Capítulo VII – Parte 2 – Aptidão paisagística:
seriemas e veredas
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Os visitantes e a nossa maior riqueza: gente boa.
Desfiemos agora algo sobre turismo. Nesta região insere-se hoje o espaço da definição oficial do “Circuito da Serra da Canastra”. É composta por, Sacramento, Perdizes, Araxá, Ibiá, São Gotardo, Tapiraí, Bambuí, Medeiros, Tapira, São Roque de Minas e São João Batista do Glória.
Falta investigar qual foi o critério adotado nesta seleção. Talvez inclua mais cidades que o devido. É o caso de Araxá, Ibiá, Perdizes e São Gotardo, um tanto afastados e com ligação muito tênue, ou inexistente. Em compensação, não incluíram Vargem Bonita, Capitólio e Delfinópolis bem próximas, esta última. tal como São Roque e Sacramento, contém parte do Parque em sua área municipal.
Outro portal lista seis municípios da região ecoturística: São Roque de Minas, Delfinópolis, Sacramento, Vargem Bonita, São João Batista do Glória e Capitólio.
Os imensos espaços mais ao norte, das regiões de produção, Salitre e Cerrado, também contam com atrações (veremos), mas ainda aguardam maior demanda turística para compor distinção específica.
São duas as principais tentativas de definir turismo (pelo menos em sociologia). “Atividade envolvendo ida para fora do lugar onde se vive, aplicando tempo disponível em algum tipo de cuidado psicossocial”. “Exercício da livre vontade em atividade de lazer, sem remuneração, durante tempo normalmente curto”.
Dumazedier engloba três principais ingredientes: entretenimento-diversão, recreação e desenvolvimento pessoal.[2] Pressupõe apartar tempo discricionário no usufruto de regozijo, difícil ou impossível de se alcançar na fábrica ou no escritório. Bem ensina o adágio, “antes o pior dia de pesca que o melhor dia de serviço”. Isto não é conversa para aqui e agora.
Jost Krippendorf, por sua vez, vê no período de folga a recomposição de forças, a válvula de escape ou a busca por algo e, ainda, a percepção e o desfrutar da fugacidade diferente da estabilidade do dia a dia.[3]
As pessoas são motivadas: na “recarrega das baterias”, nas permissões diversas cumprido um ano inteiro de batente ou, ainda, no pressuposto de que “o cotidiano só será suportável se pudermos, de vez em quando, fugir do mesmo”. No vácuo, gastam dinheiro.
Uma outra abordagem sociológica destaca apenas a motivação na busca. Nessa perspectiva, cada pessoa estaria interessada ou em guetos (o desejo de isolamento, de usufruir do seu passatempo predileto: estar sozinho) ou, em um grande segundo bloco de alternativas perfilando especificidades diversas, tais como: compras (shoppings, outlets, zonas francas), renovação da fé (romarias, peregrinações, visitas a lugares de devoção), acesso à paisagem urbana (parques, jardins, esportes, cinemas, clubes, passeios de barco, teleféricos, mirantes), ecologia (caminhadas, trilhas, esportes radicais, campings, colônias de férias), saúde (vantagens do ar, do clima, da água e da balneação ou, ainda, acesso a centros de excelência de tratamento ou de menores custos, com a saúde pela hora da morte), apuro do paladar (prazeres da mesa onde se inclui a enogastronomia, a eco gastronomia, e dezenas de idas especificas em busca de preferências pessoais, da festa do milho à doçaria), cultura (museus, música, cinema e teatro) e sexo/alucinação (alternativa, infelizmente, bem na moda hoje em dia, chafurdando no submundo da criminalidade das drogas e/ou na lama da prostituição, onde se inclui a vil exploração das condições desfavoráveis de crianças, antes talvez mais referida ao nordeste brasileiro, atualmente vergonha verde amarela generalizada).
Essa classificação é apenas didática. As excursões na prática, englobam dois, três ou mais tipos entre esses nove acima descritos, montante equivalente ao número de filhas de Zeus com Mnemosine.
Além do fato de ser o homem o único animal que sai de férias, também concordamos quanto a tender, o excursionismo, a assumir no futuro a posição de indústria mais importante do mundo. Pode demorar um pouco até suplantar o comércio de armas, mas, de fato, as demandas turísticas crescem tal como chuchu na cerca, turbinadas pelas necessidades, reais ou criadas, e porque as pessoas vão aprimorando percepção, se capacitando e se aparelhando e alcançam mais amiúde as vantagens de desfrutar dos ganhos possíveis oferecidos pelo lazer e repouso.
Obedecendo à regra geral, também o deslocamento pessoal, a viagem, é uma mercadoria. Ela é vendida em variegadas disposições nesse imenso e borbulhante caldeirão mundial de trocas, colocado sobre o ardente fogo de custoso e complexo esforço de marketing. Tal como os demais produtos, ela vai se tornando acessível a todas as classes sociais. Antes, privilégio de minorias, dos endinheirados, nos transatlânticos de luxo ou nos safáris africanos, agora, felizmente é apreciado por continuamente maior número de pessoas. Junta força o poder da ideologia criando desejos de compra, nos pacotes da moda ou na lista enorme de equipamentos, dispositivos, apetrechos e, é claro, peças de vestuário. Claro que os ricos, os esnobes, “que detestam o vulgo”, planejam agora as viagens estratosféricas, exibindo privilégio de sempre com o turismo nas alturas.
Quanto mais atrações o lugar oferecer maior será o chamamento e o afluxo. Vejamos de que apetrechos dispõe a nossa região. [4]
Possivelmente, devido à sua maior proximidade do Baú, São Roque de Minas, Medeiros e Vargem Bonita, têm sido as principais beneficiárias do crescente afluxo em busca da bela paisagem, do ecoturismo, com dezenas de alternativas de lazer, passeio e regozijo junto à natureza.
