José Fantine, Manfredo Rosa 

“O ambiente é um campo de disputa.

Também o é a aprendizagem”

Isabel Carvalho

Imaginem que “fazer chover ouro” em uma comunidade de baixa renda fosse a solução para seus problemas. Ajudaria muito, mas não resolveria a situação, pois o déficit educacional impediria o progresso sustentável da população. Na verdade, “fazer chover ouro” seria uma metáfora para caracterizar a ideia de uma “chuva de educação dourada”, guardando também ações de vanguarda. Neste texto, vamos contar uma parte desta história. Mais adiante, em outro trabalho em elaboração, apresentaremos um detalhamento mais completo da parte educacional propriamente dita (valores, objetivos, público alvo, orientações gerais, metodologia, conteúdo programático e resultados)

FAZER CHOVER OURO, É PRECISO

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Acácias chuva-de-ouro

Em 2000 a Prefeitura do Rio de Janeiro entregou à comunidade da Maré (RJ) uma Vila Olímpica (VOM). Somando cerca de cinquenta mil metros quadrados de área, ela abriga ginásio, piscinas, quadras polivalentes e de tênis, campo de futebol e pista de atletismo, pista de caminhada, distribuídos em espaços amplos, com projeto urbanístico a cargo do Escritório Burle Marx. Na entrada, quase vinte Acácias Chuva de Ouro, várias delas na foto anterior, anteviam um belo bosque. E quem sabe, na concepção, pensaram nesta metáfora que escolheríamos mais adiante quando presenciamos as primeiras floradas das árvores que cuidávamos com muito carinho.

O Projeto da VOM nascera de um sonho de um cidadão morador da Maré, Amaro Domingues. Com um anteprojeto debaixo do braço, visitava os políticos de então procurando mostrar a enorme relevância para a comunidade que representava a obra pretendida. Assim atuam as pessoas com mente e coração ocupados em garantir potencialidades de sobrevivência ao próximo desfavorecido, apostando no futuro. Tanto insistiu que conseguiu o apoio do Ministro dos Esportes (na época o Pelé), desencadeando outras adesões de cooperação na Cidade, resultando na construção do empreendimento, na gestão de Cesar Maia.

As administrações seguintes continuaram dando o suporte possível à VOM, que foi ampliando suas parcerias e sua rede. Até o presente, Amaro chefia a Organização que cuida desta Vila Olímpica. Sua vida e sua obra estão retratadas em livro1. É uma grande liderança, que todos precisam conhecer!

1 “Amaro da Maré”, Regina Zappa, 2016, FGV

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Ipê roxo

O nome Vila Olímpica resultou das magníficas dimensões dos espaços e das instalações, e não da pretensão de preparar atletas de alto rendimento. O sonho do Amaro era criar um projeto Socio Desportivo para crianças e jovens, pensando na sua ocupação e no seu desenvolvimento educacional. Não pretendia um complexo apenas esportivo, mas sim um complexo educacional com base na prática esportiva. Antes de receber as instalações, ele, como presidente da União dos Moradores da Maré 2 procurou a Universidade Federal do Rio de Janeiro, localizada ao lado, para ajudá-lo em seus planos. Ganhou o apoio da COPPE desta universidade, que desenvolveu gratuitamente o desejado projeto Socio Desportivo e apoia a sua implantação e desenvolvimento até o presente. Conforme já comentado, a parte educacional será descrita em outro texto. Por enquanto nos fixaremos na experiência ambiental e paisagística, muito significativa e inevitavelmente interligada, nas raízes, com a concepção do projeto como um todo.

Na foto anterior, vemos alguns Ipês em plena floração. São mais de trinta exemplares, nas variações roxo e amarelo. Admirando sua formosura, que a todos encanta, é bastante oportuno resgatar aqui um pouco da história que permitiu que esta maravilha ambiental estivesse hoje trazendo a alegria e a beleza aos moradores da Maré.

2 Entidade que congregava 15 comunidades interligadas no Complexo da Maré.

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Flamboyant

Imaginem mais de duzentas arvores plantadas em 1999 em uma área de cinquenta mil metros quadrados, seca, sem cobertura alguma, terreno de aterro, muito socado e duro. Não era promissor o destino destas mudinhas de 50 cm de tamanho, indefesas e prontas para sucumbirem no primeiro verão. Não resistiriam caso não se pudessem contar com recursos para contratar pessoal especializado que cuidasse delas e para montar infraestrutura para adubar, molhar, defender de pragas e, ainda, podar a floresta que se imaginava um dia ali estaria.

Com apoio financeiro da Petrobras e da Prefeitura, a ONG União Esportiva Vila Olímpica da Maré – UEVOM 3 teve aportes para se encarregar do empreendimento ambiental, não tanto como tecnicamente gostaria. Contou também com alguns voluntários, Fantine, Cristian, Theófilo e. além disso, com o pessoal contratado para a condução administrativa da unidade que, extra função, trabalhava neste segmento por amor “a causa”, em dedicação diferenciada. Como Alice, depois Sandra, Valeska, mais adiante Luciana, Aline, Pablo e outros dedicados colaboradores completaram os meios que garantiram um crescimento muito satisfatório do parque instalado.

