No presente, a maioria dos brasileiros vem perdendo poder de compra. O que precisa, paga mais. O que recebe, encolhe.


PREÇOS DE PARIDADE DE IMPORTAÇÃO, DE EXPORTAÇÃO OU NACIONAIS SEM PARIDADE

Capítulo 1 – Afinal, o que seria justo pagar?

Autores Caio Múcio Barbosa Pimenta, Eugênio Miguel Mancini Scheleder, José Fantine, Manfredo Rosa

O Site Brasil2049.com apresenta ao público questões intrigantes que merecem, e devem ser bem debatidas para alcançar posicionamentos que definam rumos e nos protejam de manipulações. Estas se compõem de falas, explicações, ações, promessas e até projetos de todos os tipos e grandeza, oferecendo caminhos e narrativas que, em verdade, não levam a lugar algum. As propostas, repetidamente, ao final de tudo, enriquecem mais ainda os que controlam o poder e o capital, contribuindo para crescer a desigualdade.

Se a sociedade sustenta alguns avanços e até adquire algum controle do seu destino e vislumbra o desenvolvimento econômico e social, logo se vê envolvida e depois afogada por discursos e movimentos refinados e afinados dos que nunca perdem na história real, uma pequena parcela da sociedade nacional ou mundial. Por outro lado, quando tudo parece ruir, há os que injetam esperanças por algum tempo, com planos e reformas, aliviando as pesadas cargas da realidade e reduzindo as ansiedades (insuportáveis) de muitos.

Segundo pesquisa da Datafolha, publicada no jornal Folha de São Paulo, de 28/3/202, 75% da população acredita que o atual governo, ou partes dele, têm responsabilidade no recente surto altista. Logicamente, estes se defendem e apresentam o que julgam que sejam causas do descontrole. Como entender tal distanciamento de pontos de vista? E, por outro lado, como saber se tais explicações têm fundo de verdade?

Antes de tudo é bom afirmar que a prolongada elevação advém principalmente de causas estruturais internas ou externas [1], ainda que pareçam ser conjunturais (guerras, desastres climáticos, COVÍD-19, valor da energia, uma falta de suprimento de alimentos ou de matéria prima – porque outros estariam a reter produtos ou perderam momentaneamente capacidade de produção). São, de fato, contingências das quais não se escapa, porém, parcialmente previsíveis, pois sempre estão a ocorrer. Por essa razão, países bem cuidados estabelecem planejamento estratégico, pleno de ações de Estado objetivando: 1. Tornarem-se mais imunizados em relação às crises, ou; 2. Atenuarem seus efeitos quando alcançados por elas. Sobre isto discorreremos outras vezes.

Ainda antes de publicar capítulos específicos precisamos tecer outras considerações de ordem geral

A escalada da inflação se iniciou antes da guerra da Ucrânia: O ano de 2021 trouxe, mais acentuadamente, um aumento geral, inicialmente com culpa atribuída ao desarranjo dos sistemas mundiais de produção, transporte e distribuição em consequência da longa pandemia do COVID-19. De fato, isto ocorreu. A partir do final do ano, quando a economia parecia se rearrumar, ocorreu o ataque generalizado da variante Ômicron e, logo em seguida, o fantasma da guerra da Ucrânia tornou-se realidade. Também, contribuíram negativamente fatores extremos da natureza, como secas e dilúvios prejudicando safras de grãos e, também, alimentos em geral do dia a dia, como frutas e verduras. Há análises que afirmam que teremos um 2022 inteiro com inflação alta de dois dígitos, tenebroso para a maioria da população

Assim, vivemos há pelo menos quatro meses sob o signo de problemas reais de abastecimento, de falhas na cadeia mundial de fabricação de bens (globalização em apuros), de questões climáticas e de sanções que geram a falta de alimentos, fertilizantes, escassez mundial de petróleo e outros mais, enfim de inflação elevada. Infelizmente, situação complexa, exigindo esforços para tentar alcançar solução, o que seria difícil nos curto e médio prazos.

“Judas a malhar”: Parte da sociedade, ao se fixar em um ou outro pilar da inflação, acaba desconhecendo as soluções e os encaminhamentos necessários para a solução dos graves problemas nacionais ou os que lhe afligem diretamente. Em função de sua generosa boa-fé, permanece crente nas explicações que lhes trazem os que dominam as narrativas presentes. Em decorrência de imprecisões (ou manipulação) nas análises que tem acesso, escolhe, muitas vezes e sem saber, o que seriam “Judas” para crucificar em procura do seu progresso ou do alívio para suas dores. Dessa forma, não percebe os verdadeiros demônios que, livres, continuam a promover seus estragos na vida nacional. Dois textos publicados neste Site [2] abordam esta questão.