Esta trinca compartilha as mesmas atrações: o Parque Nacional da Serra da Canastra e a Reserva Natural da Cachoeira do Cerradão. São centenas de maravilhosas alternativas, para os amantes da natureza.
Por longo tempo, essas três cidades (principalmente São Roque) deverão tirar melhor proveito desta vantagem, na preservação do Parque e com o permanente aumento da consciência ambiental das pessoas como regra geral. Tem-se investido no cuidado. Contar com um bom planejamento, reavaliado periodicamente. E que o entorno não se degrade pelo excesso.
Bambuí e Piumhi contam com festividades civis e religiosas, mas não chegam a representar centros de atração de relevância permanente. Poderiam explorar a história, na existência dos quilombos. Ou o mar de Bambuí. As vocações locais parecem distantes dessa dimensão.
Araxá ainda é a figurinha mais conhecida nas cercanias objeto de estudo. Agrupa, faz tempo, o melhor elenco de atrativos, mesclando paisagem urbana e saúde, há pelo menos oitenta anos.
Toda a fama se assenta sobre o poder curativo de suas águas medicinais, inicialmente exploradas por banhistas em toscas malocas, para depois, se erguer, junto a elas, o magnífico palácio formado pelo Grande Hotel e Termas, inaugurado em 1944. Vem do tempo da jogatina e do glamour da balneação em espaço etilizado. Ao imponente complexo arquitetônico em estilo missões, da lavra de Luiz Signorelli, juntou-se a genialidade paisagística de Burle Marx. Esses dois milagres da arte estão lá, preservados, encantando o visitante. Não se encontra facilmente, mundo afora, algo tão suntuoso. Nada a dever a Vichy (França), Bath (Inglaterra) ou Bad Nauheim (Alemanha).
Contudo… Proibido o jogo, fechado o riquíssimo cassino, assumindo a cena a evolução da cura em vidros e cartelas e, ainda, prejudicado pela distância e precariedade de estradas, tudo aquilo viveu tempos de relativo abandono, de ostracismo, com redução paulatina da frequência. O Estado subvencionou o Hotel Cura e Repouso para o funcionalismo. Experimentou algum tempo de razoável afluxo, mas não se sustentou. “Foram-se os anéis, mas ficaram os dedos”. A cidade preservou a referência pela excelência de suas águas.
Porém… eis que, nos últimos trinta e cinco experimentou novos alentos. O primeiro apareceu com a promoção da lenda da Dona Beja. A história foi inventada e, depois, recontada em várias edições até assumir a versão romântica hoje conhecida. Mais tarde a ficção foi multiplicada várias vezes pelo poder de difusão da telinha, em versão novelística, levada ao ar a todos os recantos, aumentando o interesse pela cidade. Invenção bem-vinda, abrindo novas possibilidades de exploração, mesmo confundindo o visitante (Em Verona há o balcão de Julieta com suas juras de amor. Itu deu a “vorta” por cima e tirou bom proveito de uma chacota nacional. Varginha fatura com a suposta aparição de um “ET”, à custa da credulidade). Em um bonito painel da fonte Andrade Júnior, nossa hetaira toma banhos, em tratamento de beleza. Mais referências poderiam ser distribuídas pela cidade. Uma festa anual, com desfile em carruagem, serenatas, cena do rapto, escravos carregando diamantes e ouro, e arranjos assemelhados. Poderiam oficializar o dia no qual se deu o extermínio dos araxás e explorar turisticamente, com representação nas ruas, bandeirantes versus aborígenes, nossa versão da luta entre cristãos e mouros. Listar sugestões é fácil. Difícil é compor vocação, manter interesse político, fixar identidades, arranjar recursos.
Em seguida foi incorporando à cesta de ofertas distinguidas artesanias: do queijo, das rendas e bordados e da gastronomia do doce, este cantado em prosa e verso, mas todos eles trazendo a mesma marca da fatura individual, cuidada, íntima.
A doçaria se institucionalizou. Desde final dos 80 ela alça voos internacionais, coroando e montando justiça à secular competência telúrica na combinação cuidadosa de ingredientes nossos, tais como o queijo, as farinhas, os polvilhos e os ovos. São incontáveis as receitas, dos mais diversos tipos, elaboradas ou frugais, sofisticadas ou simples. Contudo, o carro chefe vai sortido com profusão de doces: de leite, de figo, de mamão, de abóbora, de laranja e goiabada. Nos vagões embarcam as roscas, os biscoitos e demais quitutes.
Quem ainda não experimentou do doce de cajuzinho do campo faça-o logo e não passe pela terra sem ter vivido. Nossos espigões, outrora revestidos de cerrados, vão se metamorfoseando em lavouras de milho, soja e cana, fazendo desaparecer a fruta, rustica, saborosa. Infelizmente, a iguaria elaborada com essa dádiva da natureza conta seus últimos dias de vida, em estado terminal, após anos assumindo posição de destaque, alçado ao altar-mor das delícias, entronizado em reverência, elevado à quintessência da degustação, festejado no extremo prazer do paladar.
Certa feita, Dona Maria Santos Teixeira enviou para a nossa república de estudantes em Belo Horizonte, onde moravam os seus dois filhos, umas quatro quartas, um alqueire, dessa delícia, feita com todo o zelo e carinho lá nas Amoras. Eu era um dos ocupantes da pensão. Privilégio. Não me arriscarei a descrever aquela bênção, concedida a premiados sortudos, escolhidos pelos deuses. Qualquer tentativa de apresentação não fará justiça. A cor, o aroma e o sabor estão bem registrados na memória, até hoje, embora decorrido prá lá de meio século. É justamente isto que se quer dizer das sensações especiais que somente o artesanal pode propiciar.
