Autor: Eugênio Miguel Mancini Scheleder*
O mundo está mudando e a velocidade das mudanças é cada vez maior. O motor dessa transformação é a inovação tecnológica e o setor de energia não será exceção. No caso da indústria do petróleo, as transformações ocorrerão no contexto da mudança climática, das exigências ambientais e da concorrência com outras fontes de energia. Prevê-se que, salvo eventos geopolíticos relevantes, o mercado mundial será regulado, no curto e no médio prazos, pela disputa de “market-share” entre a OPEP e os produtores não convencionais de petróleo, o que poderia manter preços mais baixos para o produto por um período de tempo mais longo. As pressões ambientais, a competição com a eletricidade gerada por outras fontes, a introdução dos veículos elétricos no mercado e os ganhos de eficiência energética reduzirão a demanda no futuro mais distante. Um artigo publicado por Bloomberg, em 31/05/2017, estima que a redução de demanda decorrente da combinação de todos esses fatores poderá atingir 20 MM de bpd até 2040.
As grandes companhias petrolíferas estão, hoje, mais conscientes das mudanças que virão e buscam novos modelos de negócios para integrar e diversificar suas atividades. Algumas das maiores petroleiras do mundo, como Shell, Saudi Aramco, Repsol, Eni e Equinor, já anunciaram investimentos em energias renováveis e em tecnologias voltadas para a captura de carbono e para a eficiência energética. A Exxon Mobil e a Shell também têm portfólios de investimentos que utilizam células de combustível para capturar as emissões das usinas. Já a Total decidiu investir na integração vertical de suas atividades, do poço ao posto, visando adicionar maior valor aos seus produtos. Produtos petroquímicos e fertilizantes terão uma demanda crescente nas próximas décadas e constituirão um mercado pronto para parte do petróleo que será deslocado de outros setores. São opções importantes para os produtores com maiores custos de exploração e produção, a exemplo daqueles que exploram o xisto e as jazidas em águas profundas e ultraprofundas.
Este é o futuro no qual a Petrobras estará inserida. É sabido que a empresa colocou ativos à venda, para equacionar o seu endividamento. Que ativos alienar é um tema estratégico e, seguindo o exemplo das congêneres, a seleção deveria ser feita com o cuidado de (i) manter a integração vertical, do poço ao posto, para valorizar os produtos e garantir o acesso ao mercado, (ii) preservar as atividades que permitem adicionar valor ao petróleo e (iii) defender a participação da Petrobras no mercado brasileiro de combustíveis.
As vendas anunciadas até o momento desprezam essa questão estratégica. A alienação de sistemas de logística e de distribuição desestruturam o principal negócio da Petrobras, que é o abastecimento do mercado nacional, maior gerador de receita para a empresa. O abandono das áreas de petroquímica e fertilizantes reduz a capacidade de agregar valor ao petróleo e ao gás natural e a saída do setor de biocombustíveis diminui o “market-share” da companhia nos mercados de gasolina e diesel. A alienação de metade do parque de refino brasileiro, prevista no programa de desinvestimento da Petrobras, representará o golpe de misericórdia na integração das atividades da empresa e resultará em perdas relevantes para o “market-share” e para a receita da companhia.
A verdade é que não há necessidade de vender esses e outros ativos estruturantes do negócio da Petrobras. Os recursos gerados por essas vendas podem ser obtidos por mecanismos de negociação da dívida, existentes no mercado. Em captações recentes, de grande aceitação pelos investidores, o custo de rolagem da dívida tem se situado na faixa de 5 a 7% ao ano, muito menor, portanto, do que a rentabilidade dos ativos das áreas de abastecimento e de distribuição.
Transformar a Petrobras em uma empresa de O&G, focada no pré-sal e sem as receitas do “downstream”, é um equívoco estratégico monumental. No cenário futuro aqui desenhado, as empresas não integradas e que se dedicarem unicamente à extração de petróleo em águas ultraprofundas correrão o risco de, simplesmente, desaparecer. O destino da Petrobras sempre foi, desde a criação, o de uma grande empresa de petróleo integrada e verticalizada do poço ao posto, presente em todo o território nacional, proprietária e operadora de sistemas de produção, transporte, refinarias, unidades petroquímicas, fábricas de fertilizantes, plantas de biocombustíveis e termelétricas.
Esta é a Petrobras que os brasileiros querem. Esta é a Petrobras de que o Brasil precisa.
Em: outubro de 2020
*Eugenio Miguel Mancini Scheleder é engenheiro aposentado da Petrobras. Também ocupou cargos de direção nos ministérios de Minas e Energia e do Planejamento, de 1991 a 2005.