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Será o céu o limite? Há meios de segurar essa nova escalada?

PREÇOS DE PARIDADE DE IMPORTAÇÃO, DE EXPORTAÇÃO OU SEM PARIDADE

CAPÍTULO 2 – Formação de preços dos derivados de petróleo

Parte 1 – Como está a situação no Brasil?



Autores Caio Múcio Barbosa Pimenta, Eugênio Miguel Mancini Scheleder, José Fantine, Manfredo Rosa



Mídia e redes procuram explicar o momento, autoridades e povo reclamam das altas constantes, políticos tentam aprovar leis restringindo aumentos. Neste cenário de perdas para os consumidores, as petroleiras obtêm lucros fantásticos e distribuem gordos dividendos. Presidente da república reclama dos preços [1]. Contudo, novo presidente da Petrobras afirma que política praticada é correta [2]. Como saber o que sustenta tanta celeuma?

O que significa Preços de Paridade

Essa denominação refere-se à precificação comercial de mercadorias no nosso ambiente interno mirando-se em cotações internacionais. Seria uma maneira das empresas praticarem preços livres, porém alinhados aos internacionais, procurando assim minimizar acusações de práticas abusivas na comercialização. Quando elas não adotam um critério aceitável, podem sofrer investigações que seriam conduzidos pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, autarquia federal. As condenações impostas pelo organismo são temidas [3] e geram grande impacto negativo para os infratores.

São duas as hipóteses:

Preços de Paridade de Importação – PPI – Fixa-se a cotação de um produto segundo a fórmula: custo no porto no exterior de onde ele poderia ser importado (dos EUA, por exemplo) mais despesas de transportes para trazê-lo ao porto brasileiro, acrescido de dispêndios de internação (gastos portuários e de transporte até as bases de distribuição). E, ainda, de impostos de importação quando existirem. Ou seja, tabela com base em suposições.

Esta é a sistemática adotada presentemente no Brasil para derivados de petróleo, embora o País seja exportador líquido no segmento petrolífero e refinador de primeira grandeza. Tal linha foi implantada em 14 de outubro de 2016 [4] formalmente pela Petrobras, apresentando razões que comentaremos em outro texto específico deste Capítulo. Antes, a União não aceitava que os aumentos seguissem, a par e passo, as variações internacionais, exceto em momentos de baixas cotações internacionais. Nos momentos de alta, os reajustes eram postergados e reduzidos.

Em verdade, a PPI pode ser considerada abusiva, pois o valor de venda na porta refinaria, que de fato é o que acontece, não carrega despesa alguma de importação. Contudo, como o preço é livre no mercado, o refinador pode fixar sua política como quiser, limitado apenas pelas repercussões no mercado sobre seu modo de agir. Ao escolher a PPI, em tese está mostrando qual será o seu sobrepreço sobre seus dispêndios e margem de lucro. Como a Petrobras é estatal, considera-se que ela adota uma política governamental e, portanto, não abusiva aos olhos dos organismos oficiais de controle, (nunca se manifestaram contra ela). Mas, como os consumidores a veem?

Preços de Paridade de Exportação – PPE – Tem base no que seria auferido em porto brasileiro de exportação, supondo-se a opção de colocar a mercadoria no mercado externo e não no interno. A rigor tal cotação teria que ainda ser reduzida descontando-se os desembolsos para o transporte das refinarias até o suposto porto exportador (para outros bens, da fábrica, mina ou lavoura). A lógica então seria: se eles não fossem vendidos ao mercado interno teriam que ser necessariamente exportados, sem que fosse possível adicionar quaisquer taxas extras. Se praticada esta política, os preços para o consumidor teriam uma boa queda pois deixaríamos de pagar por custos que, na realidade, inexistem.

No caso do petróleo e seus derivados, a PPE é que seria a situação normal não abusiva [5], pois o refinador produz ou compra petróleo no mercado interno a preço de exportação, portanto menor do que se fosse importado, refina-o aqui e vende os derivados na porta da sua unidade sem nenhum outro custo adicional. E se não pudesse ou não quisesse oferecê-los ao mercado interno sua opção seria a exportação, tendo que aceitar o preço que o importador quisesse pagar no porto brasileiro. Assim, um questionamento deve de início ser estabelecido: Por qual razão o consumidor nacional é levado a pagar por custos que não existem? Isso veremos em detalhes em outro texto.

Conceitualmente, como os preços poderiam ser formulados?

No Brasil, presentemente os preços do petróleo (para refinarias), dos derivados e do gás (para os consumidores) são praticamente livres, como de resto quase todos os dos demais produtos, essenciais ou não, aqui comercializados.

Livres – Neste caso, o Estado não interfere diretamente, correndo por conta das empresas ou dos carteis [6] a fixação dos valores de venda dessas formas de energia, seja entre agentes do processo (produtores de óleo e de gás, transportadores, refinadores, misturadores, distribuidores e revendedores), seja ao consumidor final – sem limitação de qualquer espécie. Eles fixam valores a seu bel-prazer, explorando os limites superiores que julgam possíveis.