Essa trinca, o Grande Hotel, a Dona Beja e os doces não se internam em estações, não hibernam. São ofertados doze meses ao ano, não tão dependentes dos recursos naturais, sob a oscilação dos ciclos e humores da natureza. Uma vantagem competitiva.
Araxá dispõe de equipamentos interessantes, casas de cultura e diversos espaços, mas pode ampliar suas possibilidades com novos itens. Por exemplo, falta um relógio de sol quando deveria estar exibindo dois ou três deles, consolidando mais aportes turísticos, no caso, explorando a versão do tupi como “lugar onde primeiro se avista o astro-rei”. Em 1998, elaborei um projeto completo de um apetrecho desses e entreguei na Câmara Municipal. As gavetas são muitas.
Tapira ainda não conseguiu se constituir em atração. O asfalto até Araxá mais favorece a saída que a chegada. As cachoeiras próprias e a proximidade da serra são veios a explorar. Até isto acontecer, a ida dos forasteiros se restringe às atividades profissionais demandadas pelo importante complexo de mineração.
Ibiá talvez seja a menos dotada de elementos de exploração da atividade. A pequena cidade, bem cuidada, não colecionou atrativos. Os de fora aparecem por conta de relações comerciais e industriais. Tem base? [5] Algum turismo pode advir de passeios rurais.
Na região do Cerrado, Carmo do Paranaíba, Rio Paranaíba e Lagoa Formosa vivem menos ainda as atividades turísticas, apesar da conexão rodoviária com a BR 262. Carecem de infraestrutura rural para fomentar a busca pelos atrativos. Rio Paranaíba não consegue tirar proveito da nascente do homônimo em suas terras e da maravilhosa Cachoeira do Funil, um lindo lajeado, mas leva o nome da Serra onde corre o Rio São João em um cânion de aproximadamente 60 metros de altura. Lagoa Formosa tem festa do feijão e exibe um pequeno e belo espelho d’água no centro da cidade, porém não motiva tanto possíveis interessados a vencer as distâncias.
Caminhos para a crítica.
Não se adquire de pronto uma identidade turística. Não aparece no “sufragante”. Da mesma maneira, ela não se consolida definitivamente atingindo um ponto final da história. É construída continuamente, sem cessar, na renovação de conceitos da contribuição de novas tecnologias, no aporte financeiro e institucional e, o principal, através do esforço dos homens comuns, dia após dia. Sustentada por esse tripé, vai incorporando novas aquisições e reforçando ou alterando traços culturais enquanto apoio e vontade própria, de olho no seu destino.
Os alemães chamam de Beruf o emprego vocacional, na vontade de toda hora. De várias maneiras se instala esta vantagem e que se deve tentar preservar por todas as vias possíveis, em permanente atuação. Quem faz a diferença é a população, montando história ao cuidar dos interesses, treinada, atenta ao que possa ser conveniente no fomento às atrações, ao lado da dissolução de desconfortos eventuais, sejam estes diante dos forasteiros ou, principalmente, dos habitantes da terra.
Em Araxá, por exemplo, é história de antiga. Com sua inauguração do complexo do Barreiro[6] em 1944, muitas pessoas da cidade aprenderam novos ofícios, “doutor, aceita um cafezinho”, a lidar com talheres de prata, operar modernas centrais de comunicação interna, equipamentos de lavanderia etc., atividades anteriormente desconhecidas.
Recentemente, circulou pelos três dáblius a reportagem de um bom camarada lá do Nordeste que, por conta própria, resolveu tocar seu saxofone ao pôr-do-sol, fazendo ecoar pelos barrancos do rio os acordes do “Bolero”, de Ravel. Virou atração turística. Não carece saber se a iniciativa continuou ou não. Importa que há o potencial. A vocação.
Em Rio Paranaíba, quatro irmãos deixaram a fazenda e vieram morar na cidade, mas não perderam o elo com a natureza. Um pequeno gosto inicial obriga-os a gastar hoje dois quilos de açúcar por dia no reabastecimento de bebedouros dos beija-flores. Uma maravilha! As minúsculas aves estão domesticadas, mansas, deixam-se coçar. É curiosidade local, pode apoiar aula de educação ambiental e acudir interesse de biólogos.
Na década de 1960, o cachorro Sarampo transformou-se em importante atração em Araxá, graças ao incrível adestramento recebido. Atendia ao comando: Sarampo, busca fulano. E trazia pelo braço o citado filho (entre nove) do dono. Sabia as quatro operações aritméticas fundamentais, inclusive divisão não inteira. Perguntado quanto era 5 dividido por 2, latia duas vezes forte e uma vez mais baixinho. Vinham curiosos de longe . Apresentou-se em programa de TV. Quem assistiu, viu.
Um embaixador russo esteve lá. – Sarampo, cumprimenta o senhor visitante. Tão logo o posudo animal estendeu a pata, o dono corrigiu: – ele é comunista. Ato contínuo Sarampo trocou a “mão”.
Vamos lá a outro exemplo, sutil, mas significativo, lapidar. Em Bambuí, foi recentemente restaurada (em 2011) a singela e graciosa igrejinha de Nossa Senhora da Conceição. Estava lá de roupa nova. O esbelto e bem composto equipamento conta com nada menos que duas pequenas torres, cada uma com seu sino. Sim, senhor, coisa rica, não se encontra em tantos lugares esse “farturão danado”. Mas… Ela não pode ser admirada, por completo, sem estorvo, em toda a sua singela beleza barroca. Não é possível sacar uma foto somente dela. Aproveitá-la em cena de um filme de época isso não seria possível. Qual a razão?