Claro que graças a muito esforço, pois o mato crescia velozmente e a mão de obra contratada e voluntários se desdobravam para cuidar e capinar tão extensa área. Na seca, que tristeza, não havia como regar os gramados e plantinhas a contento. A natureza certamente deve ter contribuído, com essa sua determinação de reprodução da vida a qualquer custo. E assim se deu. Apesar de todas as dificuldades o projeto assentou suas bases, suas raízes e “viu que era bom”.

Pequeninhas árvores plantadas a boa distância uma das outras, agora compõem bosques como os de Acácias, de Ipês e, na foto anterior, o de Flamboyant com dez arvores, como também, de dezenas de Patas de Vaca, Licuri, Acácias de vários tipos, Bougainvilleas, Abricó de Macaco, Algodoeiro, Arvore de Formiga, Paineiras, Palmeiras e outras.

3 A VOM foi construída pela Secretaria de Obras e Ação Social. O Sr. Secretário e equipe da Prefeitura (liderada por Antônio Augusto) e o Viva Rio idealizaram que o complexo seria operado por uma ONG, a ser criada com o objetivo especifico de cuidar do empreendimento – uma parceria público-privada sem fins lucrativo e fornecedora de serviços inteiramente gratuitos. Pela qualidade do projeto operacional/educacional da COPPE e da Vila, o Sr. Prefeito encaminhou-o ao Legislativo com uma proposta de Lei permitindo a concessão à UEVOM – União Esportiva Vila Olímpica da Maré. Esta teria administração compartilhada com a Prefeitura. E poderia fazer acordos de parcerias, o que de fato ocorreu em profusão. Na elaboração do projeto colaboraram durante nove meses mais de vinte membros das Associações de Moradores do conjunto (15 comunidades).

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Coqueiro e espatódia

No pátio principal alguns “indivíduos” isolados tais como coqueiros, espatódias e algodoeiros, ajudam a compor uma bonita matinha urbana, oferendo frutos e boa sombra.

Faltou citar ainda outras ações que tornaram possível realizar esse “milagre”, o de partir de mudinhas tenras e frágeis e se chegar às belas árvores adultas que agora se vê nas fotos, com poucas perdas pelo meio do caminho.

O cuidado necessário com a vegetação foi inserido no processo educacional mais amplo, envolvendo a questão ambiental. As crianças recebiam pequenos regadores coloridos para levar água às plantas, mesmo as mais distantes. Elas e adultos adotavam árvores para cuidar.

Voluntários recomendavam adubos e podavam os pequenos galhos para educar o crescimento das mudinhas. Isso levou muitos anos até que sua poda dependesse do pessoal do Parque e Jardins da Prefeitura.

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Ipê amarelo

São cerca de dez exemplares de ipê amarelo enfeitando a VOM. Árvores lindas e admiráveis, embora tão difíceis de crescer. Mas a espera valeu a pena.

Ao mesmo tempo foram plantadas árvores para levar ruidoso contentamento às crianças: jaboticaba, goiaba, fruta do conde, manga, pitanga, amora, coco, limão, acerola, ameixa, romã, carambola, multiplicaram o time das frutíferas previstas no projeto original como jamelão, uva do mar, tamarindo, licuri, que além da alegria trazem saúde para todos. Melhor de tudo, não é necessária permissão alguma para colher frutas.

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Pau-brasil ( ao centro da foto )

Na frente do ginásio, são muitas as árvores. Destacam-se ipês, palmeiras e licuri. E um pé de pau-brasil, plantado tardiamente, mas agora já exibindo mais de cinco metros de altura. Lindo no porte, flores pequenas, mas maravilhosas, que parecem cachos de orquídeas amarelas com um perfume divino. Além de tudo, seus galhos fornecem madeira nobre, por exemplo para fazer arco de violino. Na foto, crianças chegando das escolas, acompanhadas da professora, para atividades educacionais e esportivas na Unidade.

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Ipê roxo

Mais uma foto do Ipê em floração estonteante, que mereceu lugar de destaque na Coluna do Anselmo no O Globo. Provavelmente, entre Ipês Amarelos e Roxos, a VOM abriga a maior coleção desta maravilha em uma área urbana restrita no Brasil. Coisa de se admirar.

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Acácia

Esta arvore têm história peculiar. Foi plantada como sendo Acácia Chuva de Ouro. Mas, desde pequenininha, se sobressaiu. Crescia e se espalhava em velocidade muito superior às demais. E com poucos anos formou uma sombra esplêndida. Ainda jovem, com um metro e pouco, o seu caule principal quebrou a poucos centímetros do chão. Três brotos em volta se destacaram, mas não tivemos coragem de cortar dois deles, como fazíamos para as árvores crescerem. O caule principal secou e formou um pequeno buraco entre os três rebentos, ameaçando matar a planta por infiltração de água. Um pouco de terra e chicletes ocupou aquele inconveniente espaço. Sorte pura, pois ela se tornou frondosa e ponto de encontro para bater papo e para esperar a hora na piscina. Suas flores? Cachos brancos e não amarelos como os das demais acácias!

