AUTORES
Caio Múcio Barbosa Pimenta, Eugênio Miguel Mancini Scheleder, José Fantine, Manfredo Rosa
Petróleo e gás, ainda firmes em 2050
Recentemente o ministro Paulo Guedes defendeu a necessidade de chamar o maior número possível de empresas para explorar rapidamente as reservas brasileiras de petróleo. Na argumentação ele mostrava a tendência mundial de substituição deste produto por outras fontes energéticas e, sendo assim, seria necessário extrair logo tudo que fosse possível antes que o “Ouro Negro” perca o seu valor[1]. Em linha com tal atitude procede ao fatiamento privatizador da Petrobras de tal forma que as companhias que aqui aportam ou aportarem tenham refinarias, gasodutos e polidutos a sua disposição. Ou seja, troca o primado do domínio nacional no tema petróleo e gás pela “excelência da livre competição comandada por empresas estrangeiras de grande porte”. Neste contexto vão-se mais uma vez as riquezas e potencialidades brasileiras deixando, ao final, uma Petrobras oca[2] e o País sem comando sobre mais esse setor.
No Capitulo I foi demonstrada a falácia da metáfora que autoridades e alguns analistas se utilizam para conquistar adeptos para a pronta e facilitada liquidação do pré-sal brasileiro. Neste texto, completa-se a demonstração prática do equívoco tão perverso para a economia nacional.
Olhando a história nesse curto espaço de uma existência (últimos 80 anos) percebe-se que o Brasil oscilou entre três polos: em 1949: “não existe petróleo”, diziam. Em 2006 quando foram descobertas imensas jazidas profetizaram “agora o País será rico, terá uma montanha de Ouro Negro no fundo do mar”. E em 2019 ouviu-se esse novo posicionamento, “existe muito petróleo, mas não vai valer nada”, dizem. Caberia então um desabafo: “Nossa querida pátria é mesmo um azarão”. Conta com essa cornucópia de riquezas, esparramadas generosamente por tão imensa área e, não obstante, por uma razão ou por outra não consegue usufruir das vantagens dessa pródiga “opulência nativa”.
Contrariando a tese governamental
Acontece que a verdade é bem outra como se verá. E o pré-sal ainda é o Eldorado nos sonhos de todos (daí o nosso azar e a sofreguidão de muitos para repassá-lo adiante).
A exploração e a produção de petróleo requerem décadas de investimentos e somente se viabilizam supondo fluxos de produção por mais de 20 anos. Não existe a hipótese de uma “colheita rápida” nos anos seguintes, como seria para alguém que comprasse uma fazenda e nela aplicasse sua semeadura. Da mesma forma, uma empresa entrante no pré-sal não investiria de uma vez nas regiões adquiridas sob essa ideia de extrair rápido para recuperar rapidamente seus gastos iniciais. Elas programam uma escalada, de tal forma que desenvolvem os campos à medida que obtém os lucros pretendidos na fase anterior de gastos. É uma questão de segurança e de racionalidade econômico-financeira.
Sendo assim nenhuma empresa colocaria recursos hoje em uma área cujo bem a ser produzido estivesse com os dias contados para perder seu valor. E, se celeremente o fizesse, o aumento repentino da oferta diminuiria o faturamento pela perda de valor. Portanto, dizer que é imperioso atrair rapidamente empresas para explorar o pré-sal é uma falácia. Se o petróleo nada valerá, e se é impossível produzi-lo a jato antes que nada valha, por que alguém se habilitaria a investir no Brasil nesses campos? Agindo desta maneira, desempenhamos o inverossímil papel do vendedor que anuncia que seu bem a ser vendido, nada vale ou valerá. Este mecanismo foi intensamente utilizado ao longo da história e mais ainda em passado recente para promover internamente (ganhar apoio político) a venda das estatais brasileiras a preço vil.
Outro sofisma surge quando dizem que seriam necessários US$ 600 bilhões de dólares ou mais de investimentos no segmento petróleo e gás e, portanto, a “Petrobras não teria fôlego para tal empreitada”. Sabe-se que tais investimentos seriam aplicados ao longo de 40 anos, e a maior parte se fará com os lucros auferidos. Nada de extraordinário para a Petrobras, ainda mais considerando que muito provavelmente não faltarão financiamentos para empresas petrolíferas aplicarem em boas jazidas.