Entenderam que podiam passar um vasto emaranhado de fios bem em frente, junto às janelas e telhado do templo. E ficou ele lá, com aquela peruca estranha. Não bastasse, ainda plantaram um enorme poste de concreto no passeio e, pior, escolheram com cuidado a posição: bem encostado ao lado de um dos campanários, encobrindo-o. Com certeza não foi de propósito, mas sim falta de percepção, de consciência, de contribuição de um urbanista mais afeito à diversidade das dimensões da vida. Não atinaram bem antes de decidir qual o local a colocar a estaca.
A pracinha contígua homenageia o maestro Jorge Leite. A placa alusiva, insuficiente, não responde às principais perguntas, onde e quando nasceu e morreu, no mínimo (A Web diz que ele compôs o hino oficial de Bambuí). Junto ao singelo monumento faltam bancos e sombra convidando. Seria ótimo na apreciação da atmosfera, trazida dos tempos de antanho e olhar a igreja… melhor ainda sem os fios e o poste.
Retomando “acareações” entre o Estrela e o Canastra, uma diferença está no bem montado espaço do queijo em Celorico da Beira, no piso superior do prédio da Câmara Municipal daquela localidade. Ali são promovidas reuniões com produtores e tem uma lojinha onde o interessado pode degustar e comprar peças, em variados tipos. É outra possibilidade aguardando materialização por aqui. A prefeitura do Serro contratou profissional especializado que estuda a interação entre o tradicional queijo da região e seus equipamentos barrocos coloniais. Todos sabem como é importante contar com esses espaços, abrigos e repositórios da cultura, legados da identidade, bastiões onde o ser humano se encontra consigo mesmo, atmosfera onde respira o seu ar, próprio.
São Roque está de olho nessa investida e junta forças visando materializar o seu Museu do Queijo. Iniciativas tomam corpo. A Saromcredi, visionária, está guardando objetos para compor acervo. Mais pessoas exercitam a consciência da importância de um lugar de memória e estão dispostas a colaborar. Local e montagem do espaço cultural, bem arranjado, contando com as novas técnicas da moderna museologia demandam recursos. Não seria despropositado olhar mais longe ainda, não deixar por menos, ampliando pelos diversos temas possíveis, a cidade merece. Um centro de história natural, ou um ecomuseu, território do homem, suas características geográficas e ambientais, sua ocupação cultural, um canto onde resguarda a sua invenção social. Segundo a professora Teresa Scheiner, num lugar desses, onde “a comunidade é simultaneamente ator e plateia, a base conceitual é o território do homem… uma paisagem ímpar… condições especiais de ocupação, de produção cultural ou todas essas coisas juntas”. Arrebanhando o acervo e o conhecimento, eles se tornam recintos relevantes, puxando cultura e desenvolvimento sustentado locais.
É fértil o campo a ser explorado a partir do eixo histórico na promoção do produto. Araxá ganhou com a lenda da Dona Beja. Quantos contos e “causos” não podem ser montados e divulgados? Por exemplo, reverenciar “Seu” Habib, adotando-o como um símbolo de São Roque de Minas. Inventiva não falta, romanceando toda essa saga.
Associativismo dos municípios dos circuitos é eixo forte de atuação indispensável. As ações locais devem se revestir de “mania”. Transpire-se essa atividade alcançando aprimoramento do talento local. Atitudes das pessoas diante dos visitantes, facilidades, inclusão de disciplinas na grade curricular ou, pelo menos, palestras regulares nas escolas de todos os níveis. As propostas são muitas e as pessoas conhecem todas elas. Escapam da competência e do escopo deste livro discorrer sobre isso.
No correr do capítulo incluímos sugestões de equipamentos e ações de incremento. Fecho essas dicas citando Maria Paiva.[7] Apoiada em estudos sobre a relação entre turismo e lazer, ela observa que o “elemento dinâmico do desenvolvimento cultural desempenha funções essenciais nas estruturas físicas e psíquicas dos indivíduos, no exercício de liberdade e de criatividade e, em nível coletivo, como fator de integração social. No entanto, a mercadização, através da oferta de produtos massificantes, pode tornar a recreação um fator alienante e de desagregação social”.
Existem facetas indesejáveis da questão, preço a pagar, nada é somente “venha a nós”. Todas as atividades humanas envolvem impactos. O maior afluxo de pessoas impõe esse “pecado original”, dessa lei irrevogável. Conforme veremos adiante, significa que as autoridades e as instituições devem unir esforços para minimizar os impactos e, assim, garantir a salutar contribuição do turismo para as economias locais. Pelo menos três consequências são bem visíveis.
A primeira é a inflação, nossa conhecida, ser fantástico onipresente, imortal. Tudo parece servir de ração ao monstro, qualquer odor aguça seu apetite voraz, um alfinete tocando o chão desperta a besta.
Em Vargem Bonita, desembolsa-se o equivalente a seis dólares por um prato auto servido num fogão improvisado sob um puxado junto ao quintal, oferecendo arroz, feijão e um ovo frito. Não dispondo de balança, a dona do restaurante vê todos os clientes chegando após cumprir tarefa no campo a manhã inteira, com fome “de anteontem”. Na Savassi, paga-se quatro dólares por uma refeição normal, com mais variedades.
Uma diária em uma pousada três estrelas nos arredores da Serra podem chegar a custar cento e cinquenta dólares, superando o exigido por um continental quatro astros em Lisboa ou Munique.
Essa ânsia não é exclusiva da região da Canastra, mas, sim, regra geral em todo o Brasil. É o fetiche da mercadoria, nesse caso, montado na busca de uma natureza não encontrável em qualquer lugar. Essa elevação dos preços não resulta somente da presença dos estrangeiros, portando na algibeira o saco de moedas mais fortes. Também nós, quando em férias, normalmente estamos dispostos a despender mais, seja na aceitação da novidade, ou na lógica da conveniência, onde o incauto acorre na aflição de uma necessidade premente, sem alternativa. Pelo que se pode ver, fica embutido na concepção turística o caráter da circunstância excepcional. Todos os estabelecimentos de serviços, restaurantes, bares, comércio em geral funcionam como um “24 horas” de lanchonete de beira de estrada, ou padaria, onde se compra sob alguma pressão. O comerciante sabe disso e opera valor de troca além da soma do custo mais o lucro cristão.
