Autor: Eugênio Miguel Mancini Scheleder

Entre 1955 e 1969, o Brasil assinou nove acordos comerciais com os Estados Unidos, envolvendo o fornecimento, em condições favorecidas, de quantidades excedentes das safras norte-americanas de trigo. Do primeiro ao quinto acordo, as operações de importação foram financiadas pelo governo dos EUA no prazo de 40 anos, com 4 anos de carência. As taxas de juros variavam de 3 a 5% ao ano e os pagamentos eram feitos em cruzeiros. A partir do sexto acordo, celebrado em 1966, o prazo de financiamento foi reduzido para 20 anos, com um ano de carência e juros de 2,5%, e os pagamentos passaram a ser feitos em dólares americanos.

O valor total financiado nesses acordos foi de US$605 milhões e muitos analistas acreditam que o baixo custo do produto colocado no mercado brasileiro desestimulou, por um longo período de tempo, a produção de trigo e a pesquisa de seu cultivo no País. Desprovido de políticas públicas eficazes para promover o aumento da produção nacional, o Brasil ainda importa, hoje, 50% do trigo destinado ao seu consumo interno. Nos últimos dez anos, foram adquiridos 67,5 milhões de toneladas do produto, a um custo total de US$18,4 bilhões. Dependente de importação, o pão francês produzido em nosso país tem o seu preço fortemente influenciado pela cotação internacional do trigo e pela variação do câmbio.

A história da carne bovina é bem diferente. O Brasil dispõe do maior rebanho do mundo e é o maior exportador de carne bovina do planeta. A exportação corresponde a apenas 20% da produção brasileira e os preços da carne exportada são regulados por referências estabelecidas nos centros formadores de preços internacionais, localizados na Europa, nos Estados Unidos e na Austrália. O restante da produção é comercializado no mercado interno e a base de preço é o indicador do boi gordo, calculado nas diversas regiões produtoras – em São Paulo é o indicador ESALQ/BM&FBovespa. Os preços ao consumidor são diferenciados para as diversas partes do animal abatido e a hierarquia de preços é sustentada por fatores relacionados com a qualidade – maciez e sabor – e com a facilidade no preparo. De acordo com a importância dada pelo consumidor a esses dois critérios, um preço pode ser atribuído a cada corte. Esse preço também controla a demanda, para equilibrar o suprimento disponível de cada corte, evitando a sobra ou a falta. No caso da carne, portanto, o consumidor brasileiro está sujeito ao equilíbrio entre oferta e demanda e os preços são ajustados de acordo com variações sazonais da produção e com a inflação observada nos custos do setor.

O petróleo produzido no Brasil é uma espécie de boi gordo. Cerca de 25% da nossa produção é exportada, a preços referidos aos mercados de Londres e Nova York, e o restante é comercializado no nosso mercado interno. O parque de refino nacional e as distribuidoras fazem o papel de matadouros e frigoríficos e os postos de serviço operam como supermercados e açougues. A analogia com o boi gordo, no entanto, termina aqui. Os preços dos produtos derivados, entregues pelas refinarias da Petrobras, vêm sendo definidos, desde 2016, por alinhamento com os preços do mercado internacional, como se o Brasil fosse um país importador de petróleo. Essa política equivocada despreza a vantagem competitiva da produção brasileira, onera o consumidor com preços internos mais elevados, estimula a importação de combustíveis, aumenta o gasto com divisas, mantém uma injustificável ociosidade no nosso parque de refino e reduz o “market-share” e a receita da Petrobras. Perde a Petrobras, perde o consumidor e perde o Brasil.

Diesel não é pão francês, está mais para sanduíche de filé. Apenas uma parcela mínima do seu custo, decorrente dos encargos da estatal em moeda estrangeira, deveria ser ajustada com base na variação do câmbio e dos preços internacionais. Caminhoneiros, padeiros, açougueiros e grande parte dos consumidores brasileiros já estão conscientes da formação de preços dos produtos que vendem e consomem e esperam que a administração da Petrobras aprenda a lição, faça o seu dever de casa e adote uma política de preços que traga benefícios para a Nação. A política atual favorece a importação de combustíveis, em especial dos EUA, e beneficia apenas as empresas, em sua maioria estrangeiras, que elevam os seus ganhos com a internacionalização do abastecimento do mercado brasileiro de derivados do petróleo. É um desastre perfeito.

Em: outubro de 2020

*Eugenio Miguel Mancini Scheleder trabalhou na Petrobras. Também ocupou cargos de direção nos ministérios de Minas e Energia e do Planejamento, de 1991 a 2005.

Posted by Brasil 2049

One Comment

  1. GILDO GABRIEL DA COSTA 24 de abril de 2022 at 10:43

    Algumas observações sobre o texto do autor:
    1)O valor da arroba do “boi gordo” duplicou durante a pandemia e o preço do álcool combustível nos postos subiu mais do que o da gasolina. Não vi ninguém defendendo a estatização ou intervenção federal nos frigoríficos e nas usinas, nem propondo que carne e álcool fossem vendidos a preço de custo;
    2)A capacidade nominal de destilação atmosférica das refinarias da Petrobras (a dita “capacidade instalada”), oficialmente registrada na ANP, não corresponde à capacidade de conversão (conversão de resíduos em destilados) nelas instalada. Assim, a aparente “capacidade ociosa” das refinarias da Petrobras nada mais é do que a adequação do processamento de petróleo à capacidade de conversão existente: processar petróleo acima ds capacidade de conversão resulta em que 40-60% da produção adicional seja de óleos combustíveis, ou seja, com margem bruta negativa;
    3) Há mais de 20 anos não existe mais monopólio de petróleo no Brasil. Na época do monopólio a Petrobras não pagava imposto de renda (25% do lucro líquido apurado) sobre as atividades decorrentes do monopólio, dentre as quais estavam a importação e produção de derivados, e assim mesmo, em decorrência da chamada “estrutura de preços”, sistema de tabelamento de preços estabelecido no início do governo militar, em algumas vezes a empresa esteve próxima de não ter recursos para honrar os seus compromissos. Como o Pais tem sido -e será- dependente de importação para abastecer os mercados de GLP, gasolina A, diesel A e QAV, caso a Petrobras venha a praticar preços abaixo do PPI quem vai realizar as importações de tais derivados? E que vai ser da refinaria Riograndense? Vão impedir a refinaria de Mataripe, agora privatizada, de exportar a sua produção? Como a Petrobras vai enfrentar os processos judiciais que serão movidos pelos seus acionistas privados, na sua maioria fundos de pensão nacionais e estrangeiros (ou seja: entidades que gerenciam recursos legítimos de trabalhadores)?
    4)Caso haja intervenção na atual política de preços baseada no PPI, adotado na maioria dos países que não estão sujeitos a ditaduras, o custo financeiro da Petrobras, que hoje está em cerca de 6% aa (já foi de 12% aa quando era monopolista e não tinha ações negociadas na Bolsa de NY) será substancialmente elevada e impedirá qualquer investimento novo em refino.
    Aí sim estaremos caminhando para o desastre perfeito;
    5)No segundo governo Dilma, em que a Petrobras foi obrigada e reduzir preços, a dívida da empresa chegou a meio trilhão de reais, em moeda da época.

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