O eterno atraso no desenvolvimento econômico e social, a desigualdade, a perda da autonomia e da soberania nacional têm a ver com a catilinária falaciosa de uns poucos que veiculam “verdades incontestáveis”. Estas, de fato, são propagadas para consolidar o poder dos grandes interesses (que são variados, políticos ou econômicos) acima das demandas mais legítimas da sociedade.

Questão de preços e conhecimentos legais: A análise requer que se defina primeiramente o arcabouço legal que regula a atividade econômica a ser tratada. Se a lei determina um caminho, é necessário alertar sobre isto, pois senão, discutem-se ideias descoladas de respaldo para serem transformadas em realidade. Poder-se-ia dizer: “Mas se a lei não permite, que seja alterada”. Sim, mas para isso não bastam somente vontade ou lamúrias de uns e de outros. É necessário apoio majoritário do legislativo, das instituições em geral, e, no mais das vezes, do sistema dominante, na mídia ou nas redes e, da própria população.

Como representantes dos grandes negócios (nacionais ou estrangeiros), ou outros simpáticos às suas causas, se fazem presente em razoável proporção no legislativo e executivo, estabelece-se como que uma carapaça, quase impermeável, aos justos apelos de melhoria de vida da população.

Vejamos alguns exemplos de dificuldade governamental. Elas serão detalhadas nos próximos capítulos.

Como obrigar a Petrobras ou qualquer empresa privada, nacional ou estrangeira, aqui atuando nos combustíveis, a baixar valores se a própria União prega e assegura que a “mão invisível do mercado” é que regula tudo? Como entender a preocupação com desembolsos dos consumidores se foi da União a responsabilidade pela aprovação da lei 9478/97 que extinguiu o controle através do monopólio estatal do petróleo? E, quanto aos alimentos, por que há tanto empenho e valorização das exportações pelo agronegócio se elas acarretam menor oferta interna e logicamente maior inflação? As empresas privadas não seguem e nem seguirão recomendações do executivo, e qualquer tentativa será sustada na justiça pelas que se sentirem prejudicadas. Por exemplo, se a petroleira estatal reduzir os seus preços significativamente para os consumidores será acusada de fazer dumping e condenada. Amenizar o quanto cobram as refinarias é uma boa causa, mas nada grandioso será possível se mantidas as privatizações delas (já que formarão oligopólios regionais).

Da mesma forma, o Executivo junta forças com o Legislativo e retira arma que poderia ter para enfrentar a inflação trazida pelo álcool e alimentos, bem como minérios, aço, carros, produtos eletrônicos e de alta tecnologia e tudo o mais, pois praticamente retirou o Estado da Economia e da intervenção nos sistemas produtivos. Isto será detalhado nos próximos capítulos.

Preços nacionais e paridade internacional: Poucos produtos ou serviços se apresentam para os brasileiros/as com cotações descoladas das internacionais ou não sofrem ação de carteis, oligopólios ou monopólios. São aqueles referentes a serviços de menor monta, quando qualquer cidadão/ã pode se lançar no mercado. Neste caso, funciona a concorrência e sempre haverá alguém de olho em negócios que se tornam rentáveis, multiplicando-se a oferta: botequins de bairro, quiosques de praia, restaurantes comuns, serviços de carpinteiro, pedreiro, vidraceiro, eletricistas e de dezenas de outras profissões, leite e seus derivados, frutas e verduras produzidas localmente, ainda energia elétrica (regras próprias e normalmente mais custosa [3]) e vários produtos que não são exportados, produção artesanal de alimentos, serviços médicos, pousadas etc. etc. Isto, logicamente, se menos dependentes de transportes, insumos ou matérias primas importadas.

Preços no Brasil (boa maioria) guiam-se pelo mercado externo. São dolarizados e têm valores referenciados ao custo de importação, na melhor hipótese ao valor de exportação. Combustíveis, carnes, trigo e seus derivados, arroz, feijão algodão, aço, álcool, açúcar, plásticos, óleos comestíveis, café, minérios, e tudo mais que produzimos, que possa ser importado ou exportado em escala, seguem alinhamento com cotações internacionais, por vezes as ultrapassando. Isto somente muda se, e somente se, em ocasiões prolongadas de oferta superavitária no mundo – caso cada vez mais raro – quando então o produtor, percebendo perdas de venda no mercado externo, é obrigado a reduzir seus ganhos no mercado interno e, assim, tentar comercializar mais localmente.

Adicionalmente, alguns grandes conglomerados, valendo-se de seu poderio (sem concorrentes à altura), têm a capacidade de alterar as cotações de seus produtos mundialmente, afetando a livre concorrência. Exemplos: petróleo e seus derivados (restrição de oferta), fertilizantes (dumping ou restrição de oferta), açúcar e álcool (migração de produção, uso alternativo).