Aquecem os preços as hordas de consumidores, sedados, nos embalos de todas as noites, madrugada adentro. O cérebro anuviado não consegue fazer contas de quantas notas saltam da carteira. Os dedos engordados mal conseguem pegar as cédulas. Um pão de queijo, dois dólares.
Esses aspectos são tratados apropriadamente por Maria Luchiari ao cotejar valor de uso, qualitativo, definido pelas necessidades de sobrevivência, com valor de troca, quantitativo, principal referência do turista na definição da utilidade de momento. Faz sentido.
A especulação imobiliária é outro combustível que abastece o fogo das ventas da fera, alimenta a fabulosa hidra inflacionária, de numerosos e longos tentáculos. Em círculo vicioso, ao mesmo tempo, toca a roda de outro impacto, da depredação do meio ambiente, oxigenada pela demanda. Ocupação irregular do solo, crescimento desordenado, alteração das características do lugar, congestionamentos (de trânsito, bancos e restaurantes) e aumento do fluxo das pessoas pelo espaço urbano em geral. E tome mais: alteração da paisagem, poluição visual e arquitetônica dos ambientes, aumento da demanda de bens, serviços e utilidades (eletricidade, água e coleta de lixo) e agressões sobre as condições naturais dos espaços pela presença do forasteiro. Aqueles em busca de sossego, aos poucos optarão pelas vindas fora de temporada.
Vem no bojo um outro “abacaxi”. As cidades mudam de cara sob a influência das necessidades de recriação demandadas pelas atividades, em função dos novos padrões de acomodação e de prestação de serviços. Somente constrói efetivamente quem habita, sabemos disso e, nesse caso, vindo o crescimento de fora, imposto, não necessariamente ele encontra os interesses locais. As perdas podem ser muitas.
Não necessariamente sustentável socioeconomicamente, esse boom pode impactar a atividade no campo ao atrair a população rural, fascinada com o falso aceno de melhores condições nas ruas das cidades.
A população nativa terá de haver com consequências psicossociais na emulação do comportamento dos visitantes em hábitos de gasto, linguajar etc. podendo desembocar em frustração quando o morador do lugar botar tino na evidência de não ter alcançado o padrão de vida dos forasteiros. Maiores decepções poderão advir da constatação de que os lucros desta indústria ou saem ou se concentram na mão de poucos, ou seja, mais decepção virá ao ver a riqueza gerada fugir do proveito da população, não aparecer lá na ponta em melhoria da sua qualidade de vida.
Então, as diversas atividades e interações locais vão sendo “desarranjadas e reinventadas” ou, pelo menos, “redescobertas” nas novas invenções de existência. A cidade e a população, se adaptam aos viajantes (mais que o contrário), não importa que deem graças aos céus quando a atividade não dura o ano todo. Sob esse aspecto, muitas vezes, a aparência hospitaleira esconde o interesse pecuniário. Em Paris nem dissimulação há. Eles detestam os estrangeiros, ou pelo menos isso se depreende da sua antológica falta de trato, de polidez, que fazem questão de exibir.
É razoável admitir que São Roque “reprisa” atualmente o filme encenado no passado em cidades vizinhas, hoje de maior porte. Não é difícil levantar exemplos bem visíveis sobre o andar das alterações. Configuram-se novos serviços e trocas, inclusive instalação de equipamentos modernos em estilos mais rebuscados, atendendo à demanda específica de gostos apurados nos centros mais desenvolvidos, com outras necessidades materiais. De certa maneira, essa tendência leva a uma homogeneização das paisagens urbanas, vestindo um uniforme comum a todas elas, com pouca variação. Há muita semelhança entre o visual dos quarteirões centrais de Campos do Jordão e os de Ipanema, no Rio, com suas lojas de griffe. “As emplastagens e replastagens sucessivas têm anacronizado tudo”, (Garret lembrando Raczynski). As similitudes podem tocar a parte negativa, pois, em casos mais avançados, aparecem as favelas, no “repeteco” do doloroso aguçamento das diferenças sociais.
O terceiro vetor vincula-se à prostituição. Ela abraça cruelmente muita gente. Fogo morro acima, água ladeira abaixo, infrene. Muitas jovens, quem sabe inocentes, na emoção suspirada em sonho do príncipe encantado, ou mesmo na racionalidade de livrá-la da situação de pobreza, são vítimas fáceis da lábia grudenta, treinada, desses gaviões de penacho. Sua ignominiosa presença atinge a pureza infantil. Na tentativa de aliviar as condições inferiores de sobrevivência da sua família acaba se atolando no fango milenar. A miséria, antes material, atinge o espaço moral.
É o chamado turismo da sedução, prostitucional ou turismo sexual. Normalmente, é vício pegajoso de viajantes solitários, hospedando-se em hotéis mais simples, duas ou três diárias somente e consumindo pouco. Estão ávidos por uma aventura amorosa, nas diversas alternativas, hetero, trans ou homossexuais, pedofilia e o que mais tiver.
As drogas e o álcool são chamamentos do turismo alucinógeno. Essas hordas trazem na bagagem a DST, a dor, a tristeza e a morte. É a nova barbárie, tornando as cidades mais perigosas que a selva.
Na esteira dessas três componentes contam-se da mesma maneira os efeitos não tão visíveis, acontecendo em outros planos, afastados da percepção do cidadão comum. É o caso das distorções na aplicação de verbas ou incentivos públicos em investimentos elitizados, de empresários locais ou por construtoras de fora levantando guetos de luxo.