São políticas próprias de um modelo de mínima presença do Estado na regulação da economia, de prevalência da “mão invisível do mercado” no “controle” do abastecimento. Vale acrescentar que, entretanto, os países sempre podem exercer algum tipo de controle indireto sobre a questão como: 1. Através das empresas estatais, casos atuais da Itália, Noruega, Brasil, por exemplo; 2. Esquema regulatórios; 3. Estoques reguladores estratégicos, como nos EUA, países da Europa, Japão por exemplo. Neste caso, não disputam o mercado e somente se valem dos estoques quando em emergências e crises de preços muito elevados. Em tese, essa formação de estoques poderia levar este parágrafo para o terceiro caso.

Controlados – Leis definem como o preço de um determinado produto deve ser formado para cada elo da cadeia produtiva e para entrega aos consumidores finais. Esta prática somente é inteiramente viável em países grandes produtores de petróleo e gás, e com os negócios monopolizados por estatal do ramo. No Brasil, existiu em parte de 1953 até 1997, sendo as tarifas determinadas, em síntese, pela fórmula: custos operacionais mais lucro, nas refinarias, na distribuição e revenda. No caso do petróleo (custo das refinarias) e gás (nacionais ou importados), o valor era definido pelo custo de aquisição no exterior [7], de transporte mais despesas de internação. Com essa prática seria possível fixar patamares mais acessíveis para a população, como ocorreu no período citado.

Situação mista – Ainda em referência ao caso dos derivados do petróleo, há a interferência do Estado em relação a um seu agente no mercado, ainda que velada, e liberdade para os demais. Esta foi prática vigente no Brasil entre 1997 e 2001 [8], e depois até meados de 2016. No primeiro período, houve a fase de transição, de preços controlados (por fórmulas) para livres, uma sucessão de cancelamentos das regras então existentes. No segundo, com maior ou menor intensidade, o governo interferia na conduta comercial da Petrobras, o que acabava definindo o modelo dos demais agentes. Isso porque ela contava com praticamente a totalidade do refino, com a BR Distribuidora (desde 1971) e a Liquigas (desde 2004), ambas atuando no mercado em igualdade de condições com as empresas privadas, caracterizando um controle estatal indireto. Elas foram criadas exatamente para eliminar os carteis que se formavam ou poderiam se formar e, ao mesmo tempo, teriam que ser competitivas, rentáveis e não dependentes de aportes públicos.

Como visto no primeiro caso, a formação de estoques estratégicos pelo poder público seria uma forma de controle, porém em outro nível, aplicável em crises, como visto.

E como está a política de preços no momento?

Podemos dizer que, desde meados de 2016 a tendência é a prevalência de um modelo de política de preços livres. Isto porque foram privatizadas a BR Distribuidora, a Liquigás, transportadoras de gás, distribuidoras de gás natural regionais e quatro unidades de refino. Assim, não há mais agente estatal atuando nessas áreas. E está em curso a privatização de mais três grandes refinarias. Também, as importações de derivados cresceram substancialmente, com atuação de dezenas de importadores, favorecidos pela prática da PPI pela Petrobras (importação tornou-se negócio sem risco), estabelecendo-se mais um segmento a exigir modelo comercial sem interferências. E, finalmente, porque, a política econômica do governo federal assim o exige, por razões que serão vistas em próxima Parte do Capítulo 2.

Neste quadro, restará uma diminuta influência do Estado na política de preços. As distribuidoras não terão a ação da BR Distribuidora e da Liquigás a lhes dificultar o caminho da liberdade na maximização de lucros, nem os revendedores encontrarão a presença também marcante do varejo da BR Distribuidora a lhes ameaçar na conquista de seus mercados. Por outro lado, os importadores poderão trazer seus produtos e concorrerem com o refino nacional, porém com preços também tipo PPI o que em nada ajuda a derrubar a escalada inflacionaria interna.

Ademais, a ainda estatal Petrobras, se organiza e já age como uma fábrica de dividendos para os seus acionistas, 22,43% privados nacionais, 40,82% estrangeiros, 36,75% a União, acreditando que essa é forma para contribuir para o desenvolvimento social nacional. A única ação do governo através da Petrobras é agora, antes da sua pretendida privatização final desejada, orientá-la para vender seus produtos na porta das suas refinarias remanescentes seguindo a PPI – Preços de Paridade de Importação (e não pela PPE, porque assim não quer [9]).

Assim, pratica-se no Brasil um sistema ainda misto na doutrina geral de preços, mas, mantidos os planos em curso, em marcha para liberação cada vez maior.

Mas, nesse ambiente, quem defenderá os consumidores?

Em tese, restará, em defesa da sociedade (contra práticas abusivas), o CADE e a ANP. Entretanto, as sinalizações destes organismos assentam-se, presentemente, em bases liberalizantes julgadas suficientes para proteger a todos [10]. O Ministério de Minas e Energia [11] que seria o mandatário para definir os planos táticos e estratégias do segmento se alinha na mesma crença liberal.

