mercados. Terra não lhe falta, tradição tem de sobra (ou já tem o suficiente) e os consumidores são milhões!
Lembrando do início do artigo, diríamos: “Consumam mais queijo de Minas, ele é saboroso e faz muito bem”
Ver livro “ Canastra, Araxá e Salitre – trilhas do queijo de leite cru ”
Os links a seguir referem-se a alguns exemplos de premiação alcançada pelo nosso queijo DOC artesanal no exterior.
Jornal O Tempo, MG, setembro de 2021: https://www.otempo.com.br/turismo/queijos-mineiros-conquistam-40-medalhas-em-concurso-na-franca-1.2541539
Gazeta do Povo, junho de 2019: https://www.gazetadopovo.com.br/bomgourmet/produtos-ingredientes/melhores-queijos-minas-gerais/