Importante notar que nenhuma empresa estrangeira – e há milhares delas abrangendo todos os segmentos da economia – veio se instalar no Brasil para ajudá-lo a conter a inflação. Naturalmente, vieram em busca de mercados, de matérias primas, de expansão ou integração de suas atividades em espaço de pouca competição, logo favorável para auferirem alta renda [4]. Esta situação decorre, preponderantemente de imposições históricas de relações de produção e troca [5], mas, também, de escolhas onde o governo consegue atuar, quando, então, as suas decisões podem não ser as mais convenientes.

Será que não há nada a fazer em relação às conjunturas? Nas economias soberanas existem mecanismos consagrados mundialmente para amenizar os efeitos de falhas de abastecimento e das tentativas de sonegação de oferta de produtos ou escassez mundial de determinados bens, cada um optando pelo que julga mais importante cuidar [6]. Estes têm seus custos, mas diminuem substancialmente a margem de exploração pelos produtores ou atravessadores que exacerbam os preços ao consumidor ou sonegam a oferta de bens ou serviços. No momento, o Brasil encontra-se de mãos atadas, conforme se viu na nota de rodapé anteriormente citada.

Aumento do custo de vida traz consigo a inaceitável miséria, com fome e doenças. No caso dos processos fabris trazem desemprego e desabastecimento, desarticulando toda a atividade nacional.

Tudo o que está a ocorrer teria outro curso se o País estivesse preparado para essas inevitáveis crises. Não temos ação sobre elas, mas temos sim deveres de casa – políticas que minimizem o sofrimento da população, tragam a maior segurança alimentar e o menor desajuste da produção.

Isso veremos.


Próximo Capítulo – Formação de preços dos derivados de petróleo


Notas

  1. Causas estruturais têm a ver com o modelo econômico adotado, sistema de ciência e tecnologia raramente privilegiado de forma continuada, estrutura do agro negócio caminhando para a monocultura, permissão de elevada concentração de riqueza com então reduzida distribuição da renda gerada, favorecimento secular para o capital estrangeiro, surtos de abertura da economia de forma descuidada, dívida pública elevada e sem solução, juros normalmente elevados, negligencia quanto à educação e saúde, corrupção e ineficiência drenando recursos públicos, nível de independência real do País. Tudo Isto será objeto de uma análise um pouco mais abrangente em capítulo próprio.

  2. https://brasil2049.com/um-fantasma-paira-sobre-o-brasilcrendice-gera-manipulacao-e-vice-versa/

    https://brasil2049.com/avancar-em-sabedoria-e-preciso-no-caminho-fugir-das-armadilhas-tambem/

  3. https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2022/04/por-que-a-conta-de-luz-e-tao-cara-no-brasil.shtml?utm_source=sharenativo&utm_medium=social&utm_campaign=sharenativo

  4. Com a participação da China no mercado mundial de bens, o Brasil passa a vivenciar, mais acentuadamente, um processo de desindustrialização, pois os preços chineses (de fábricas próprias ou estrangeiras, incluindo as que são estabelecidas no nosso território) situam-se bem abaixo daqueles aqui praticados. As montadoras que vieram para o Brasil na década de 50, como as demais indústrias estrangeiras, foram atraídas pelo mercado fechado a seu favor e pela chance de conversão da importação de máquinas e equipamentos em investimentos, portanto com direito a remessa de lucros. Nesse contexto, usufruíram das vantagens de aportar, como capital novo, designs obsoletos que seriam descartados (pag 23, https://www.abphe.org.br/arquivos/fabio-antonio-de-campos.pdf). Contudo, além de inibirem a industrialização nacionalista, entregavam seus veículos ou produtos a preços superiores aos dos países de origem e não modernizavam em tempo real suas fábricas. Antes de 1953, as empresas estrangeiras de petróleo atuando no País, e que importavam os derivados, aqui os vendiam por valores elevados – por conta de cartel que instituíram mundialmente desde o início do século passado. Esse cartel foi rompido no mundo na década de 70, parcialmente aqui em 1953 (com a criação da Petrobras) e em 1971 (graças à BR Distribuidora estatal). Concluindo, muitas outras empresas que aqui se instalaram, liberavam seus produtos a valores que convinham a elas, nada a ver com os interesses nacionais.

  5. https://www.abphe.org.br/arquivos/fabio-antonio-de-campos.pdf

  6. Sobre alimentos https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2020/09/19/estoques-publicos-conab-alimentos-reducao.htm
    https://www.camara.leg.br/noticias/855334-proposta-determina-a-utilizacao-de-estoques-publicos-para-assegurar-soberania-alimentar/
    vhttps://www1.folha.uol.com.br/mercado/2022/03/corrida-global-por-estoques-renova-pressao-sobre-alimentos-e-inflacao.shtml

    Sobre petróleo https://www.bloomberglinea.com.br/2022/04/06/petroleo-aliados-ampliam-plano-de-biden-para-amenizar-aumento-de-precos/

Posted by Brasil 2049

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