Também, o Congresso vem se posicionando para tentar aprovar uma lei (será detalhada em próxima Parte) para fundamentar um novo modelo que ofereça ao consumidor preços mais realistas com a situação brasileira. Busca reorientar a ação do Estado no setor no sentido de fazer valer o interesse social acima do interesse imediatista de elevados lucros a serem distribuídos para os acionistas.

Entretanto, o Site entende que pode estar ocorrendo um grande equívoco, pois considera que não haverá a desejada concorrência, nem preços mais amistosos, nem garantia plena de suprimento adequado ao País. Também, visualiza que os investimentos não serão maiores do que a Petrobras poderia fazer, não haverá estruturalmente mais empregos, nem melhor tecnologia, nem maior P&D de interesse genuíno nacional. Enfim, que o curso seguido no momento, consolidará um modelo no segmento com domínio dos grupos empresariais, representando interesses de tal magnitude que poderão, cada vez mais, cercear a ação e o controle do Estado em defesa do consumidor. Finalizando, cara leitora, caro leitor, perguntamos: vocês experimentam também a sensação de que o Estado não se esforça para deter a alta do feijão, do arroz, do óleo comestível, enfim, dos produtos que você adquire no dia?”

E na próxima parte, o que virá?

Na Parte 2 do Capítulo 2 apresentaremos os porquês da afirmação anterior. Discutiremos por qual razão o governo insiste na aplicação da PPI e não da PPE ou outra mais favorável ainda, se o País é exportador de petróleo e possante no refino. Mostraremos que não haverá concorrência embora o mercado esteja supostamente sendo aberto. E, complementando, detalharemos as razões pelas quais os preços poderão ser maiores do que no modelo vigente antes das privatizações de partes estratégicas da Petrobras. E, muito importante, falaremos sobre o não cumprimento da legislação aprovada para o setor (lei 9478/97). Aguardem!


Veja o capítulo 1


NOTAS

  1. https://g1.globo.com/politica/noticia/2022/05/05/bolsonaro-diz-lucro-da-petrobras-e-um-estupro.ghtml

  2. https://www.cnnbrasil.com.br/business/presidente-da-petrobras-defende-politica-de-precos-nao-podemos-nos-desviar/

  3. Seriam abusos no caso brasileiro: praticar preços elevados e sem referencial algum, aproveitando-se de vantagem territorial, de estarem em regiões sem concorrentes (como agora estão as refinarias privatizadas); formação de carteis (por conta de ausência de presença de agentes estatais); sonegar produtos ao mercado; deixar de produzir algum tipo menos lucrativo, mas essencial ao mercado. Entretanto, nem sempre tais organismos são vigilantes como deveriam ser, por falta de conhecimentos ou poderio real, o que abre oportunidades para os abusos continuados e “normalizados”.

  4. https://petrobras.com.br/fatos-e-dados/adotamos-nova-politica-de-precos-de-diesel-e-gasolina.htm

  5. Não abusiva se considerarmos que haja somente a opção Preços de Paridade.

  6. No caso do petróleo a OPEP (mais a Rússia e outros) regula a oferta de maneira que o mercado não fique oferecido, com isto levando as cotações a patamares quase sempre elevados, como vinha acontecendo antes da guerra na Ucrânia e continua agora (https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/afp/2022/05/05/opep-aumenta-timidamente-sua-producao.htm). Por outro lado, as empresas do setor podem formar carteis ou oligopólio se os órgãos reguladores não forem muito fortes e eficazes.

  7. Nesse ponto muitos analistas se confundem por acreditarem que no período citado o petróleo nacional seguia também a fórmula custos operacionais mais lucro. Não era assim. O legislador definiu que esse valor fosse igual ao do importado. No caso do gás natural, o custo do produto boliviano foi calculado somando o valor de aquisição na Bolívia mais uma parcela de custos operacionais e outra de remuneração do capital empregado na construção do gasoduto, valor inicial. O custo na origem era corrigido pela variação da cotação do óleo combustível no exterior (pois o principal concorrente dele seria este óleo).

  8. Em 1997, lei 9478, o mercado foi aberto, sendo que por cinco anos seria um período de transição. Em 2001, a Agência Nacional do Petróleo – ANP liberou os preços em momento de petróleo bastante desvalorizado.

  9. Ver Parte 2, próximo texto

  10. O CADE iniciou e venceu um processo objetivando o desmembramento da Petrobras, obrigando-a a vender 50% da capacidade refinadora, e a privatizar uma série de outras unidades, sob a alegação de “defesa da concorrência’’ com “ganhos para o País e para o consumidor”. E, incrivelmente, contou com total concordância do Conselho da própria estatal e do MME. Site enumerará equívocos desta decisão, o que será apresentado na próxima Parte deste trabalho.

  11. O Ministério de Minas e Energia – MME tem como missão institucional “formular e assegurar a execução de Políticas Públicas para a gestão sustentável dos recursos energéticos” e logicamente teria que seguir estritamente a Lei 9478/97 https://dados.gov.br/organization/about/ministerio-de-minas-e-energia-mme

Posted by Brasil 2049

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