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Palmeiras

Ninguém seria capaz de antever o bosque lindo que surgiria das pequenas palmeiras plantadas junto ao campo de futebol e para o que serviriam. Na foto, um café da manhã com os pais e doze crianças com potencialidade de superdotação, selecionadas nas escolas da região, que seguiriam uma formação especial no Instituto Lecca, com patrocínio da Petrobras. O programa segue ativo até o presente, atualmente no CPOR da região sob outro patrocínio. Então, bosque fornecendo o que pode haver de melhor, para descanso, e para aulas e estudos ambientais. Uma dádiva.

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Algodoeiro ( ao fundo, à direita )

Ao fundo, vê-se um imenso algodoeiro uma das quatro arvores que restaram das obras (três algodoeiros e uma paineira). Ela toca no chão. Essa espécie pode ser vista nas calçadas de Copacabana. Excelente para eventos ao ar livre. Mas “muito espaçosa” empurrando para o lado tudo que obstrua sua evolução. Para as crianças, uma festa para galgar e brincar nos seus galhos.

Comemoração da Floração

Tantas são as árvores que foi testado um modelo de Comemoração da Floração. Este e outros eventos fazem parte de um pacote de Educação Ambiental, já testado e agora em busca de patrocinador. Uma das inteligências do ser humano é a Ambiental, juntamente com a de Lógica Matemática, Linguagem, Musical, Espacial, Motora, Inter e Intra Pessoal. Assim, em todos os programas educacionais este tema deve ser considerado de forma envolvente, como se vê na foto, e interligado com as demais oficinas que cuidam do apoio ao desenvolvimento das várias habilidades humanas. Isto fará parte do texto em elaboração sobre Educação de Vanguarda.

Mais outra iniciativa contribuiu para o sucesso desta empreitada. Diante daquela diversidade tão grande de espécies, foram instituídas as Comemorações da Floração. E aos adultos mostradas as vantagens que os cuidados com as árvores trariam em ambiente tão quente e em área tão tensa. Com este simples processo, não somente as crianças cresciam respeitando as árvores, bem como seus pais e familiares retomavam essa percepção, preservando sua área verde!

Também, durante bom tempo houve aproximação com os moradores da rua Tancredo Neves para iniciar jardinagem nas calçadas de suas casas e cuidar das árvores que foram plantadas ao longo do estacionamento externo, na mesma rua. De tudo, pelo menos a aridez e o calor foram banidos da rua principal e sombra generosa protege a todos.

Este e outros eventos fazem parte de um pacote de Educação Ambiental, já testado e agora em busca de patrocinador para garantir continuidade e avanço nos seus propósitos.

Uma das áreas de inteligência da qual se ocupa o ser humano é a Naturalista, juntamente com a Lógico-Matemática, a Linguística, a Musical, a Espacial, a Corporal-Cinestésica, Inter e Intrapessoal, segundo Howard Gardner.

A crise Ambiental é mazela do nosso tempo, e, também, é problema de conhecimento no sentido de que a maneira como desenvolvemos saber atualmente não se encaixa na complexidade da realidade e não atende às necessidades da maioria. Para Leff, o saber ambiental de fato, deve abrir para outros futuros possíveis, pois incorpora pluralidade de temas e diversidade cultural, na formação do conhecimento, rumo à transformação da realidade.

Assim, em todos os programas educacionais este tema deve ser considerado de forma envolvente, como se vê na foto, e interligado com as demais oficinas que procuram garantir, não uma educação utilitária, restrita à sua face produtiva, mas conhecimento, significando a abrangência da componente política. Atividades que cuidam do apoio ao desenvolvimento das várias habilidades humanas, fomentando o sentimento de solidariedade, potencializando o exercício da cidadania, a individual e a coletiva, capacitando-o para pensar na sua história, neste caso da VOM com muito mais ímpeto porque vivenciado por quem habita o lugar.

Observações

  1. Maiores detalhes sobre o projeto educacional comporão o texto em elaboração sobre Educação de Vanguarda, a ser publicado brevemente.
  2. Entrando no Google Earth, ou Google Maps, e procurando “Vila Olímpica Maré”, o leitor poderá observar a posição na cidade e a utilização da área, em verde muito destacado, embora a apresentação possa não ter data mais recente.
  3. Observando a comunidade contígua, pode-se muito facilmente entender a relevância desta importante iniciativa. Pedro Demo costuma denunciar muitos projetos sociais identificando-os como “coisa pobre para pobre”, ou então “resto para uma população que é resto”. Muito certamente esse não é o caso da Vila Olímpica da Maré. Ela resulta de um Projeto de Vanguarda que se multiplicou em 15 outras Vilas Olímpicas na cidade, sempre para comunidades de baixa renda.

Posted by brasil2049

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