Para Millor Fernandes, “transformar sua cidade em atração turística é como colocar sua mãe na Zona”. Alguma componente neste rumo acaba aparecendo, e será tanto mais presente quanto menos cuidados se tome.
Ao longo do tempo, vão se instalando influências sobre os padrões culturais, mas lentamente, sutilmente, difíceis de serem identificadas. Num processo de socialização, os habitantes do lugar assimilam traços trazidos pelos turistas. Tanto maior será a aquisição de novos valores quanto maior for a diferença social entre visitantes e hospedeiros.
A etimologia casa “recreação” com “revivicação”, na reconstrução de comportamento. Contudo, em boa parte, a prática atual leva a efeitos um tanto diferentes, contrários ao esperado: cansando, estressando e não repousando, aliviando, em vez de descongestionar e restaurar, intoxica e vicia, não liberta, só faz sentir-se culpado. E perturbaria igualmente a organização e a integração sociais.
Podemos avançar mais ainda, amplificando o conceito. Entrar em contato com a natureza ou subculturas diferentes pode ensejar oportunidade de restaurar visão mais completa do mundo, dissolvendo a fragmentação imposta pela ciência, pela tecnologia e… pelas vitrines. Um metalúrgico, após dissolver o cérebro durante um ano de jornadas fresando roda dentada necessita urgentemente de respirar novos ares, de divisar outros horizontes. Precisa de um tempo seu, filosofar um pouco, recompor o seu ser por inteiro.
Uma análise sociológica interessante avaliaria a percepção média do público em relação ao espaço que está ocupando provisoriamente. Nos hotéis-fazenda, os alto-falantes se abrem a volumes ensurdecedores, pessoas conversam e riem a plenos pulmões, varam madrugada bebendo, martelando pagode, discutindo futebol, ou simplesmente jogando conversa fora, no abraço etílico das dezenas de ampolas geladas. O mais comum é apearmos nas pousadas despejando excesso de bagagem, cheias de necessidades, ansiedades e medos. Repetimos no ambiente natural o mesmo comportamento usual do quotidiano, em casa. Na frasqueira, a falta de percepção sobre os direitos do próximo. Cingimos o espaço de recuperação e de libertação com as mesmas amarras embotadoras, repetitivas, dos principais centros. Não conseguimos nos libertar por um momento. Talvez mais que as alternativas, o ecológico beneficia, estimula o lazer enquanto redescoberta, possibilita prática de outros hábitos, revisões, exercícios de humanização em favor da desopilação, da desalienação e da integração.
Outro objeto de análise é a frequência dos turistas às alternativas disponíveis na cidade: se dão preferência ao específico, diferenciado, tais como praia, esporte e montanha, ou se acabam buscando por ali as propostas globais de consumo, universalizadas, aplainadas, nas danceterias, boates, barzinhos e assemelhados. As estatísticas de venda de álcool e drogas podem servir de indicadores eficientes na avaliação da utilização turística do lugar. Certas praias estão associadas ao uso de drogas, em finalidade turística bem determinada, sob chancela do “libera geral”, desatinado, na contramão dos citados resultados benéficos pretendidos. O Carnaval está na cultura, mas em certos lugares ele não deveria ser incentivado pelos órgãos públicos. Não casa com a proposta básica. Quando o que importa é trazer dinheiro, sobressai o vale tudo, sem acompanhar vocação específica. Conheça São José da Porteira, tudo que você pensar aqui tem.
Essa mesma ótica, recomenda olhar com reserva os passeios “enlatados”, em grupos, comuns nos importantes destinos turísticos, igualmente as visitas guiadas, a museus, aquários, grutas, parques e demais sítios ecológicos. Ora, a plenitude do proveito individual pressupõe liberdade, sem engessar o que ver, durante tempo previamente definido, alheio às necessidades individuais.
Todas essas influências devem ser objeto de análise pelas instituições locais, obtendo dados importantes no planejamento da cidade, de ordenamento jurídico da ocupação e da intervenção operacional. Existem dezenas de planos urbanístico-turísticos mais ou menos bem-sucedidos no país. Vasta literatura especializada e diversas empresas dispõem de conhecimento científico e profissional. Sustentabilidade é a palavra-chave orientadora do objetivo geral, na manutenção do espaço e na garantia de reversão, no proveito econômico da atividade.
As cidades em geral podem adotar medidas simples, de baixo custo. As melhorias podem ser imperceptíveis, mas serão sentidas pelos moradores e pelos turistas — estes mesmo sem perceber a razão, simplesmente perceberão uma cidade mais bonita, mais acolhedora. Por exemplo:
- plantio extensivo de árvores e implantação de canteiros de flores. Tornar-se uma mania da população, realçada em mutirões públicos de reflorestamento e na instrução escolar em favor da criação ou recomposição paisagística de parques e jardins, arborização de vias públicas, implantação de um parque botânico etc. As empresas participariam cuidando da manutenção, por exemplo.
- Retomada dos passeios pelos pedestres eliminando a ocupação indevida como extensão das garagens particulares. Pelo menos metade da largura deve ser plana, mesmo inclinada. Preferência aos idosos, os carrinhos de bebê, os portadores de necessidades especiais e os transeuntes em geral. Aceitando como estão atualmente, caracterizando invasão privada de um espaço que é público, a sociedade sinaliza prioridade de importância dos automóveis em detrimento das pessoas. Penalizar as transgressões.
- Disposição suficiente de coletores de lixo, estímulo à população na manutenção da limpeza da rua em frente à sua propriedade e fomento à civilidade, alcançando a mania de limpeza dos logradouros.
- Mutirão de limpeza de entulhos e fechamento de lotes vagos. Aplicar sanções a infratores da disposição regular de rejeitos.