O ministro Paulo Guedes não precisou esperar muito tempo. Alguns poucos dias depois ele se espanta diante de um fato: nenhuma das grandes empresas de petróleo se interessou em participar dos leilões das áreas do pré-sal (leilão com cara de eufemismo para “partilha das riquezas”). As condições não foram favoráveis o suficiente para atrair o tal do “Senhor Mercado”. Melhor para o Brasil, pois é bom para ele o que não é bom para as empresas gigantes do setor. Como reza a cartilha dos países dependentes, logo pensaram: “há que mudar as regras do jogo e facilitar ainda mais as condições para que, em 2020, venham para o Brasil as “majors” do petróleo”. Em nenhum momento pensaram que somente elas e a Petrobras poderiam estar à frente das propostas para adquirir as áreas que guardam os tesouros (pois outras não têm competência para tal). E que o não participar levaria o Brasil a afrouxar ainda mais as entregas das jazidas já descobertas, e elas poderiam então vir “salvar o Brasil”. Pois essa “facilitação”, por incrível que pareça, já está em curso. [3]
As evidências indicam papeis destacados do petróleo e gás para além de 2050
Mas, de quais fontes Paulo Guedes e vários comentaristas se ilustram para afirmarem: “Temos que extrair o petróleo rapidamente antes que ele deixe de ter valor”? (Notem a diferença que faz a palavra rapidamente). Não existem referências porque, ao contrário, todos os estudos críveis apontam a importância do petróleo e do gás para além de 2050, quando as reservas do pré-sal brasileiro estarão já em ritmo de exaustão, aos níveis da produção já desenhada – e ainda sem essa entrega voraz de novas jazidas.
Em uma corrida rápida na Internet, buscando notícias sobre o tema se lê: “Preço do petróleo sobe – Rússia confirma renovação de corte de produção por nove meses”; “Ministro do petróleo do Iraque propõe que a OPEP aumente os cortes de produção”; “Alguns analistas acreditam que a OPEP deva aumentar os cortes de produção, para lidar com possível excesso de oferta”; “OPEP concordou nesta sexta-feira (6/12) em reduzir a produção na tentativa de sustentar os preços”. Em busca mais apurada sobre o futuro pode-se encontrar: “Given that economic and population expansion are the primary indicators of more energy demand, global energy demand is set to boom 45% by 2050”[4] “By 2030, world demand will drive oil prices to $92.98/b. By 2040, prices will be $105.16/b (quoted in 2018 dollars). By then the cheap sources of oil will have been exhausted, making it more expensive to extract. By 2050, oil prices will be $107,94/b”[5]. Ou seja, segundo as previsões dos especialistas, ao contrário, petróleo e o gás valerão mais até 2050.
E embora o óleo possa perder pontos percentuais na fatia de sua presença na matriz da demanda geral (pela entrada de alternativas), o crescimento global do consumo compensará exigindo volume total maior dele que no presente. Quanto ao gás, que tanto existe associado ao óleo como presente em jazidas independentes, a demanda nacional e mundial será vigorosa por décadas e mais décadas crescendo sem parar até muito além de 2050 (porque substitui e substituirá o carvão em termoelétricas mundo afora e terá demanda crescente em novas áreas). O quadro a seguir confirma os crescimentos da demanda global de energia e do petróleo e do gás, de cerca de 200 para 245 quatrilhões de BTU, não obstante a diminuição de 5 pontos percentuais da participação na matriz, de 32% para 27% (ambos referidos ao período 2018 – 2050).
Certamente que o ministro Paulo Guedes encontrará dificuldades para “equilibrar” todas essas notícias. Serão necessários malabarismos para conciliá-las com suas percepções. Mas dificilmente convencerá aqueles que podem pensar no assunto de forma independente.
Finalmente, para os “pessimistas do valor futuro do pré-sal”, que querem apressar em repassá-lo para os estrangeiros, vale dizer que o mundo consome por ano mais de 30 bilhões de barris de petróleo no presente. Isto equivale a mais do que todas as reservas oferecidas no momento e a oferecer no pré-sal. Esta formidável demanda mundial e a produção correspondente esgotam progressivamente as reservas existentes, primeiro as de menor custo de produção. Assim, valorizam, ano a ano, as novatas jazidas do pré-sal, de elevadíssima produtividade e que se apresentam com custos baixos por barril extraído.
Então, com boa dose de racionalidade seria correto dizer precisamente o contrário: “Não esgotem o pré-sal precipitadamente. Ele valerá ouro para além de 2050!”