- Apoio à manifestação artística, autorizada, embelezando muros, particulares ou públicos. Inclui decoração de painéis em ambientes de maior trânsito de pessoas (halls de entrada, salas de plenários e de reuniões, espaços culturais, muros, paredes laterais de sobrados, uma boa lista de alternativas), preferencialmente sobre motivos alusivos à cidade, sua história, seus símbolos e sua gente.
- Emudecimento das propagandas sonoras de todos os tipos, ambulantes ou nas portas de estabelecimentos comerciais.
- Punir severamente, inapelavelmente, a desobediência à lei do silêncio, sem exceção, não importa a patente.
- Desencorajar o uso de água de “varrição” de passeios, lavar veículos nas garagens, calçadas e ruas, e demais atividades do tipo contrárias à limpeza, à prevenção sanitária de Dengue e outros insetos, e à aparência geral das vias públicas. Piso público molhado, não pela chuva, é sinal de subdesenvolvimento, na sua manifestação mais desabonadora — a da favela.
- Recuperação adequada das faixas de rolamentos das vias públicas recompondo o nível do piso, sem formar irregularidades após necessidade de uma instalação qualquer ou reparo de utilidades,
- Aprimoramento do sistema público de transporte e criação de calçadões, desestimulando o uso de automóveis no centro da cidade.
Destaque-se a importância de todas as providências de combate ao ruído, buscando ambientes urbanos mais saudáveis à audição e mais propícios aos anseios do espírito. Feliz a cidade na qual se pode andar ouvindo somente as vozes das pessoas, educadamente, o riso da gurizada nos seus folguedos e, de vez em quando, na hora certa, o badalar dos sinos. Essa felicidade ainda mora em Medeiros e em Vargem Bonita. Tal privilégio somente é possível em cidades menores? Uma coisa é o muezim, do alto do minarete, enchendo o ar da cidade com sua pregação ao custo de seus pulmões, em emissão exclusiva da sua voz.
Em um nível mais avançado de civilidade (quem sabe um dia veremos), as ruas não mais exibirão os tumores dos quebra-molas, lombadas e sonorizadores. Nessa nova urbe, habitada por nova gente, um povo fecundo, os limites de velocidade serão respeitados e as infrações severamente punidas.
Utopia por enquanto. Não cabe no esquema mental vigente. Será um novo brasileiro aquele a levar avante uma proeza dessas, a justiça não há de ser esta que nos assola. Nesse mesmo tempo feliz, as casas e os edifícios não estarão cercados de muros com grades, sobre estas os pontaletes de aço coroados por cercas eletrificadas, em cima delas o monitoramento via satélite. Envergonha quem dispõe de um mínimo de discernimento, quem anseia pela existência na sua plenitude, quem percebe que não é esse o caminho que levará à solução do problema de segurança.
Retomando à pista principal. Se a cidade procura se mexer, quem chega também pode e deve se adequar a tiques locais, pelo menos alguns. Ora, “entre os shoshones deve-se proceder como os shoshones”, faz bem à alma tentar entender o espaço do irmão, “cada povo com o seu uso, cada roca com o seu fuso”. Além disto, os de fora podem receber ensinamentos dos de casa. A boa gente do lugar, mantido o seu jeito de ser, pode produzir turistas diversificados. Um lugar sadio melhora a saúde do visitante, ou então este logo é afugentado qual inseto de ambiente limpo. Se em Medeiros viceja o sossego, por que haveriam os turistas de levar zoeira? Por que não podem os forasteiros reaprender as vantagens dos dias mais contemplativos, menos agônicos, sem sobressaltos, abraçados à terra e à sua gente? Nesse singelo e gracioso lugar, o único receio é o da chuva desabar antes de abrir a porta de casa. Felizmente, não aderiu às sofisticações. As pessoas celebram simplesmente a vida, a plenos pulmões. O chamamento da cidade poderia ser: “Visite Medeiros e realimente seu ser”. Um emblema de vidro do automóvel exibiria: “Em Medeiros, fiz silêncio”. Quem vai visitar Stonehenge ou Fátima, muito provavelmente não está atrás das meninas do lugar. Se a sociedade, respaldada no poder público (e vice-versa), impõe uma ordem geral, uma regra de jogo, a presença do turista é orientada, ele logo percebe: ali não é a casa da Maria Joana, caótica, cada um se comporta conforme lhe vem à telha. Um ambiente organizado espanta o estrangeiro destrambelhado, exorciza o “doidão”, essa gente sem eira nem beira.
“Vice-versa o contrário”, se a cidade não vai bem, só atrai gente “estranha”, dela foge o saudável, na prática de medicina preventiva.
Se conseguíssemos extirpar a exploração sexual afugentaríamos esse tipo de turista. Pelos saguões dos hotéis eles percolam os miasmas das indecências de seus corações doentios. Seus bafos fétidos exalam os eflúvios dos estos e mostos de suas mentes em putrefação. Rastejando pelos becos do submundo, babam a ignomínia da sua vil perversidade e sobre as areias alvas das praias destilam o chorume pútrido de suas presenças abjetas. Ao final, em ato animalesco, envilecedor de toda a humanidade, fazem escorrer o carnegão nauseabundo de seus corpos inficionados. Esses vermes deveriam ser enquadrados na condição de terroristas, da pior espécie, em crime inafiançável.
Incentive-se o excursionismo rural, incluindo no passeio ecológico uma visita a fazendas cadastradas. Quem viaja até São Roque e não conhece uma dessas propriedades foi a São Paulo e não comeu pastel. O contato cria, laços de confiança e mais sensações depois ao consumir o queijo. Como se não bastasse, ganha uma aula sobre produção, diferenças de sabor, apresentação, meio ambiente e tanta coisa mais.