Muito mais importante ainda, a produção de óleo nacional não pode ser “uma corrida” como alguns defendem, pois o pré-sal e outras jazidas já identificadas estarão no seu declínio final em 2050 aos níveis de produção já delineados (4 milhões de barris por dia igual a 1,5 bilhões de barris por ano. Em 30 anos serão 45 bilhões de barris retirados dos depósitos! Se retirarmos 5 milhões de barris por dia, serão quase 55 bilhões de barris!)
No quadro a seguir (elaborado pela estatal Empresa de Planejamento Energéticos – EPE) vê-se o panorama brasileiro. No cenário mais pessimista da economia, a demanda global de energia cresce 60% até 2050! E no mais otimista cresce 115%!
Observa-se que a fatia do petróleo na demanda global em 2050 cai 4% ou 3% a depender do cenário, pessimista ou otimista. Entretanto, como antes visto, a demanda global cresce 60% ou 115% respectivamente. Assim, em valores absolutos a demanda de petróleo aumenta perigosamente no Brasil (relacionando-a com a apressada oferta de jazidas nacionais para exportação de petróleo, que já está a ocorrer).
Talvez as afirmações dos “apressados” do pré-sal estejam apoiadas na questão das emissões de carbono diretamente ligadas à queima de combustíveis fósseis, e no esforço para diminuir a participação dessa forma de energia na matriz mundial. No entanto, bem outra história é materializar uma intenção (ainda que uma necessidade). Como afirmado anteriormente, a realidade observada é que em curto e médio prazos, dificilmente se conseguirá tal substituição. Ela se dá e dará de forma paulatina, mas o aumento da demanda de energia será de tal ordem que, em valores absolutos, a participação desses energéticos deverá crescer até 2050, a exceção sendo o carvão mineral (será acentuadamente substituído pelo gás natural). Desta maneira, com o açodamento para repassar o petróleo nacional à exploração estrangeira, as autoridades nacionais estão a arriscar o suprimento futuro do Brasil. Algo que jamais deveria ser feito!
No quadro a seguir pode ser visto que todo o petróleo já identificado no Brasil, pela Petrobras e demais companhias, praticamente acaba antes de 2050, considerando os compromissos já assumidos por todos. Mais grave ainda, é preciso observar que em 2040 a demanda nacional de petróleo alcançará 3,1 milhões de barris por dia, mas a produção em declínio de todas as reservas (no presente já provadas ou com óleo já descoberto) não serão suficientes para suprir este consumo projetado (somente poderão oferecer 2,1 milhões de barris por dia!). Isto quer dizer que o ritmo atual, que já oferece exportação de petróleo, levará o País a depender de novas descobertas, já a partir de 2030, em áreas nem ainda licitadas ou investigadas e, portanto, não necessariamente ricas em óleo ou gás!
E fundamental que se entenda que a entrega de áreas às multinacionais estrangeiras (que ao que tudo indica acontecerá e será facilitada pela volta do frouxo regime de Concessões), lhes dará a posse e o direito de exportar o petróleo inteiramente. Por mais que se diga que o suprimento nacional será prioritário, alguém poderia garantir que alguma autoridade brasileira teria como sustar exportações de petróleo das jazidas leiloadas? Nos campos em alto mar, produzindo pelas empresas estrangeiras para navios cisternas, como impedir que zarpem para o destino que bem entenderem? É muita ingenuidade pensar que muito petróleo será sempre descoberto, que as reservas não acabarão e que o Brasil corre o risco de ver sua quase riqueza “transformada em fóssil”, “apenas uma graxa que somente servirá para sujar as mãos”.
Além do consumo como fonte de energia de forma convencional, há outros usos que também se ampliam, garantindo ainda mais a importância das reservas de petróleo e de gás.
São os que para os quais não há substitutos viáveis (caso dos petroquímicos, transportes pesados, pavimentação e impermeabilização). Além disto, o mundo conta com 1,2 bilhões de veículos leves [6] e de carga (sem contar, tratores, máquinas e equipamentos de obras, motocicletas e outros como máquinas ferroviárias, motores a diesel e centrais elétricas a diesel) que, igualmente, não serão retirados de um momento para outro demandando décadas para serem substituídos. Até 2040, segundo a BP (Figura a seguir), os usos de carvão, petróleo e gás fora do tradicional uso como combustíveis crescem.
Considerações finais
Em que pesem os esforços de muitos, os relatórios recentes [7] mostram que a emissão de carbono resultante da queima de combustíveis fósseis voltou a crescer em 2018, isto em função do crescimento econômico mundial (relação direta entre crescimento econômico e gasto de energia). E que, até 2050 o desenvolvimento dos países como o Brasil, China, Índia e México e de dezenas de outros impactará o uso de combustíveis fósseis. Assim, o pré-sal nacional continuará sendo uma esperança maior.
A responsabilidade em relação ao suprimento de energia para garantir o suprimento e o progresso nacional se reveste de suma importância exigindo dos atores públicos nacionais o máximo de cautela e estudo sobre o tema. Ao invés de seguir por este arriscado movimento dogmático, que mistura doutrinas com geologia, geopolítica e suprimento nacional de energia, deveriam se debruçar em estudos a serem encomendados a um grupo das mais destacadas universidades brasileiras com excelência na matéria energia, com coordenação pela estatal EPE e pelo Ministério de Infraestrutura. Tais estudos seriam então submetidos ao Congresso Nacional e às Forças Armadas para avaliação e definição atualizada da Política Nacional de Petróleo e Gás.
Estes estudos deveriam conter, como Termos de Referência mínimos:
- Três cenários para potencial de descobertas de jazidas nacionais de petróleo e de gás.
- Três cenários de demanda de derivados de petróleo e de gás (atualização dos estudos da EPE, que inclui universidades) até 2080.
- Cenários de limites seguros de produção possível, de óleo e de gás, que garantam o suprimento nacional até 2080.
- Cenários de valor das jazidas do pré-sal à luz do esgotamento das reservas mundiais de petróleo de boa qualidade e de menor custo
- Estudo detalhado sobre as possibilidades da substituição do petróleo e do gás por alternativas até 2080 no Brasil e no mundo
Enquanto tais estudos não forem validados pela sociedade brasileira, os leilões na área do pré-sal ficariam suspensos. Continuariam os leilões, com cautela, para as demais Bacias potencialmente petrolíferas.
Aspectos legais
Com a descoberta do pré-sal em 2006, o governo federal orientou a elaboração de novo marco regulatório especial que maximizasse os ganhos da União considerando as peculiaridades favoráveis da nova província petrolífera.
Assim, em 22 de dezembro de 2010 foi aprovada a Lei nº 12.351. Esta lei alterou, para o caso específico do pré-sal, a Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997.
Esta Lei anterior eliminara o monopólio estatal exercido pela Petrobras e instituíra o modelo de Concessões, considerando, na época da sua elaboração, os riscos exploratórios para quem se aventurasse nas Bacias sedimentares nacionais (http://atarde.uol.com.br/economia/noticias/1348684-o-que-muda-com-o-novo-marco-regulatorio-do-pre-sal) .
Com a descoberta do pré-sal, a Petrobras demonstrou que, para esta nova província, o risco deixara de ser uma variável, além do que os campos então descobertos eram e seriam de excelente qualidade e produtividade. Assim, a nova Lei aumentou consideravelmente os ganhos para o País nos contratos que se relacionassem com o pré-sal, os quais passaram a ser no modelo de Partilha de Produção.
Além disso, a nova Lei criou o Fundo Social que seria abastecido pelos esperados ganhos excepcionais que a exploração na nova província traria. E conferiu maior protagonismo para Petrobras. A partir de 2016 iniciou-se a descaracterização da nova Lei, no encontro às aspirações das grandes petroleiras mundiais, agora já quase completadas. Vide:
Notas
- https://www.youtube.com/watch?v=ZjyfypQrEZk&feature=youtu.be ↑
- https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,guedes-retoma-processo-de-privatizacao-da-petrobras-iniciado-na-gestao-temer,70002978063 ↑
- br.advfn.com/jornal/2020/01/petrobras-pode-perder-direito-de-preferencia-na-exploracao-do-pre-sal ↑
- https://www.forbes.com/sites/judeclemente/2019/09/29/the-u-s-department-of-energy-says-more-oil-more-natural-gas/#1898ebe57f2c ↑
- https://www.thebalance.com/oil-price-forecast-3306219 ↑
- https://www.noticiasautomotivas.com.br/o-mundo-ja-tem-mais-de-1-bilhao-de-veiculos/ ↑
- https://brasil.elpais.com/brasil/2018/12/05/internacional/1544012893_919349.html ,
https://g1.globo.com/natureza/noticia/2018/12/06/emissoes-globais-de-co2-crescem-e-atingem-maior-alta-da-historia-diz-estudo.ghtml ↑