Poderia ser a ave símbolo do QMA do oeste mineiro [8]
Os artesãos cadastrados vão sendo treinados na arte de receber. Trata o forasteiro com carinho, dispensando simpática atenção. As vezes exercício de paciência. A passagem por um desses sítios poderia incluir almoço junto ao borralho, simples, porém saudável, modesto, mas culturalmente digno, trivial, mas saboroso, sem sofisticações, ecologicamente sustentável. Uma aula direta, didática, de eco gastronomia. Nessa ordem de ideias impõe-se a implantação de uma “Estrada do Queijo”, rota de “peregrinação”, de louvor à natureza… de reverência ao maturado.
Tal como o ato de se alimentar, assim o turismo. Ele nos abraça pelos sentimentos, valores e crenças do indivíduo e do grupo. Tal como no paladar e no olfato, os espaços físicos gravam na memória sentimentos e emoções peculiares de cada época, de cada lugar.
Montando utopias, uma cidade poderia ensinar um lazer distinto, humano, compensador. Krippendorf lista um formidável e interessante rol de atitudes saudáveis. [9] O turista poderia aprender a brincar de Robinson Crusoé, “expondo-se aos furores da natureza”, reaprender a inspirar e a expirar, castigar o corpo no “esmoído de canseira”, mas repousando a mente. Ah, e guardado o relógio escapando das garras do inútil controle da sequência. “Deixar ao próprio tempo o rolar compassado das horas, a felicidade silenciosa, a sossegada e branda “paradeza” do tempo. Por que apressar o engenho do tempo, o sumidouro voraz das tuas areias?”, diz Autran Dourado, rimando com inspirado. [10] Ler revistas ou livros sobre o lugar, sua história, tanto quanto possível imitando Garret, se algum dia for a Roma, levar na algibeira Tito Lívio, Tácito e seu fiel amigo Horácio. Pouco a pouco ir aprendendo a ver com outros olhos o mundo à volta, olhando, analisando, apreciando e experimentando, sem necessidade de ter. De posse, isso sim, de mais riquezas imateriais, dividir impressões com as pessoas do lugar ou com os colegas de viagem, desenvolver criatividade, conviver efetivamente com os familiares. Em espiral crescente de alegrias, deixar-se surpreender, extasiar-se, entusiasmar-se, até com as pequenas coisas, abrir-se a novas possibilidades de contentamento e felicidade. Ser um consumidor crítico, exercitar a moderação, adotar uma atitude modesta, simples, discreta, respeitar e apreciar as diferenças de costumes, não fazer promessas aos habitantes locais, fornecedores ou não, refletir sobre a vivência de cada dia, renovando, sem ansiar por recanto exclusivo. Perguntar e ouvir, olhar em vez de pegar, “compreender em vez de apossar-se, alcançar em vez de conquistar, respeitar em vez de desprezar, procurar em vez de achar”.
Na primeira Parte deste Capítulo vimos “A exuberância da região: relevo, fauna e flora.”.
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Notícias
“Queijo Frei Rosário, maturado na caverna, está de volta ao Santuários Basílica Nossa Senhora da Piedade.
Desenvolvido há quase 50 anos, pelo próprio frei dominicano já falecido, o queijo teve sua fabricação interrompida para adaptações nos espaços de produção. (Arquidiocese de Belo Horizonte, 22/12/2021)”.
Minas são várias, já disse o poeta. E o queijo acompanha a diversidade somando essa fama alterosa. A 40 km de Belo Horizonte, em gruta úmida postada a 1.750 m de altitude, desde os idos de 1970 frei Rosário Joffily comprava queijos artesanais frescos e maturava por 60 dias na pequena lapa. A iguaria era vendida a turistas e peregrinos que vinham ao Santuário. Após a morte do frade em 2000, o processo foi interrompido tendo sido retomado agora, para proveito de todos dessa iguaria, com jeito “Brie”, de casca rústica, mas interior macio de sabor intenso com toque picante e ligeiramente ácido.
Quem desejar conhecer um pouco sobre a vida do Frei Rosário – “o guardião da Serra da Piedade” – pode consultar (entre outros):
https://www.opiniaocaete.com.br/70-anos-que-o-frei-rosario-chegou-a-serra-da-piedade
Notas
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A área originalmente prevista do Parque Nacional (Decreto 70.355, de 3 de abril de 1972) incluía toda a região da Serra da Babilônia (no desenho, é a segunda parte sombreada contígua ao parque). O custo das desapropriações impôs a redução. Atualmente está sendo objeto de uma revisão. As três cidades com nomes grifados e em negrito correspondem aos municípios nos quais o Parque está inserido. ↑
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Cf. DUMAZEDIER, Joffre. Sociologia empírica do lazer. São Paulo: Perspectiva/SESC, 1999. ↑
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Cf. KRIPPENDORF, Jost. Sociologia do turismo. 2. ed. São Paulo: Aleph, 2001. ↑
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Afora ligeiras alterações de semântica, as descrições locais repetem a versão original do livro. Não ocorreram alterações sensíveis passada uma década. ↑
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Brincadeira recorrente na cidade e vizinhanças. A afirmação de algo sobre Ibiá contendo alguma estranheza usualmente leva o arremate: “Tem base?”. Não consegui identificar a origem. ↑
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Barreiro é o nome da bacia onde se encontram a lama, as águas medicinais distante e as Termas, distante 4,5 km do centro urbano. ↑
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Cf. PAIVA, M. das Graças V. Sociologia do turismo. 7. ed. Campinas: Papirus, 1995. ↑
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“As seriemas são os únicos membros vivos da família Cariamidae, que também é a única linhagem sobrevivente da ordem Cariamiformes.” (Wikipédia). Talvez por esta razão elas andem de “nariz” empinado – devem saber que são algo especiais. Em tupi, “çariama” significa, crista erguida. ↑
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KRIPPENDORF, 2001 ↑
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Cf. DOURADO, Autran. Sinos da Agonia Rio de Janeiro: F. Alves, 1991. p. 149. ↑